sexta-feira, 3 de julho de 2015

Meu Ipê florido

Hoje, indo para o trabalho, percebi no caminho um lindo Ipê Roxo, e lembrei-me de Marcela.


É claro que Marcela é um nome é fictício, jamais revelaria o nome da minha paixão na adolescência, quer dizer, já revelei em outra crônica, mas com certeza ninguém lembrará.
Também fictícia, é essa história de Ipê roxo, na verdade as flores são num tom mais escuro da cor rosa, mas deixemos isso pra lá e vamos aos fatos.
Quando adolescente, numa época das fortes paixões, eu tinha a Marcela, a minha namoradinha. A gente namorava meio que escondido, pois havia um impedimento para o romance seguir normal, tipo... Eu.
Naquela época tinha numa rua no caminho da escola, o início de uma trilha levava até um pé de Ipê Roxo. Na verdade, naquele tempo não me importava muito se era Ipê Roxo ou sei lá que outro tipo que havia. Para mim só existia uma flor.... A Marcela.
Foi ali debaixo daquele Ipê que me declarei a ela.
Íamos para escola pela já citada rua. Eu ia só, de um lado da rua, na calçada esquerda de quem subia e Marcela na direita, com uma "amiga". Trocávamos olhares já há algum tempo e chegamos a conversar rapidamente, mas sempre havia uma "vela" presente. "Vela", era aquela pessoa que não se tocava que queríamos ficar a sós e insistia em acompanhar, mas especificamente a Marcela, por onde quer que ela fosse. Então Marcela falou algo para a amiga, que me olhou com uma cara de desdenha e então atravessou a rua, sozinha, vindo em minha direção. Parei e esperei.
 - Oi. - disse ela com uma voz muito suave.
- Oi Marcela.
- Podemos terminar a conversa que começamos dias atrás? Você disse que queria me falar algo.
- Pode ser lá no Ipê?
Acenando com a cabeça, ela aceitou e seguimos lado a lado. Sentamos na grama ao pé da árvore e me declarei. Ela também me queria e ali trocamos nosso primeiro beijo.
Passados duas semanas desse acontecimento, ela marcou novamente comigo ao pé do Ipê para namorarmos e eu então, pensei em fazer uma surpresa para ela.
Chegando antes do horário combinado ao pé do Ipê, que não era tão grande, parecia uma jovem planta, pequei meu canivete, presente de Vovô e desenhei no ainda frágil tronco, um coração. Quando ela chegou, mostrei e juntos gravamos nossos nomes.
- Um dia, no futuro, viremos aqui e essa árvore estará enorme. Procuraremos por nosso coração e veremos que ele cresceu com o tronco e estará tão grande como o nosso amor.
- Que lindo. - Ganhei outro beijo.
É claro que aquele namoro não durou tanto tempo assim. Dois meses depois, já com o romance em encontros semanais, quando nos encontramos novamente ali, ao pé do Ipê, e contei que estaria mudando para outra cidade, choramos juntos. Prometi que sempre que possível, viria vê-la e pedi para que cuidasse de nosso coração. E ela jurou jamais deixar que algo acontecesse com ele e com o nosso Ipê. A mudança foi pra muito mais longe do que previ e nunca mais a vi.
Após muitos anos, depois de formado e estar bem profissionalmente, fui fazer uma visita comercial naquela cidade. Havia feito um ótimo negócio e sai descontraído rodando pelas ruas da cidade, quando passei e vi um Ipê Roxo, muito florido. Freei instantaneamente, sem sequer olhar pelo retrovisor. Só depois percebi que poderia ter causado um acidente com meu ato. Fiquei por alguns segundos com o olhar fixo naquela linda árvore, que mais parecia uma pintura num quadro, tentando descobrir que lembrança ela me trazia, então veio a imagem de Marcela.
Ela havia cumprido sua promessa, ela cuidou do nosso Ipê e depois de tantos anos lá estava ele, lindo.
Manobrei o carro, encostei e desci.
Naquele local, ontem outrora era o trilho de passagem que ligava a um enorme pasto, hoje era uma bonita avenida. Procurei mais alguns pontos de referência e confirmei, era a nossa árvore.
Ele, o nosso Ipê, estava florido. Ele era agora, uma árvore grande. No chão, espalhado, parecendo um lindo tapete visto ao longe, uma camada de um rosa forte. Era as nossas flores. Sem saber ao certo o porquê, meu coração acelerou.
 Lembrei-me do nosso coração, nele havíamos gravado nossos nomes. Será que ainda estaria ali?
Aproximei-me e procurei ao redor do tronco, mas não achei. Que tolo sou eu, éramos menores e o Ipê também. Nosso coração devia estar mais ao alto, então comecei a procurar numa altura maior e achei.
Lá estava ele, há uns cinquenta centímetros além da minha altura, mas não era possível ver nossos nomes. Subi rapidamente na grade que vazia-se de muro na casa onde o nosso Ipê estava em frente e pude ler.
Marcela e Josito.
- Josito!  - olhei novamente para confirmar. - Josito!
Não era meu nome que estava no coração, outro tinha tomado meu coração, minha árvore e minha Marcela.
- Josito?
Desci já não achando nada mais lindo. Aquelas flores escorregadias no chão quase me fez cair. Limpei minhas mãos de pó daquelas grades sujas e fui em direção ao meu carro.
- Josito?...Josito...  - Parei de repente e exclamei - Que droga Marcela! Josito era meu irmão!
Na verdade, seu nome era João, mas naquela época o chamávamos de Josito.
Entrei no carro e bati a porta.
Olhei novamente para o Ipê e disse pra mim mesmo...

Não gosto mesmo de Ipê Roxo, principalmente os que dão flores rosa.
Prefiro o amarelo. Fui embora sem olhar para trás.
Vai vendo...