sexta-feira, 22 de novembro de 2019

Por uma moeda.


 
Q
uando o conheci, era uma sexta-feira. Ele estava sentado na sarjeta, segurando uma manta velha e tinha ao lado uma pequena lata tubular, dessas pequenas que trazem seleta de legumes. Também ao seu lado, estava um pequenino e frágil vira-lata, que deitado colado a ele, descansava a cabeça sobre seu colo.
  Ele pronunciava algumas palavras em tom bem baixo, enquanto acariciava a cabeça do cãozinho, olhando com carinho e deslizando seus dedos por dentro do pelo macio. Assim que cheguei, ele levantou a cabeça e me olhou.
  Eu acabava de estacionar o meu velho Alfa Romeu, a três metros dele, para esperar minha noiva sair do trabalho. Continuou a cuidar do cachorro, falando algo, talvez para si mesmo. Percebi que quando alguém jogava uma moeda na latinha, após alguns segundos ele falava algo sem olhar para a pessoa.
Primeiro imaginei que ele agradecia, mas depois fui percebendo que as pessoas, reagiam de diferentes formas e até estranhamente.
  Uma mulher após ouvi-lo, colocou a mão sobre a boca e assustada se afastou rapidamente. Um outro o questionou bravamente e chutou-lhe a latinha. O mais estranho foi um casal, já de meia idade, que chegou a agachar e abraça-lo. Eram reações distintas e estranhas. Por uma ou duas vezes, me olhou, com sua latinha na mão e sorriu.
  Eu já fazia essa rotina, de esperar minha noiva sair da loja, já a quase um mês. Como nunca o havia percebido? Apenas nessa semana o notei. Minha noiva chegou e partimos.
  Na segunda-feira, lá estava eu tentando uma vaga para estacionar e ele mostrou onde colocar. Lá estava ele há alguns metros de mim, com seu cãozinho. Fiquei observando, mas algumas moedas e mais reações estranhas. Maior também ficou minha curiosidade por aquele homem.
  Uma criança se aproximou para lhe dar uma moeda. Ele imediatamente se encolheu e tampou a boca da latinha, não aceitando a moeda. A criança sem graça, retornou a sua mãe que a esperava ali próximo. Assim que a criança e sua mãe se afastaram, ele me olhou, sorriu e ofereceu sua latinha.      Acredito que para colocar uma moeda. Novamente fui embora quando meu amor chegou, mas intrigado com aquele homem.
  No caminho de casa, perguntei a minha noiva se ela já o tinha visto. Segundo ela, alguns clientes do seu trabalho o chamavam de bruxo. Diziam que quando alguém jogava uma moeda em sua latinha, ele esperava a moeda parar de se mexer e em agradecimento, dizia coisas estranhas. Uns diziam ser bobagens ou loucuras, mas alguns acreditavam que eram adivinhações e até, profecias.
  Na terça-feira, estava muito curioso em relação a tudo isso e decidi dar-lhe uma moeda. Mas surpreendentemente, minha noiva saiu mais cedo do trabalho e não precisei busca-la. Deixei para quarta-feira, mas meu carro quebrou. Quer dizer, não funcionou de forma alguma. Depois que passou o horário de buscar a noiva, voltou a funcionar, misteriosamente.
  Na quinta-feira já havia esquecido o assunto, quando me deparei com ele novamente no mesmo lugar, com seu fiel companheiro. Após ver uma senhora soltar uma moeda na latinha e ele nem reagir, pensei: a moeda deve estar girando e logo cairá. Dito e feito. De repente, sem olhar para a mulher, falou algo que a fez mudar sua expressão de angustiada, para um grande e belo sorriso, saindo muito feliz dali.
  Decidi dar-lhe uma moeda também.
  Procurei por uma moeda no console do carro, no porta luvas e acendedor do carro. Não encontrei nenhuma. Bati a mão no volante inconformado. Sabia que tinha moedas por ali. Olhei para o homem, que com sua latinha na mão apontando para mim, gargalhava. Minha noiva chegou e partimos. A questionei sobre as moedas deixadas ali e ela lembrou-me, que tinha o valor exato que deixamos no pedágio no final de semana, Verdade. Fiquei impressionado por ter o valor certinho disponível para pagá-lo.
  A primeira coisa que fiz na sexta-feira, foi violar meu porta-moedas, um porquinho azul, de plástico. Por garantia, peguei 5 moedas, contei e coloquei imediatamente no bolso da calça, antes mesmo de vesti-la.
  Como toda sexta que se preze, passei o dia angustiado, como muitos, a espera de seu final. Ela foi longa e lenta, mas chegou ao fim.
  Antes de bater a chave na ignição, lembrei quando falhou e virei a chave com cuidado, o lindo ronco do motor apareceu normalmente. O transito, por mais estranho que pareça, estava livre e tranquilo.  Cheguei no trabalho da noiva no horário e lá estava ele, sua latinha e seu cão.
  Assim que parei, ele olhou sorrindo, guardou um pequeno papel em sua latinha e levantou-se pegando suas coisas. Ele estendeu seu braço em minha direção, com a latinha na mão. Estacionei o carro e sai, já vendo minha noiva saindo da loja. Fiz sinal para ela me esperar. Percebendo onde me dirigia, ela foi ao meu encontro.
  Aproximei-me do homem, já buscando uma moeda no bolso e parei a sua frente. Ele mantinha a mesma posição com a latinha estendida para mim. Minha noiva nos alcançou no exato momento em que soltei a moeda na lata. Ele não desviou os olhos dos meus e não conferiu a moeda, até que ela parou de tilintar na lata. Abaixou o braço com a latinha, sem olhá-la e colocou a outra mão sobre o meu ombro.
  - Parabéns.
  Foi só o que falou e saiu andando, enquanto nós dois o observava afastar. Só isso?... pensei.
  No mesmo momento, ele voltou-se para nós, tirou um pequeno papel da latinha e entregou ao cachorro, que o trouxe até nós soltando no chão, aos nossos pés, e voltou para o amigo.
  Recolhi o papel e quando olhamos ele não estava mais lá.
  Abri o pequeno papel e estava escrito:
  “ Dê as outras 4 para quem precise... André é um lindo nome. ”
  Soube logo depois, que teremos um filho e André é o nome de meu pai. Nome que sempre falei dar a um filho, algum dia.