terça-feira, 28 de abril de 2020

Com vinte e dezenove - Início da Quarentena


Muita informação, as vezes confunde e complica demais. Pelo menos ao que se refere a minha mãe.

Em plena quarentena, eu trabalhava em casa por determinação da empresa e isso ajudou muito pois, fiquei mais próximo da minha querida mãe. Ela mora no quintal ao lado, na casa do meu irmão, meu vizinho. Ela, já um tanto velhinha e com a audição um pouco reduzida, insistia e teimava em sair de casa por qualquer motivo, mesmo na quarentena. Era descuidar um pouco e ela dava a sua fugidinha.

Peguei-a por diversas vezes pronta para escapar e sair pelo bairro. Também por duas vezes, a flagrei saindo para ir ao mercadinho local. O problema é que, na segunda vez, só a encontrei quando abria o portão para entrar em casa e a flagrei com um pacote volumoso na mão, que trazia a estampa do mercadinho. Quando a interpelei, primeiro disse que estava saindo e não chegando, tentando disfarçar o que fazia. Quando apontei o pacote em sua mão, chamou-me de controlador e que nem meu velho falecido pai, ciumento demais que era, a controlava assim.

Aproveitando do momento, reclamou que sempre pegava em seu pé, ora falando para tomar cuidado com os bailes da terceira idade que frequenta e que agora, por causa da quarentena, não ia mais. Reclamou também, que não mais a deixava ir à sua dança cigana, onde sempre acompanhada de amigas, se divertia e confraternizava. O motivo era sempre o mesmo: essa tal de quarentena.

Ouvindo seus lamentos, a acompanhei até sua casa e me sentei ao seu lado, no sofá. Calmamente, comecei a explicar as razões da minha preocupação e da necessidade do confinamento.

Falei o quanto era importante ela ficar isolada e o quanto esse vírus já matou de pessoas pelo mundo todo. E agora, ele chegou ao Brasil.

Percebendo que ela estava indiferente as minhas palavras, perguntei se não estava acompanhando o noticiário da TV. Se não tinha visto como as ruas das cidades no mundo todo estavam vazias, sem ninguém circulando. Falei das inúmeras mortes na China, onde tudo começou, e ela, prontamente respondeu resmungando que esse povo chinês era muito estranho, que come de tudo e que não ia se contaminar, porque eles ficam muito longe daqui.

Voltei a falar comentando os graves números da Itália e Espanha. O primeiro já a preocupou, pois é sua referência ao Papa. Aí sim, ela se assustou e prestou mais atenção no que relatava. Ao enfatizar, que a maioria das pessoas mortas na Itália e agora também na Espanha, tinham acima de 60 anos e que por isso, nós a estávamos protegendo de se expor, ela olhou-me seriamente, falando num tom de sabedoria: “Eu até que não vejo muito televisão, mas escuto o rádio todo dia. Lá, falaram que o “Vírus Corona” - disse ela enfatizando a palavra, querendo mostrar que sabia do que falava - estava matando muita gente, mas fora do nosso país e que só pega em gente com 20 e 19”.

Assustado ao ouvir aquilo, insisti para que repetisse.

— É isso aí, meu filho. Eu estou bem informada e protegida. Comigo, não tem perigo isso não. Eles disseram no rádio, que esse vírus que está matando por lá, "o novo Corona vírus", só pega quem tem 20 e 19 anos.

Levei alguns segundos para processar suas palavras e entender o que ela dizia, e então cai na risada, deixando-a ainda mais brava.

Era por isso que via como exagero os nossos cuidados com suas saídas. Na verdade, minha mãe ouviu pelo rádio, a informação sobre o vírus Covid19 e entendeu que era “com vinte e dezenove”.

Vai vendo...


Apesar de fazê-la entender, que ambos os nomes eram do mesmo problema, que eram a mesma causa de risco, achei melhor recomendar a meu irmão, colocar chave no portão.





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