sexta-feira, 24 de novembro de 2017

Marmita

Com a minha mudança, retornando para meu antigo bairro, alguns costumes banidos da minha existência, também retornaram. Um deles, o carregar marmita.
Nada contra, muito menos algo a favor.
No meu tempo de metalúrgico no ABC paulista, mais precisamente em Santo André (hora de colocar a mão no peito e dizer, “Salve, salve torrão andreense...) carreguei por muitos anos a dita cuja e, tive diversos contratempos a ponto de querer abandoná-la definitivamente. Para quem diz que não é bem assim, vamos à alguns;
Azedar, esse é um dos piores. Quando a barriga já está tocando a 9ª sinfonia de Beethoven de tanta fome e você tremulo vai abrir e sente aquele cheiro de azedo. Meu Deus! Eca... no verão era fatal.
Encher de água. Isso sempre acontecia, porque o descuidado que as colocava para esquentar, na pressa de fazer, colocava água demais no famoso banho Maria (será que existiu uma Maria que tomava banho assim?). A água fervia e borbulhava, como a tampa geralmente de alumínio com o tempo afrouxava, qualquer comida virava sopa.
Troca de misturas. Levava peixe e comia mortadela (para os paulistas mortandela), levava bife acebolado (as vezes até achava a cebola de lado), mas comia Zóião (traduzindo do paulistês: ovo). Um dia cheguei até sair procurando meu bife à milanesa, preparado as 5:00 da manhã e muito cuidadosamente acomodado entre o arroz e a farofa, mas a reclamação foi tanta que deixei de lado. Bom apetite... fui de linguiça mesmo.
Um dia descendo do ônibus com um colega de trabalho, que trazia sua marmita em uma sacola parecida com essas de supermercado, perdi o equilíbrio e tentei me segurar nele para me apoiar. Minha mão escorregou de seu braço e lá se foi sua marmita pelo ar, se espatifando no chão. Era arroz e feijão para todo lado, o coitado ainda quase escorregou em duas linguicinhas, daquelas bem fininhas, que rolavam no chão. Paramos para limpar a sujeira? Que nada, as gargalhadas eram tantas que ele de raiva, ainda chutou a tampa da marmita para longe e caímos no mundo, mas vermelhos de vergonha que as rodelas de tomates que se destacavam naquela bagunça.
É claro que fiquei sem meu almoço. Ele pegou minha marmita e eu comi um pão amanhecido.

Pensei que ele podia pelo menos “rachar” (era dividir na minha época), mas rachou mesmo foi o preço da marmita nova no dia seguinte. Uma com proteção e isolante térmico dentro, mas ainda bem que foi assim, imagine se aquele cara de quase o dobro do meu tamanho resolvesse rachar a minha cara. Vai vendo...

quinta-feira, 23 de novembro de 2017

Tatu e o Rock

Tatu era um cara esquisito, mas era meu amigo.

Cabelo comprido, barba quase inexistente, botinas com canos longos, tipo coturno militar e um modo estranho de andar. Assim era o Tatu, meu colega de trabalho.
O conheci no meu primeiro emprego registrado. Aliás, aquela metalúrgica no ABC paulista parecia ter de tudo, uma figura mais maluca que outra. Um colega metido a garanhão que pegava todas as mulheres, e era mesmo, tenho outras histórias para contar dele, um fotografo que trabalhava em plaina, um pintor meio aloprado, mas que jogava um bolão. Tinha também jovem rapaz que veio do SENAI, o Sujeirinha. Ele era auxiliar de um torneiro mecânico que parecia saído de um filme de terror e tinha muitos outros mais.
A empresa que tinha essas figuras entre seus empregados, produzia máquinas industriais de lavar, secar e passar roupas, tudo de grande porte para hotéis, hospitais e similares.
Tatu trabalhava no setor de pintura e as vezes na calandra, um tipo de secadora.
Foi dele que comprei minha primeira camiseta de rock, da banda Kiss, na época radical demais. Ele as vezes pareci na empresa com alguma para vender, todas pintadas por ele mesmo. Podia ser de qualidade duvidosa, mas na época para mim era ter algo pra lá de radical. Tanto que quando cheguei em casa com minha camiseta, minha mãe quase teve um ataque. Acho a coisa mais horrível do mundo e me mandou devolver. Mas eu poderia devolver uma camiseta do Kiss? Daquela banda que apesar de ouvir raramente uma música, pois era muito difícil juntar dinheiro para comprar um disco, me fascinava pelo que passava em seus clips, esperado ansiosamente e assistido semanalmente pela antiga TV cultura? Fiquei com ela, mesmo que, usando pouquíssimas vezes.
Aprendi muito sobre rock com esse estranho amigo. Conheci bandas que nem imaginava existir, como Led Zeppelin e Pink Floyd e fiquei encantado com esse descriminado ritmo.
Um dia Tatu apareceu com uma novidade, queria vender um LP do Rolling Stones. Estava mais estranho que o normal, mas logo entendi o porquê.
Tatu estava passando por um momento difícil, que nem imagino o que realmente era, mas para chegar ao ponto de vender um LP dos Rolling Stones, devia ser sério.
Os Rolling Stones eram para nós na época, o antídoto aos The Beatles. Enquanto a banda do quarteto de Liverpool, tocavam baladas e um rock ameno, os Rolling Stones eram rebeldia pura. É claro que essa era uma visão de um garoto que mal sabia o que era Rock' Roll.
Ele trazia o LP colado ao corpo, primeiro para que a chefia não o visse oferendo pelas seções, isso poderia lhe custar uma advertência, e também parecia que relutava em se separar de tal disco. Chegou até ao almoxarifado, onde eu trabalhava, como se tivesse vendendo algo ilegal. Olhava de um lado ao outro, como se pudesse estar sendo seguido e falava baixo.
O valor que me pediu era astronômico, eu ganhava muito pouco, mas meus olhos brilharam quando segurei o disco e a cabeça começou a fazer contas. Não tinha jeito, nunca conseguiria o valor e acreditei que ninguém ali o compraria, o que me daria um tempo para juntar o dinheiro. Acertei com ele que juntaria o dinheiro para ficar com o disco.
Naquela noite mal dormi e quando consegui, sonhei ver a capa do LP na minha estante como um troféu e o som de Satisfation preenchendo todo o espaço da minha sala. Ainda bem que mamãe não participou do sonho ou o disco sairia voando pela janela. Comecei a juntar moedas.
Dias depois, lá veio o Tatu com outra camiseta para vender, nem quis ver e o interrompi no meio da conversa para perguntar sobre o disco. Um choque... ele havia vendido e pela metade do preço. Exatamente o que eu já havia juntado.
Acho que a partir desse dia deixei de ser seu amigo.
Alguns dias depois ele foi dispensado da empresa e nunca mais vi o Tatu. Nunca, até 25 anos depois.
Numa das minhas muitas idas a Santo André ver o Ramalhão jogar, quando saia da estação ferroviária, vi um homem carregando um tipo de estojo grande, pareceu-me ser de artesanatos. O que me chamou a atenção para sua figura, foi a forma que olhava de um lado ao outro. Imediatamente minha memória, que já não era grande coisa na época, trouxe a imagem do Tatu me oferecendo o disco dos Rolling Stones. Nem imagino o porquê da ligação das imagens, mas me aproximei daquele homem e o chamei por Tatu.
Esperava que virasse de imediato para mim, mas nem se importou. Quando toquei seu ombro, virou-se rapidamente esquivando-se de mim. Olhou-me assustado e tentou afastar-se. Chamei-o novamente pelo apelido e ignorou-me, tentando sair dali.
O segui por alguns metros e quando pedi que parasse e falei quem eu era, ele realmente parou e virou-se para mim.
Ele estava bem envelhecido, barbudo e desleixado, parecia um andarilho ou mesmo um morador de rua. Senti muita pena naquele momento e foi inevitável comparar aquela imagem com a daquele jovem e dinâmico roqueiro do final dos anos 70.
Aproximei e lhe estiquei a mão. Ele se encolheu e disse que não me conhecia perguntando o que eu queria. Vi que realmente não me reconheceu e então disse que queria comprar algo.
Imediatamente, ainda olhando para os lados separou seu mostruário que agarrava junto ao peito, como fez exatamente com o LP do Rolling Stones há tantos anos atrás e mostrou-me seus trabalhos. Eram botoons, que segundo ele, fizera com as próprias mãos. Tinha vários e o que me ofereceu de imediato foi uma pequena guitarra vermelha e azul, que trazia no seu braço escrito Rolling Stones. Olhei para ele espantado e vi que sua fisionomia não mudará, fora apenas uma coincidência. Fiquei com o botoon, paguei, agradeci e lhe estendi minha mão. Ele olhou-me desconfiado e a apertou. Então me despedi dizendo: "Adeus Tatu".
Afastei-me e fui embora parando por diversas vezes e olhando para trás. Ele não se mexeu um milímetro. Ficou ali parado olhando até sumir de sua vista, parado como uma estátua.
Nunca mais soube do Tatu.
Apenas registro essa história para reafirmar a minha memória, um tempo que vivi uma relação com o rock e tive um grande amigo roqueiro.

Salve Tatu!

quarta-feira, 22 de novembro de 2017

E o Leão se engasgou com o Sapo

Pelo título, não espere mais um conto de animais ou bichos, este é sobre mais uma partida do Sapão da Vila.
Aliás, tenho que começar da forma certa.
Às 8:30 de uma linda manhã de domingo, enquanto ainda espantava a preguiça, fui surpreendido por uma invasão a Vila São João (chamada também de Vila Garcia). Era uma bagunça e barulho, como ainda não tinha visto ainda aqui na Vila. Imaginei, hoje tem jogo do Sapão. Acertei em partes, realmente teríamos jogo aqui no Beira Brejo. Para quem não entendeu, é como chamo o campo do todo poderoso Sapão.
Eram muitos carros e acredito que até ônibus, o barulho foi absurdo. Buzinaço, gritaria, fogos, batuques, chavões e cantigas gritados a todo pulmão. Era o Leão do Parque Meia Lua, invadindo a Vila. Era dia de final.
Sempre fiquei impressionado com a animação do Sapão, nunca tinha visto nada igual nos bairros que morei, nem mesmo no saudoso time do Humaitá, da minha terra natal. O que o Leão estava fazendo na Vila, superou tudo o que eu já tinha visto com o Sapão e que me deixara com uma simpatia enorme pelo time do Sapão da Vila. Era uma manifestação incrível.
Eles pareciam que eram a torcida local, tanto pela presença numerosa, como pela animação fantástica. Tive que sair para ver isso de perto.
Como não podia ser diferente, meu corajoso amigo canino, o Twoo, a essa altura já estava escondido debaixo da minha cama, com medo dos fogos.
Das 8:30 até as 10 horas, este último o horário do início da partida, foi uma festança enorme e então começou o jogo. A barulhenta e festiva torcida do Sapão, parecia ter ficado em casa. Não se ouvia uma manifestação a favor do time da Vila. Já sabedor da rivalidade entres as equipes e da fragilidade da segurança nos jogos dessas equipes, e como moro praticamente colado ao Beira Brejo, achei melhor ficar em casa e apreciar o jogo mais tranquilo, apenas escutando seu andamento.
O Leão veio para arrebentar mesmo, só dou eles no primeiro tempo. O placar nem deu para imaginar, eles não paravam um minuto de vibrar, mas pela alegria e a cantoria saíram na frente. Quase no mesmo momento se encontraram em frente ao meu portão dois rapazes e um perguntou ao outro, 
"Quanto está o jogo?". A resposta veio me confirmar, 1 x 0 pro Leão.
O segundo tempo começou com a cantoria "Ole, ole, ole, olá viemos aqui para golear", parecia que o calado Sapão, não teria a vida fácil nesse domingo e a essa altura, eu já pensava em ir para debaixo da cama com o Twoo. Estava angustiado de ouvir a torcida do Leão, calando a do time da Vila. Que nervoso.
Acho que o técnico do Sapão deve ter dado um esfrega no time, pois logo escutei o que seria o gol de empate. Com uma comemoração um tanto tímida e poucos fogos, o Sapão entrou na disputa novamente e o que parecia uma pressão sem fim do Leão, de repente mudou e pela primeira vez ouvi, ainda que fraco, a torcida gritar chegou o "Todo poderoso Sapão".
Desse momento em diante só deu Sapão, viraram o jogo e fizeram mais um. Toda aquela tremenda e diria até, insuportável alegria do Leão, deu lugar a um silêncio maior ainda.
Acabou o jogo e novamente deu Sapão.
Muito bonito de se ver (melhor seria dizer ouvir, afinal a essa altura eu já estava de boa relaxado na cadeira no meu quintal) a comemoração e a entrega do caneco ao Sapão da Vila.
Quanto ao Leão...  Miau pra eles...


"Ô, ô, ô, ô, TODO PODEROSO SAPO, Ô, ô, ô, ô, TODO PODEROSO SAPO... "

segunda-feira, 20 de novembro de 2017

Segunda

Segunda-feira...

Não tenho nada contra a segunda-feira, apenas acho que não deveria existir.

Há algum tempo atrás eu endeusava a quinta (para mim o melhor dia da semana, outro dia esclareço o porquê), e até gostava da segunda, mas depois de algumas reflexões, tive que aderir a turma do “Fora Segunda”.
Ela já começa sendo a segunda, se fosse boa seria a primeira-feira, uma perdedora segundo Airton Senna: “Vencer (chegar em primeiro) é o que importa. O resto é a consequência”. Poooode ser que... até alguns digam: “O que importa é competir”. Sei, vai dizer para o Felipe, se foi bom chegar em segundo no campeonato de formula1.  Ganhar o campeonato para ele, seria Massa, não deu, agora... quem é Felipe? já Elvis.
Mas voltando a hoje, segunda-feira...
Iniciar a segunda-feira levantando as 5:30, dia nublado (segunda nasceu para ser nublado), sair apressado desviando das surpresas que os cachorros aprontam, pegar uma garoa fina, rodar uma hora de ônibus, pegar fila para passar o cartão de ponto e saber que estamos sem rede. É fantástico! Que saco, a rede voltou.
Se você entra no escritório sorrindo, os colegas olham e pensam de que planeta esse cara saiu. Ai vem a velha piadinha, “Bom dia por que?”. Se os seguem fechando a cara, pensam: “Que mal-humorado, acho que não rolou no fim de semana”. Ah... espelho, espelho meu
Tô nem ai se é segunda, engato uma quinta e corro dia afora, sei que daqui há algumas horas já será terça-feira.

Terça-feira...