sábado, 31 de agosto de 2013

sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Sentada no caixão.

É.
O título é para assustar mesmo. Mas que foi verdade, ninguém discute, tanto que o causo é citado em livros que contam o centenário de Guaxupé/MG.
Lembram-se do causo do lobisomem que meu tretavô viveu? Pois bem, a mulherada da época também não ficavam atrás.
O acontecimento dessa vez, foi com a bisa de vovó, chamada Pedrosa.
Apesar de ninguém mais lembrar exatamente como foi, soltei minha imaginação e viajei tentando ver a cena. Acho que foi mais ou menos assim...
A notícia da morte da bisa, chocou toda a família. Vieram parentes de tudo quanto é lugar. Todos vizinhos estavam presentes em seu velório.
Naquela época, os finados eram velados em sua própria casa. Cada lugar tinha seu jeito de velar. Uns tinham o costume de beber o defunto. Acho até, que para alguns era apenas um motivo pra tomar umas a mais.
Se hoje ainda fosse assim por aqui, até vejo a fila dos pés de cana na entrada de todo velório. O duro seria como levar o caixão depois. Fila pra "beber" o defunto. Complicado.
Tinha também as famílias que contratavam as "choronas" ou "choradeiras profissionais". Elas passavam a noite toda do velório chorando. Depois, acompanhavam o cortejo até o sepultamento ainda chorando e então recebiam da família. Aí era só alegria, salvo quando davam calote nelas, ai então a choradeira era maior ainda, não tinha fim. Mas enfim...
Voltando ao velório...
Os familiares, os amigos iam chegando aos montes para solidarizar e cumprimentar os filhos e o viúvo. Davam os pesares e iam ficando próximo o caixão. Pequenos grupos iam se formando comentado a dor da família e o quanto era valorosa a finada. Coisas assim.
A casa era uma tristeza só.
Já perto do horário do enterro, chegou o padre. A bisa era muito católica.
Ele chegou benzendo a casa e abrindo caminho até ao caixão. Todos, já acostumados com os ritos, já se preparavam para o inicio da oração.
Eram senhoras pegando seus rosários e os homens com o livro de orações a mão. O padre deu a volta pelo lado do caixão, para ficar mais perto e assim iniciar.
O silêncio se fez.
- Vamos iniciar meus irmãos, mas não fiquem triste... Com certeza nossa amiga vive e está feliz onde se encontra agora.
Não se sabe quem, mas alguém percebeu um pequeno balanço no caixão e olhou imediatamente para ele. Todos automaticamente acompanhou os olhos deste. Algo parecia que se mexia sob as flores do caixão. O silêncio foi total e alguns se aproximaram mais pra ver o que era. Neste momento, assim do nada a bisa levantou o tronco e ficou sentada no caixão.
O espanto foi geral. Ninguém se mexia. Todos pareciam congelados de susto e medo. Foi então que ela abrindo os olhos e chacoalhando as margaridas em seu corpo disse:
- Eu quero tutu com feijão!
Alguém pode até acreditar que a correria que se deu após isso tenha sido pra atender seu pedido, mas não ficou ninguém na sala. O marido e os filhos nem imagino onde foram parar. O padre? Com certeza desmaiou ali mesmo. Nunca imaginou que estava tão certo com suas palavras.
Depois de passado o susto, a correria, de alguns se recomporem, retornaram ao local e lá estava ela sentada no caixão tentando entender o que acontecia.
A provável explicação é a catalepsia patológica, mas naquela época, longe da cidade, da medicina moderna, era mais provável ser chamada de "pernas pra que te quero". Não fica um parado no lugar quando acontece.
Quanto a bisa de vovó, diz a família que viveu ainda por muitos anos, só fico imaginando quando ela realmente morreu o tempo que ficaram ali ao lado apreensivos, pronto pra correrem de novo.
Causos de família é assim, se a mãe e os tios contam, a gente acredita.
Vai vendo...



quinta-feira, 29 de agosto de 2013

Eu não quero mais abóbora!


Para mim era desse tamanho...
Éramos então, dois moleques em férias escolares, cheios de saúde e prontos pra aprontar alguma. Sempre foi assim.
O fundo da casa de vovó Zequinha naquela época, parecia enorme e não ter fim. Tinha pés de ameixa, de abacate e até de fruto do conde. Um paraíso para nós.
Era o melhor lugar do mundo para nossas aventuras e peraltices. O lugar certo para nos prender em casa nas férias de julho. 
Ali também já fora espaço para teatrinho, na verdade o palco era na casa do vizinho da direita, nosso fundo de quintal era onde ficavam a plateia, separados dos micro atores, por uma cerca de madeira. Não posso esquecer-me de nosso clube secreto, nele não podia participar meninas, só os "Bolinhas". Tinha também nosso lugar preferido, a velha ameixeira. dali podíamos espiar as filhas do vizinho da esquerda... Ops! Isso não era pra contar... Agora já foi.
Como sempre lá estávamos nós, eu e Dodo, brincando sei lá do que. Subíamos numa árvore, depois em outra e criávamos cabanas com pedaços de madeira e papelão. Local proibido para a priminha caçula.
Estávamos subindo no abacateiro, quando a tia nos flagrou e foi logo dando bronca, pela bagunça no quintal.

- Mas vocês não ficam quietos mesmos né. Arrumem já essa bagunça e não vão lá para o lado das abóboras. Tem uma enorme lá que vou fazer doce. Não me quebrem ela do pé.

Abóbora que abóbora? Nem tínhamos percebido e é claro que esse recado, para nós, foi com uma ordem direta. Ela mal deu as costas pra gente e lá fomos nós cortar talos das folhas da abóbora, para fazer tubos e assim soltarmos bolhas de sabão. As bolhas eram feitas com o sabão roubado da pia da tia... Ops! Escapou outra, isso também não era pra escrever.
Depois de cortar os tubos, raspa-los para tirar a pele espinhosa e preparar a água com sabão, lá estávamos eu e Dodo soltando-as no ar e correndo para estourá-las.
Confesso que não me lembro quem "fui", quer dizer, quem foi, mas não é que quebramos o talo da abóbora gigante da tia? Lei de Murphey... "Se há alguma possibilidade de dar errado, com certeza dará e dá pior maneira".
Saímos de lá quietos e de fininho, mas como a tia, já vacinada de nós, percebeu nossa fuga e foi verificar o que acontecia.
Só escutamos o grito dela e sumimos.

- Ah! Seus moleques levados, quebraram minha abóbora, né. Pois agora vocês vão comer ela todinha.

A partir daquele dia era abóbora no almoço e janta.
Todo mundo comendo frango, carne e nós... Abóbora. Só depois da nossa porção de abóbora, que comíamos algo diferente.
Era abóbora refogada, doce de abóbora, abóbora recheada... Abóbora com isso, abóbora com aquilo.

- EU NÃO QUERO MAIS ABÓBORA!... - E tome abóbora.

Depois daquele dia, aprendi duas lições:
A primeira é que se alguém falar não vai lá que vai acontecer, a menos que adore abóbora, NÃO VÁ.
A segunda: Nunca reclame do termino das férias. Graças a ela eu voltei pra casa e Dodo teve que comer o restante da abóbora sozinho.

...Eca!



quarta-feira, 28 de agosto de 2013

terça-feira, 27 de agosto de 2013

Filme de ação

Há muita gente divertida neste mundo doido.

Sabe aquele cara muito louco, de bem com a vida, que vive fazendo graça e nos divertindo? Esse era o primo João.

Resolvi passar um fim de semana com ele e sua família. Há muito vinha planejando, mas por força do trabalho terminava adiando.

Como sempre sua recepção parecia uma festa. Ele tinha um prazer enorme de nos receber, tanto que sempre tinha alguém em sua casa. Com um sorriso largo e sincero, abriu o portão e falando alto, com satisfação me cumprimentou, quase quebrando meus ossos num forte abraço.

Depois de muita conversa e um almoço inesquecível, ficamos na varanda relembrando o passado, os entes queridos que já partiram dessa vida e as peripécias aprontadas na juventude.

Assunto vai, assunto vem, começamos a falar de filmes. Tanto eu, como o primo João, somos dois fanáticos por filmes e então começamos a trocar nomes e gostos por filmes.

Estávamos em plena conversa profunda, fundamentada, dizendo:

- Lembra-se desse, daquele um, que fazia aquilo...?

- Muito bom.... Mas tinha outro filme, que tinha uma coisa e que acabava assim.

Entendíamo-nos muito bem...

Então o primo João, levantou-se e disse:

- Tenho um novo, com fulano de tal, que dizem ser muito bom. Vamos ver?

A noite já vinha chegando e como não íamos sair, a sugestão era boa.

O primo entendia das coisas. Preparou um tira gosto, pegou umas cervejas e colocou o filme.

No início estava meio parado, mas foi encorpando e ficou muito bom.

Percebia que o primo se mexia constantemente na poltrona. A cada cena saia da posição que estava e mexia com alguma parte do corpo. Eram pés nervosos balançando, cruza e descruza os braços.

O filme entrava quase no final. Sabe aquela parte que o mocinho se ferra pacas, que quase quebrado, levanta-se e reage?

 Chegamos nessa parte...

O herói do filme chegou num galpão para resgatar a donzela e começou a bater em todos e quebrar tudo. De repente o primo João, saltou-se da poltrona e começou a interagir com o filme, dando socos e pontapés no ar. Gritava umas palavras incompreensíveis e se movimentava pela sala.

Eu, que já com o seu primeiro salto da poltrona, me engasgara com a batatinha e tossia feito um doido. Arregalei os olhos e me encolhi todo no sofá, muito assustado. Nem sei onde foi parar a latinha de cerveja que bebia.

Acabando a cena final, com a vitória do herói, o primo já suado de tanto golpes nos adversários imaginários, virou-se sorridente para mim dizendo:

- Primo, que filme bom. Adoro filme de ação.

Eu ainda assustado concordei balançando a cabeça.

Todo animado ainda, ele retirou o DVD guardando-o e virou-se para mim.

- Vamos jantar agora, depois nós veremos um filme de terror que dizem ser ótimo também.

Fala sério...

Depois de uma exibição dessas com um filme de ação, acham que eu ainda assistiria a um filme de terror com o primo?

Foi muita adrenalina para um dia, falei que estava com sono e me mandei para o meu quarto.

Já vi gente empolgada com filmes, mas como o primo João... 

Não existe.

segunda-feira, 26 de agosto de 2013

O negro Tirço

Andando pelo asfalto em pleno meio dia, lá ia aquele homem negro, aparentemente nos seus 50 anos.
O que mais chamava a atenção de quem por ele passava, é que ele caminhava descalço, parecia não sentir o afasto quente sob os pés desnudos. Estávamos perto das 12h00, o asfalto refletia o calor como num espelho e ele caminhava como se andasse nas areia de uma praia, bolsa nas costa e falando sozinho.
Esse era Tirço... 
Tirço era descendente de escravos e dizia isso com muito orgulho. Acostumara a andar descalço.
Sapatos em seus pés só quando ia a missa. Para essa ocasião especial tinha uma botina velha que sempre estava impecável. Não ia a missa se não estivesse calçado com elas. No dia a dia só andava descalço.
Diziam o povo onde morava, que a sua sola dos pés era tão grossa que podia entortar um prego, acaso ele pisasse. Mas esse povo é sempre assim mesmo, não pode ver ninguém feliz, sem nada, de boa com a vida, que caçoa.
Contam os mais velhos, que Tirço numa dessas longas caminhadas, passava por uma vila, que  estava tendo uma festa pró a igreja local. Como sempre, alguns arruaceiros, depois de tomar todas, estavam procurando confusão, pra chamar a atenção das meninas.
Faziam graça, provocavam os jovens da vila, que procuravam ficar quietos, evitando confusão. Então eles descobriram Zé Antonho.
Zé Antonho era um homem pacato, que todos conheciam na vila, trabalhador, cortador de cana e boa praça. Ele estava todo sorridente, comemorando. Acabará de ganhar um frango assado com farofa no bingo do padre Inácio.
O trio de provocadores aproximou-se dele e começaram a provoca-lo. Zé Antonho era pacato, mas não levava desaforo pra casa e perdendo a calma  deixou de lado seu frango com farofa e partiu pra cima dos três. 
As pessoas assustadas se afastaram e formando um cerco.
Ninguém teve coragem de se meter ou separar e viram Zé Antonho apanhar dos três estranhos.
A bagunça estava fomada e foi então que Tirço viu o tumulto, parou na barraca de bolo, comprou um de chocolate e ficou olhando.
Um dos provocadores, após dar um chute em Zé Antonho, que já estava no chão, virou todo sorridente pra mostrar sua valentia covarde ao povo e deu de cara com os olhos de Tirço, ainda saboreando seu bolo dechocolate.
O provocador então caminhou até ele e disse:
- O que foi negro, nunca viu não? Que brigar também?
Tirço colocando em sua boca o último pedaço de bolo e soltando sua bolsa no chão, com toda tranquilidade do mundo, respondeu:
- Querê, eu num quero não, senhô. Mas se o senhô insesti...
O homem que era um alemão, de tão branco, com o cabelo de fogo, todo engomado, todo admirado com a resposta, partiu pra cima de Tirço.
Dizem que ninguém entendeu o que aconteceu. De repente o homem valente, no segundo seguinte a essa conversa, estava no chão, desacordado.
Tirço dera um único soco nele e este apagou.

Os outros dois vendo o acontecido, olharam para seu colega no chão com o nariz quebrado, todo ensanguentado, partiram pra cima de Tirço também.
O que vinha a frente em primeiro, virou o último. Quando todos ainda estavam se preparando pra ver o acontecimento, ele já tinha acontecido. O homem foi jogado longe, pra trás do companheiro.
Isso, novamente com um único soco de Tirço. O terceiro desafiante ao olhar para chão e ver seus dois amigos apagados, desesperado saiu correndo dali.
Desde esse dia, aquela festa anual do padroeiro da vila, nunca mais teve problemas ou confusão.
Dizem que alguns moradores que, além de comemorar o dia do padroeiro, também comemoram o Dia do Negro Tirço.
Depois daquele dia em diante, ali prevaleceu aquele famoso jargão da TV...
Mexe com quem tá quieto.
O negro Tirço?
Passei por ele hoje na estrada. Estava com sua bolsa dependurado no ombro e era acompanhado por um cão.
Seu companheiro o Tição.

Mas isso é outra história.

domingo, 25 de agosto de 2013

sábado, 24 de agosto de 2013

Comédias para Se Ler na Escola

Comédias para Se Ler na Escola

Seleção de crônicas destinadas ao público em geral, que permite ao leitor mergulhar no universo das histórias e personagens de Veríssimo, prestando atenção nos múltiplos recursos deste artesão das letras. Com certeza, este livro despertará nos estudantes o prazer e a paixão pela leitura.

Um livro divertido com crônicas interessantes com a qualidade e bom humor de Veríssimo. Vale a pena mesmo, uma diversão e tanto.

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Um lobisomem no caminho

Um causo de família, muito estranho, mas que mamãe diz ser verdade.
Meu tetravô Oliveira, na verdade nem ela lembra se o nome era esse mesmo, era um homem que não tinha medos, um homem de coragem. Essa história é quase assim mesmo, mas com o passar dos anos, vai se esquecendo um pedacinho aqui, mudando outro ali. Pois bem... Ele sempre ia pra cidade aos sábados. Fazia algumas compras, bebia com os amigos e só voltava quando a noite já estava alta.
Naquela noite no entanto, ele colocaria a prova toda essa coragem.
Ele resolvera ficar até mais tarde com os amigos naquele sábado, um pouco mais do que sempre ficava. Como morava na Serrinha, uma região de sítios longe da cidade de Guaxupé, em Minas Gerais, sempre ia e voltava pra casa a cavalo.
A noite, até que estava bem clara, havia no céu uma lua cheia, muito redonda, como se estivesse pendurada lá no alto.
Não faltava muito pra chegar em casa, apenas uma pequena distância, um tirinho de espingarda, como diziam os mineiros. Faltavam mais duas curvas naquela pequena trilha e chegaria a sua porteira.
Estava num tocar lento no cavalo, quando viu algo cruzar de um lado a outro muito a frente, próximo a penúltima curva. Parou o cavalo e ficou a observar. Parecia um animal. Ele corria de um lado a outro, entrando e saindo do mato. Ele sacou sua garrucha e foi se aproximando lentamente.
Como o luar facilitava a observação, também o animal o viu e parou de correr de repente. Voltou-se para a direção do cavaleiro e partiu em disparada.
O cavaleiro com a garrucha na mão não teve duvida, apesar do susto com a reação e o barulho do animal, fez um disparo. Aparentemente acertou em cheio, pois escutou um grunhido e viu o animal desviar do caminho e entrar na mata. Carregou rapidamente a garrucha e tocou o cavalo andando ainda lentamente.
Chegando ao local onde estava o animal, viu uma grande mancha no chão, imaginou ser o sangue do animal. Com a claridade do luar, procurou em torno, sem descer do cavalo, mas não o encontrou.
Acho tudo muito estranho e resolveu seguir caminho.
Depois de andar alguns metros escutou um gemido logo atrás e voltou-se pra ver o que era. Saindo do meio do mato, ele viu um homem, que segurava o braço direito junto ao peito. Percebeu que ele estava ferido.
O homem andando lentamente em sua direção, disse:
- É você Oliveira?
- Sou eu mesmo, quem é você?
- Acabo de mudar pro sítio ao lado, fui atacado por um bicho e você me salvou.
Vendo que o homem se aproximava mais e mais, ele perguntou:
- Não conheço ninguém que mudou pra cá recente, o que você quer? Que bicho te atacou?
- Espere-me aí vou te agradecer por ter me ajudado.
O Cavaleiro não pensou duas vezes, virou-se para a estrada, esporou o cavalo e disparou rumo sua casa.
Ainda teve tempo de ouvir o homem falar:
- Ainda nos encontramos Oliveira!
Chegou nem casa, branco e ofegante. Contou a todos de casa e aos amigos no dia seguinte. Então resolveram ir ao tal sitio, onde imaginaram estar morando o novo vizinho. Na casa não acharam nada, a não ser o forte cheiro de cachorro por todo lado, como também alguns ossos de animais.
Depois desse dia, nunca mais o tal vizinho foi encontrado e nem o bisa de mamãe voltou tão tarde da noite sozinho da cidade. 
Dizem que aquela pessoa era um lobisomem, que matara alguns bois na redondeza e que fugira dali com medo dos moradores que foram lhe procurar.
E foi assim que botaram o bicho pra correr.

Se tudo isso foi verdade eu não sei, mas vai que...

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

# 175 - Janis Joplin

Pensamento Vivo - 175

"Mesmo que nossos lábios não se cruzem novamente, posso dizer em silêncio, tudo aquilo que ficou escondido para sempre. Haverá momentos em que nossos pensamentos se encontrarão no espaço, e assim,sentiremos falta de estarmos juntos novamente."


Janis Joplin

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

A minha... Janis


Foi assim que começou esse amor.

Era uma noite como outra qualquer, fria como outra qualquer e uns amigos me chamaram para sair. Como estava entediado em casa, sem animação para nada, não pensei duas vezes. Peguei um casaco, um cachecol, ajeitei meus cabelos com um pouco de brilhantina, com minhas próprias mãos e os encontrei no portão de casa.

Não imaginava qual seria o plano deles. Os três, eram meus amigos desde o meu início na escola e aos finais de semana sempre me chamavam para sair, raramente aceitava. Dessa vez, falavam em ir assistir alguém cantar num pequeno bar em Austin. Ficava um pouco longe de casa, mas mesmo assim segui com eles.

Já tinha ouvido falar desse bar, lá no porto onde faço alguns bicos com meu tio Wollie. Ele era um soldador de primeira e as vezes conseguia com o supervisor a oportunidade de levar um ajudante, eu. Tinha muitos trabalhadores jovens ou não tão velhos como tio Wollie, que só falavam de bebedeiras e mulheres. Foi com eles, que ouvi pela primeira vez falar do tal bar em Austin. Parece que tinham encontrado uma nova atração, que estava levando muita gente para conhece-la.

Fomos no carro de Toni Hanter. Era um playmonth, azul marinho, um tanto já velho. Cada um contribuiu um pouco para o combustível, estávamos na semana de pagamento, então ninguém reclamou.

Toni nos conduzia tranquilamente enquanto falávamos de garotas, carros ou músicas. Quando alguém mencionava pais, escola ou trabalho, era vaiado pelos demais. A ideia era desligar-se de tudo, seguir firme pela estrada e apenas curtir a noite. Não demorou muito e lá estávamos nós, o quarteto mais animado da noite, chegando em Austin.

Na frente do bar tinha muita movimentação, eram rapazes que chegavam de diversas cidades procurando diversão. As meninas também estavam em grande número, todas sorridentes e fazendo charme aos rapazes. Pude reconhecer entre elas, algumas garotas que conheci na escola. Como mudaram, ou melhor, se desenvolveram.

Fomos entrando e procurando uma mesa. Dizia Toni, que conhecia a garota que cantaria naquela noite. Segundo ele, era uma universitária que mandava muito bem um blues. Naquela época, eu ouvia muito blues no pequeno rádio da oficina de carros onde trabalhava meu irmão. Seu chefe era um cara dos bons. Deixava o pessoal trabalhar o dia todo ao som do rádio. E eu como não tinha nada para fazer, aparecia lá para ouvir também. Quando o chefe estava de bem com a vida, dava para saber pois era o dia que mais se ouvia Elvis Presley, ele até me dava uns trocos por ajudar em algo.

Dentro do bar estava muito movimentado. No pequeno palco, quatro homens tocavam blues e quase ninguém ligava para o que estavam tocando. A atenção toda, era para as garçonetes que andavam de um lado para o outro, carregando bandejas de cervejas e um refrigerante preto. Não sei se era porque estava já há algum tempo sem ninguém, mas para mim, quase todas as garçonetes eram lindas. Então, Toni apareceu com uma delas e começamos a beber umas cervejas para relaxar.

Logo o quarteto saiu do palco, com uma ou outra palma solitária estalando, subindo em seu lugar um apresentador. Era um cara baixinho, com um fino bigode debaixo do nariz e uma roupa, meio esquisita.

- Muito bem rapazes e meninas! Se controlem porque hoje, mais uma vez, temos uma garota daqui, da Universidade do Texas, que irá cantar para vocês. Então vamos recebê-la com muitas palmas.

Sempre as coisas correm ao contrário do que se pede. Ele mal terminou e começaram vaias, apupos e assovios, ninguém respeitava nada. Até que apareceu uma garota magra, de óculos e com uma roupa florida, parecia usar um macacão daqueles de jardineiro. Pareceu-me entrar decidida, vibrante, segura. Parou no meio do pequeno palco, pegou o microfone e disse:

- Agora quem comanda essa bagunça aqui, sou eu.

Nisso a banda que animava o local, começou a tocar uma música e ela soltou uma voz potente que calou a todos.

Tudo parou, nem sequer minha respiração eu escutava. O silêncio parecia eterno, até que os primeiros assovios começaram a aparecer. Era uma voz firme, meio rouca e que encantou a todos.

Eu não conhecia a música, mas não conseguia tirar os olhos daquela garota.

Era sereia que me hipnotizou com o seu cantar.

Fiquei ali colado no palco até ela terminar e descer. E ela desceu justamente por onde eu estava. Estendeu sua mão para que a ajudasse descer e eu, ainda enfeitiçado, com os olhos preso aos dela, senti sua mão macia tocando a minha. Seu corpo se aproximou do meu e pude sentir seu cheiro. Ele pareceu entrar em mim e percorrer por todo meu corpo até chegar ao coração.

Ela olhou-me, já muito próxima e perguntou-me:

- E aí, gostou do show?

Não tive tempo de responder, seus amigos e outras pessoas que estavam por lá a arrastaram para longe de mim, enquanto gritavam seu nome. Ainda tentei me aproximar, empurrando as pessoas, enquanto nossos olhos ainda continuavam ligados. Ela também tentava vir até mim, mas essa foi a primeira e última vez que a vi. Minto.

Algum tempo depois, pude vê-la na folha interna do jornal. Estava famosa e indo para Londres.

Acompanhei-a durante algum tempo e até fui a um de seus shows, mas não consegui aproximar-me ao ponto de vê-la tão perto, quanto aquela noite em Austin.

Um dia, voltando para casa depois de um dia duro de trabalho, encontrei um papel preso a minha porta. Era um pequeno envelope verde água. Olhei o remetente e não havia nada. Antes de entrar e fechar a porta de casa, eu ainda olhei pelas proximidades, mas não havia ninguém que pudesse ter deixado aquele envelope ali.

Sentei-me no velho sofá xadrez e abri o envelope rapidamente.

Estava ali escrito, bem no meio de uma folha branca, dobrada quatro vezes, em uma caligrafia limpa e muito bem definida:

"Desculpe, nunca consegui te agradecer. Obrigado por me ajudar descer do palco". Assinado Janis.

Aproximei lentamente o papel próximo ao meu rosto e pude sentir novamente aquele cheiro bom, era dela, eu sabia. Sai rapidamente ao portão, mas ela não estava ali.

Por mais que eu tentasse, e olhe que tentei mesmo, nunca mais a toquei ou mesmo a vi de perto.

Teve um dia, que soube que ela estaria em uma gravadora e arrisquei para tentar vê-la. Havia uma multidão de fãs com cartazes e também muitos policiais tentando controlar aquela loucura. Percebi que com toda aquela bagunça, mais uma vez não conseguiria sequer vê-la e, resolvi voltar para casa contornando a quadra. Estava andando na contramão das pessoas que corriam para a gravadora, perseguindo vi um carro escuro, que julgavam ser dela. Quando vi se aproximar e entrar no beco ali próximo, um carro azul. Primeiro entrou um carro da polícia, depois o carro azul, seguido por outra viatura. Percebi que era ela. Entraria pelos fundos, com certeza tinham planejado isso para despistar os fãs. Corri para aquele beco e a vi descer do carro, sorrindo e acenando. A chamei pelo primeiro nome e como não me deu bola gritei:  - “Austin”.

Já sobre o batente da porta, pronta para entrar, ela parou voltou-se para mim, que a essa altura já não sabia o que fazer, pois tinham dois policiais vindo em minha direção e perguntou:

- Austin? Recebeu meu bilhete? Por que não me respondeu?

Não tive tempo de responder, os policiais me pegaram e me arrastaram dali, enquanto eu ouvia seus protestos para soltarem-me.

Essa sim foi a última vez que a vi.

Carreguei aquele bilhete comigo, por toda uma vida. Como também sua lembrança.

Casei por duas vezes. A primeira me deixou por ciúme de uma pessoa irreal, imaginária, distante e impossível. Procurava denegri-la com calúnias e ofensas. Não me atingia, eu não acreditava em nada. Nem nela e nem nos irritantes e insistentes tabloides sensacionalistas. A segunda, rendeu-se aos meus recortes e discos, incansavelmente rodados na vitrola e partiu aceitando uma idolatria que ruía com minha vida. Tive seis filhos, dentre as meninas, uma Janis. Tive alguns netos também e no meio dessa conturbada aventura, a vi partir deste mundo pela TV.

Ela se foi de forma muito triste, sozinha e longe de mim.

Mesmo com um vazio no peito, toquei minha vida. Minha companhia era alguns discos, recortes e lembranças.

Hoje estou aqui, sentado neste velho banco próximo ao porto, envelhecido e fraco pelo tempo.

Vejo os navios ganhando vida, com seus jovens trabalhadores cheios de sonho, como um dia fui. Com as mãos muito tremulas, peguei no bolso do meu agasalho, um pequeno papel, levei-o próximo ao nariz e tentei buscar seu cheiro através daquele velho bilhete, recebido há tantos anos. Acho que ainda posso sentir seu perfume. O mesmo cheiro suave, assim como o toque de sua mão, que insisto em sentir entre meus dedos.

Estendo minhas mãos, como se fosse novamente ajudá-la.

Novamente escuto sua voz, agora sem melodia, apenas uma suave e doce voz, cantando bem baixinho em meus ouvidos. Sorrio,

Sei que logo estarei com ela e esse amor durará para sempre...

Saudades, minha Janis.

 



terça-feira, 20 de agosto de 2013

O dedinho do Tavares

Imagem da internet

Quem trabalha com manutenção, sabe das enormes complicações e do cuidado ao executar suas atividades. Se não se proteger corretamente, corre o risco de machucar-se em acidentes.

Meu colega Tavares, é lógico que um nome fictício, por mais que tenha tido o cuidado, terminou por machucar-se em uma atividade rotineira em casa. Dizem os "mui amigos", que foi lavando louça. Eca! Malvados esses colegas. Isso é pior que rogar pragas. Mas acontece.

Tavares é um cara cuidadoso, mas infelizmente quebrou seu dedo mínimo da mão direita, quando fazia um conserto em casa. Isso refletiu no trabalho também e ele foi afastado por alguns dias.

Quando retornou, ficou fazendo alguns dias de fisioterapia, exercícios leves, mas andava ainda com o dedo em riste, não conseguia dobrá-lo.

Tudo que fazia com a mão, lá estava o dedinho em pé. Um charme. Diziam os mesmos colegas.

Mas, apesar da dificuldade do colega em trabalhar dessa forma, lá foi ele fazer novas atividades em casa. Dessa vez, algo menos penoso. Sua tarefa era fazer um pequeno reboco, em um novo cômodo de sua casa.

A iluminação naquele espaço não era das melhores, porém, havia uma janela que estava aberta e teria claridade suficiente para cumprir sua missão. E assim começou.

Um pouco apressado para não perder a hora do almoço, foi acelerando até que terminou a primeira parede. Nem olhou para trás, saiu e foi limpar-se para o almoço.

Na volta, já satisfeito, foi apreciar se serviço. Quando olhou, percebeu alguns riscos de leve no reboque. Estava em toda parte. Muito bravo e resmungando, pegou a esponja, molhou a parede e acertou tudo novamente.

Na sua cabeça, enquanto saiu para o almoço, alguém fez aquela arte atrapalhando seu serviço. Quando a mulher foi levar-lhe um suco, reclamou:

— Deixei tudo aqui pronto e quando voltei do almoço estava cheio de riscos. Se não foi o menino, — seu filho menor — foi o cachorro.

Sua mulher achou estranha a reclamação do marido, afinal, o menino estava na escola e o cachorro na corrente. Mas não discutiu e voltou para suas tarefas do lar.

Na hora do café da tarde, novamente ele parou e foi comer um bolo delicioso que sua esposa fez.

Quando retornou, novamente a parede estava toda riscada, de leve, mas estava.

Agora não! Ele mal saiu e voltou. Não era possível alguém entrar e fazer aquilo.

Muito bravo novamente, foi falar com a esposa.

— Alguém fez de novo. Não posso sair um minuto!

Voltou, molhou a parede e começou a acertá-la. Logo depois apareceu sua esposa enquanto ele já havia deixado metade da parede pronta. Ela trazia na mão uma lanterna.

— Querido venha ver isso.

O conserto que ele acabara de fazer estava novamente riscado. Ele parou e olhou para os riscos e depois para suas ferramentas sem entender o que acontecia. Ela com muita paciência e jeito, mostrou-lhe o dedinho todo sujo de massa e só então ele entendeu. Enquanto ele ia acertando, o dedinho em riste, ainda dormente, tocava a parede e riscava tudo.

Tavares abraçou sua esposa e caíram na gargalhada.

Quando nos contou essa façanha, um colega comentou:

- Estica também o indicador, assim irão pensar que você é metaleiro. É nós! uhuuuuu!

Colegas de trabalho... Nunca perdem uma chance.



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sábado, 17 de agosto de 2013

sexta-feira, 16 de agosto de 2013

Questão de lógica


Algumas vezes realmente dá certo, mas nem sempre.

É muito chato quando estamos andando por aí, chega alguém te chamando pelo nome e você nem imagina quem seja. Gosto de chamar a todos pelo nome. Acredito que isso, além de manter sempre a pessoa na memória, valoriza uma amizade. Todos nós gostamos de ser lembrados pelo nome.
Então... Lá estava eu andando pelas ruas de Caçapava, num sábado, fazendo algumas compras, quando outro lado da rua uma pessoa gritou:

- E aí Freitas... Quanto tempo.

Errrr... Quem seria?

Sorri e acenei, fazendo sinal de positivo. Achei que ele também acenaria e seguiria em frente,  mas ele atravessou a rua em minha direção. Ferrou.
Chegou até a mim com um sorriso e estendeu sua mão. Apertou-a firmemente e perguntou:

- Como você está Freitas, tudo bem? E a família?

Opa! Dicas pra buscar na lembrança quem seria o colega. 

Como eu poderia responder? “Oi estranho, eu estou bem e você?”. Mas numa velocidade incrível, aproveitei suas palavras pra iniciar um filtro e descobrir quem seria aquela pessoa.
Pensei, se me chamou de “Freitas”, deve ter trabalhado comigo no banco ou no atual emprego. Apenas nesses dois lugares me chamavam assim.
Cumprimentei o colega, dizendo estar bem e retornando a mesma pergunta.

- Bem também. E como está o pessoal lá. Sinto saudades dos colegas.

Mais uma dica. Se ele perguntou do “pessoal”, é porque sabe que ainda estou no mesmo trabalho, ou seja, o atual. Fiquei mais perto de saber.

- Rapaz adorava aquela fazenda. Era muito bom trabalhar lá.
- Pois é... Lá nosso trabalho é mais agradável e tranquilo. Muito melhor que trabalhar num lugar fechado como a fábrica.
- Verdade. E como estão todos, fulano, cicrano...?

Fui respondendo sabendo que logo ele daria a próxima dica. Afinal na empresa tem tanta gente trabalhando, tantas pessoas que entram e saíram, sem contar com colegas terceirizados.
Então tive uma ideia.

- Pra quem você respondia?  Quem era o seu chefe?
Essa foi boa seria a resposta chave para desvendar o mistério.
- Ah! Tive vários, sabe como é quando se é terceiro né.

Bingo!

No meu local de trabalho, de empresa terceirizada só tínhamos as colegas da limpeza e os colegas da segurança. Se ele era terceiro, era homem e tinha até certo porte, só podia ter sido da segurança. Mandei ver o nome e fisionomia dos colegas que passaram por lá.

- Mas é complicado mesmo. Vocês da segurança além de correr certo risco, nunca tem um chefe que entende seu trabalho.
- Segurança? Não, eu era da limpeza meu amigo.

Vixe! Que furo.
Mas na limpeza que eu lembre, só tinha um homem, o da jardinagem. Pela lógica mandei ver.

- Mas na empresa da limpeza não só tinha um homem?
- Que isso Freitas! Também sou homem...
- Claro que sim... Estou brincando, José.

Arrisquei. Só me lembrava deste nome de um homem que trabalhou na jardinagem há muito tempo atrás. Só restou ele. Fui pela lógica novamente.

- José? E cara, você não tá sabendo que sou, não é?

Olhe só a vergonha...

-Sou o Amaro, Freitas.
-Ah! Eu sabia... Eu só não estava lembrando seu nome.
- Mas tá certo, eu vou nessa. Outro dia a gente se vê. De um abraço no povo lá.

Claro Amaro. Foi um prazer em te reencontrar. Abraço.
Ao ver o colega dobrar a esquina, então eu parei e me perguntei:

- Mas afinal, quem era esse Amaro?

Ah! Meus cinquenta anos...