Quando o conheci, era uma sexta-feira.
Ele estava sentado na sarjeta, segurando uma manta velha e tinha ao lado uma
pequena lata tubular, dessas pequenas que trazem seleta de legumes. Também ao
seu lado, estava um pequenino e frágil vira-lata, que deitado colado a ele,
descansava a cabeça sobre seu colo.
Ele pronunciava algumas palavras em tom bem baixo, enquanto
acariciava a cabeça do cãozinho, olhando com carinho e deslizando seus dedos
por dentro do pelo macio. Assim que cheguei, ele levantou a cabeça e me olhou.
Eu acabava de estacionar o meu velho Alfa Romeu, a três
metros dele, para esperar minha noiva sair do trabalho. Continuou a cuidar do
cachorro, falando algo, talvez para si mesmo. Percebi que quando alguém jogava
uma moeda na latinha, após alguns segundos ele falava algo sem olhar para a
pessoa.
Primeiro imaginei que ele agradecia, mas depois fui
percebendo que as pessoas, reagiam de diferentes formas e até estranhamente.
Uma mulher após ouvi-lo, colocou a mão sobre a boca e
assustada se afastou rapidamente. Um outro o questionou bravamente e chutou-lhe
a latinha. O mais estranho foi um casal, já de meia idade, que chegou a agachar
e abraça-lo. Eram reações distintas e estranhas. Por uma ou duas vezes, me
olhou, com sua latinha na mão e sorriu.
Eu já fazia essa rotina, de esperar minha noiva sair da
loja, já a quase um mês. Como nunca o havia percebido? Apenas nessa semana o
notei. Minha noiva chegou e partimos.
Na segunda-feira, lá estava eu tentando uma vaga para
estacionar e ele mostrou onde colocar. Lá estava ele há alguns metros de mim,
com seu cãozinho. Fiquei observando, mas algumas moedas e mais reações
estranhas. Maior também ficou minha curiosidade por aquele homem.
Uma criança se aproximou para lhe dar uma moeda. Ele
imediatamente se encolheu e tampou a boca da latinha, não aceitando a moeda. A
criança sem graça, retornou a sua mãe que a esperava ali próximo. Assim que a
criança e sua mãe se afastaram, ele me olhou, sorriu e ofereceu sua latinha. Acredito que para colocar uma moeda. Novamente fui embora quando meu amor
chegou, mas intrigado com aquele homem.
No caminho de casa, perguntei a minha noiva se ela já o
tinha visto. Segundo ela, alguns clientes do seu trabalho o chamavam de bruxo.
Diziam que quando alguém jogava uma moeda em sua latinha, ele esperava a moeda
parar de se mexer e em agradecimento, dizia coisas estranhas. Uns diziam ser
bobagens ou loucuras, mas alguns acreditavam que eram adivinhações e até,
profecias.
Na terça-feira, estava muito curioso em relação a tudo isso
e decidi dar-lhe uma moeda. Mas surpreendentemente, minha noiva saiu mais cedo
do trabalho e não precisei busca-la. Deixei para quarta-feira, mas meu carro
quebrou. Quer dizer, não funcionou de forma alguma. Depois que passou o horário
de buscar a noiva, voltou a funcionar, misteriosamente.
Na quinta-feira já havia esquecido o assunto, quando me
deparei com ele novamente no mesmo lugar, com seu fiel companheiro. Após ver
uma senhora soltar uma moeda na latinha e ele nem reagir, pensei: a moeda deve
estar girando e logo cairá. Dito e feito. De repente, sem olhar para a mulher,
falou algo que a fez mudar sua expressão de angustiada, para um grande e belo sorriso,
saindo muito feliz dali.
Decidi dar-lhe uma moeda também.
Procurei por uma moeda no console do carro, no porta luvas e
acendedor do carro. Não encontrei nenhuma. Bati a mão no volante inconformado.
Sabia que tinha moedas por ali. Olhei para o homem, que com sua latinha na mão
apontando para mim, gargalhava. Minha noiva chegou e partimos. A questionei
sobre as moedas deixadas ali e ela lembrou-me, que tinha o valor exato que deixamos
no pedágio no final de semana, Verdade. Fiquei impressionado por ter o valor
certinho disponível para pagá-lo.
A primeira coisa que fiz na sexta-feira, foi violar meu
porta-moedas, um porquinho azul, de plástico. Por garantia, peguei 5 moedas,
contei e coloquei imediatamente no bolso da calça, antes mesmo de vesti-la.
Como toda sexta que se preze, passei o dia angustiado, como
muitos, a espera de seu final. Ela foi longa e lenta, mas chegou ao fim.
Antes de bater a chave na ignição, lembrei quando falhou e
virei a chave com cuidado, o lindo ronco do motor apareceu normalmente. O
transito, por mais estranho que pareça, estava livre e tranquilo. Cheguei no
trabalho da noiva no horário e lá estava ele, sua latinha e seu cão.
Assim que parei, ele olhou sorrindo, guardou um pequeno
papel em sua latinha e levantou-se pegando suas coisas. Ele estendeu seu braço
em minha direção, com a latinha na mão. Estacionei o carro e sai, já vendo
minha noiva saindo da loja. Fiz sinal para ela me esperar. Percebendo onde me
dirigia, ela foi ao meu encontro.
Aproximei-me do homem, já buscando uma moeda no bolso e
parei a sua frente. Ele mantinha a mesma posição com a latinha estendida para
mim. Minha noiva nos alcançou no exato momento em que soltei a moeda na lata.
Ele não desviou os olhos dos meus e não conferiu a moeda, até que ela parou de
tilintar na lata. Abaixou o braço com a latinha, sem olhá-la e colocou a outra
mão sobre o meu ombro.
- Parabéns.
Foi só o que falou e saiu andando, enquanto nós dois o
observava afastar. Só isso?... pensei.
No mesmo momento, ele voltou-se para nós, tirou um pequeno
papel da latinha e entregou ao cachorro, que o trouxe até nós soltando no chão,
aos nossos pés, e voltou para o amigo.
Recolhi o papel e quando olhamos ele não estava mais lá.
Abri o pequeno papel e estava escrito:
“ Dê as outras 4 para quem precise... André é um lindo nome.
”
Soube logo depois, que teremos um filho e André é o nome de
meu pai. Nome que sempre falei dar a um filho, algum dia.