Além de mim, também participaram
desta viagem, um primo meu, um amigo de meu pai, e no volante da velha Kombi
branca com detalhes em azul na frente, meu pai.
O caminho de ida já foi
incrível, uma paisagem sem igual. Rodávamos cercados por pastagens, morros e
montanhas verdes, numa estrada sinuosa, estreita, mas perfeita. Definitivamente
tudo muito bonito para se ver e curtir.
Fomos até lá para levar o
amigo de meu pai, que iria entregar seu convite de casamento aos parentes
distantes. Ele era um bom amigo, e meu pai não teve dúvidas em se oferecer para
levá-lo. Apesar da distância, não foi cansativo e chegamos ainda na parte da
manhã.
Chegando ao isolado local,
percebemos, eu e meu primo, que nossa aventura não seria assim tão animada. O
bairro era típico naquela época: pequeno, bem afastado de tudo e que tinha como
em toda cidadezinha do interior, uma igreja no centro, contornada por uma praça
com suas árvores e bancos.
A pequena igreja, por sua vez,
era cercada por alguns comércios, algumas casas bem discretas e muitos sítios e
fazendinhas espalhadas ao redor desse centro. Percebemos logo que não teríamos
muito com que se divertir por ali.
Conhecemos e cumprimentamos os
familiares do noivo, todos muito receptivos e amáveis, mas não perdemos tempo e
saímos para conhecer o bairro.
Logo de cara fomos
surpreendidos. Após andar uma quadra vimos um homem picando um boi com um
enorme facão. Ele estava em uma caminhonete estacionada em frente ao bar, que
nos direcionávamos. É isso aí, em pleno céu aberto o cara estava com um facão
esquartejando o animal. Atravessamos a rua ainda olhando para trás e resolvemos
entrar num bar para tomar algo.
Já encostado no balcão do bar,
víamos o cara dar com o facão no pobre bicho. Horrível, mas surpreendente, como
o povo faz essas coisas assim, na maior normalidade.
Enquanto tomávamos uma
cervejinha e conversávamos sobre o tal cara, entrou no bar uma moça linda e
entrou sem tirar os olhos de nós. Sorriu, perguntou algo ao dono do bar, que
confesso não ouvi nada, ainda hipnotizado pela beleza moça e saiu novamente
indo em direção de onde viemos.
De imediato comentei com o
primo:
— Você viu que menina mais
linda. Acho que esses dias por aqui serão maravilhosos. Que sorriso, cara.
O dono do bar olhando sério para
mim, aproximou-se e enxugando a mão num velho pano de prato, comentou:
— São de fora né. Então é bom
saber para contar na sua terra, como a gente lida com boi.
Disse isso apontando para o
rapaz no outro lado da rua.
— Aquele é meu sobrinho, um
rapaz muito bom e valente, noivo dessa menina. Lida muito bem com o facão. Não
acham? Querem mais alguma coisa?
Vocês acham que alguém poderia
discordar do amigo ou ainda querer algo mais?
Nem terminamos a cerveja,
pagamos e saímos voltando para casa dos familiares do João. Voltamos comentando
o ocorrido, ainda rindo da situação. Mal chegamos e tivemos um cartão de visita
maravilhoso ou quase.
Adivinhem quem estava lá e nos
recebeu com um lindo sorriso? Fácil né... A noivinha.
Eu e meu primo, nos olhamos e
entendemos tudo, estávamos encrencados. Ela se apresentou como prima do
amigo de meu pai, cidade pequena já viu, todo mundo é parente ou conhecido.
Convidou-nos para ir à praça mais a noite, para conhecer seu pessoal, seja lá o
que significava isso.
Passamos aquele dia na roça.
Conheci a plantação de batatas e outras muito interessantes. A vida daquele
povo não era fácil. Acordam muito cedo, enfrentam um dia bastante duro e só
voltam no finalzinho da tarde.
Depois de um bom banho e um
jantar farto e delicioso, fomos eu e o primo, ver o movimento da tal praça da
igreja.
Funcionava assim... Além dos
bancos da praça ao redor da igreja e a própria igreja, naquela hora já fechada,
o que tinha de diferente do que vimos durante o dia, era apenas um pipoqueiro.
As pessoas ficavam sentadas
nos bancos de cimento da praça ou em cadeiras na calçada das casas que davam de
frente para igreja. Ficavam conversando, enquanto outras, sua maioria jovem,
ficavam dando voltas ao redor da igreja.
Sentamos eu e o primo,
saboreando uma pipoca quentinha até por volta das 20:00 e voltamos para casa
dos parentes do amigo. Afinal não era de bom tom abusar da hospedagem e chegar
muito tarde. Também porque no dia seguinte seguiríamos para outra cidade conhecer
outros parentes de João.
Logo cedinho no dia seguinte
quando já nos despedíamos e agradecíamos a hospedagem, chegou a tal noivinha do
matador de boi. Não cumprimentou ninguém e foi direto até nós, querendo saber
por que saímos cedo da praça ontem e por que já íamos embora. Meio sem graça
dissemos que seguiríamos para cidade vizinha e de lá retornaríamos pra SP.
Qual não foi a surpresa quando
ela falou olhando diretamente para mim que gostaria de ir junto e morar em SP.
Todos ao redor me olharam e eu, naquela altura vermelho demais, sorri brincando
e sai de fininho.
Mal eu e primo entramos na
kombi e lá estava ela, atrás da gente se declarando toda apaixonada. Pode isso?
Chegou a dizer que até viria para
SP conosco... Loucura.
“Sartei de banda” e saímos de
lá. Nunca havia visto nada igual.
Acabou por aí? É claro que
não.
Retornamos para casa e quase
dois meses depois, num sábado chuvoso, lá estava eu em casa, com as pernas
esticadas na baqueta da sala, curtindo Elvis, quando escutei chamar por minha
mãe no portão. Como estava sozinho em casa, sai para ver quem era. Nem precisa
dizer, não é... A noivinha.
Caracas!... Na hora nem soube
o que dizer, apenas gaguejei informando que ela não estava e que só voltaria
mais tarde. Saída errada. Dei a dica.
Ela ia abrindo o portão para
entrar e fugir da chuva, quando saí em sua direção e travei o portão. A garota
assustada pelo meu gesto me cumprimentou sorrindo e falou que queria entrar,
por causa da chuva.
O que eu poderia fazer?
Ah! Se alguém pensou algo, provavelmente
errou.
Disse que estava com minha
noiva em casa e que não a poderia deixar entrar. Ela olhou-me seriamente, um
tanto pasma e com certa tristeza foi-se embora.
Nunca mais a vi. Só tive uma notícia,
encaminhada pelo amigo João, que sua prima se casara com o tal matador de boi e
teve um filho.
Adivinhem o nome do menino?
Para todos os efeitos eu nego
e não sei de nada.
Eu heim...
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