Logo de cara percebi que não era um domingo comum, algo estava me
dizendo que seria um feriado marcante.
Não via a hora de chegar o final do dia de
sábado porque o domingo, o dia 1º de Maio, Dia do trabalhador de 1994. O dia de
perder meu último ídolo com vida.
Quando cheguei na casa da velhinha era uma
confusão só, ainda estavam se preparando para sair. O combinado éramos sair bem
cedo, passar na casa dos velhinhos, pegá-los e ir para o centro de Jacareí, na
casa da madrinha, almoçar e matar saudades. Mas logo cedo percebi que o dia
estava enrolado.
Não perdi tempo, fui pra sala e liguei a
TV. Mais cinco minutos e seria dada a largada do grande premio de San Marino.
Os velhinhos me apertavam para irmos
embora , mas eu precisava ver a largada, não conseguia tirar os olhos da TV.
Enfim largaram e Airton na pole como sempre saiu bem. Ele durante os dias que
precederam a corrida estava preocupado demais com a segurança dos pilotos e até
se prontificara em liderar um movimento nesse sentido.
Assim que deu a largada e vi Senna na
frente desliguei a TV e corri para o carro. Tinha que chegar logo na casa da
madrinha para continuar a ver a corrida. Senna não havia iniciado bem o ano,
essa era a terceira corrida e precisava ganhar. Ele tinha o melhor carro,
ninguém duvidava da possibilidade dele vencer e eu em espacial, sabia que o
veria cruzar a bandeirada em primeiro.
Ao chegar, não mais que dez minutos de
casa até lá, mal beijei a madrinha e já pedi para ligar a TV e tive a surpresa
de ver a pista com o safety car. Algum acidente acontecera durante o percurso
de casa até ali. Respirei aliviado, quando vi que Senna comandava aquela fila
enorme ziguezagueando pela pista, buscando manter o aquecimento dos pneus.
No final da sexta volta, comemorei ao
saber que ele tinha feito a terceira melhor volta. Esse era o Senna. Nem no
retrovisor ele veria seus oponentes, todos muito lá atrás tentando se conformar
com as posições restantes. Não tinha como tirar o primeiro lugar de Senna. Ele
era o cara.
Mas de repente na sétima volta tudo mudou
e aconteceu. Senna passou reto na Tamborello e bateu forte no muro de concreto
e acho que com ele bateu também meu coração. Foi um choque, ainda mais por
percebê-lo desacordado.
- Meu Deus! - tinha que chamar por Ele, o
impacto fora forte demais.
Enquanto via os fiscais chegando para
atendê-lo, vi sua cabeça mexer-se. Ela estava bem!
Não. Não estava, fora apenas um reflexo.
Tiraram do carro destruído e colocaram ao
lado deste e começaram os primeiros socorros. Meu coração apertou-se ainda
mais. O mundo todo via o que acontecia. Tudo parecia muito grave, então chegou
o helicóptero e o levou para o hospital.
Levantei-me e desliguei a TV. Chamei os
primos pra sair e fomos até um bar próximo da casa. Chegamos e começamos a
jogar bilhar. Eu tinha que deixar aquelas cenas para trás. O dono do local
também assistia a corrida, acho que todo o Brasil assistia, e eu escutava sem
concentração alguma no jogo, ouvia ao fundo as notícias que chegavam a cada
instante.
Tudo me parecia estranho e confesso estava
com medo. Medo de nem sei o que, mas algo me dizia que tudo estava errado.
Quando me preparava para mais uma jogada,
provavelmente novamente desastrada, ouvi a voz de Galvão Bueno informar que
havia sido declarada, naquele momento, a morte de Airton Senna.
No mesmo momento joguei o taco sobre a
mesa e disse:
- Vamos embora, não tenho mais nada a
fazer aqui. - Sai com uma dor aguda no peito, tão forte quanto aquela que senti
no dia 16 de agosto, muitos anos atrás, quando perdemos Elvis.
Não chorei, mas o nó que formou em minha
garganta parecia querer me sufocar, então já na casa da madrinha, sentei-me na
poltrona da sala e perguntei a Ele o porque?
Na verdade eu já sabia da resposta, porque
Ele nunca me falta, mas ainda assim perguntei.
Tudo que veio depois, o funeral
inesquecível, comentários e testemunhos, até a última hora, só me comprovaram
que eu havia realmente perdido meu último ídolo ainda vivo.
A dor de perder Elvis, Janis, John e Elis,
estava de volta torturando meu pobre e já sofrido coração admirador de grande
talentos. Naquele momento só me restou dizer:
- Vá em paz Airton Senna do Brasil. - e então chorei.
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