sexta-feira, 16 de setembro de 2016

Amigos anônimos

Viver em qualquer parte desse país não é fácil, mas isso não me dá o direito de viver desligado

Conheci um menino que vivia a me pedir para pagar um salgado no mercadão municipal da minha cidade, seu nome...Não sei. Ele se aproximava silenciosamente e me tocava. Mesmo sem me virar sabia que era ele. Tinha as mãos pequenas e uma carência grande. Nem sempre ele estava por ali. No mesmo local tinha uma senhora, já bem idosa, que vendia ervas. Tomávamos café as vezes, mas nem sempre, porque eu esquecia que ela estava ali no corredor. Silenciosa em seu box de ervas.
As vezes algo me despertava e conseguia enxergá-los. O garoto de cabelos desarrumados, a velha senhora sentada no banquinho. O sorriso do colega a me servir o salgado e até conseguia sentir o cheiro das frutas espalhado pelos corredores do velho mercado. Como se eu as tivesse segurando nas mãos e cheirando uma a uma. O barulho das maquinas fatiando frios, o óleo borbulhando nos tachos de pasteis e até a cuia pegando grãos e os soltando no saco de papel.
Era como se de repente algo despertava em meus sentidos e tudo aparecia ao meu redor. Só então nos olhos buscavam o menino e a velha senhora.
Nunca perguntei seus nomes e nem sei porque e é engraçado a data de aniversário eu sabia exatamente. Dia 15 de agosto, mas não me perguntem o porque.
Há quantos anos estão por ali? Nem imagino.
Então num sábado cheguei cedo percorrendo os corredores das frutas e sentindo o gostoso perfume das frutas e distribuindo bom dia a todos que cruzavam o olhar com o meu. Cheguei ao meu cantinho preferido e pedi meu bolinho de bacalhau, o preferido pelo menino também.Imediatamente lembrei-me e o procurei pelos corredores com os olhos, mas não o achei. Lembrei-me da velha senhora e virei em direção a box e ela também não estava lá, aliás nem as ervas estavam mais espalhadas pelo balcão ou o banquinho encostado a entrada do box.
Pegando meu bolinho e o café, servido pelo colega do bar, perguntei pela velha senhora e soube que falecera há alguns meses atrás. Há alguns meses atrás? Mas como assim, eu estava ali a quase todos os sábados e não percebi... Puxa, eu não percebi. E o menino? Perguntei novamente ao atendente e ele não sabia mais do menino, ele desaparecera do mercado. Novamente indaguei a mim mesmo, como não havia percebido que ele não mais pedira um bolinho a mim há tanto tempo. 
Deixei o bolinho e o café no balcão e me direcionei para frente do box da velhinha. Parei e fiquei a olhá-lo, nem sei por quanto tempo quando me tocaram no braço. Sorri e virei-me procurando pelo menino e dei de frente com um senhor apressado pedindo para passar.
Como é possível vermos sem enxergar? Ser ligado ou desligado como se tivéssemos uma chave? Não perceber as pequenas coisas ao nosso redor e sentir de repente que algo que nunca foi meu, foi me tirado.
A cada sábado que vou ao mercadão agora, é impossível não olhar para o box, ainda vazio, ou olhar rapidamente para trás, a cada toque que recebo.
Engraçado, nem sinto mais o cheiro das frutas ou os sons. 
Amigos anônimos, desculpem-me pela desatenção. 
Foi mal.


2 comentários:

  1. Lindo e perfeito...confesso que está me fazendo refletir muito....

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  2. Muito obrigado pelas palavras e por comentar aqui, fiquei muito feliz por ter apreciado. Abraços.

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