domingo, 20 de maio de 2018

Quem sou eu...?


Só percebi onde estava muitos dias depois.

Apenas me lembro que comecei a desfalecer, senti uma fraqueza no corpo e fim.

Quando abri os olhos novamente, foi como se não o tivesse feito. Tudo era escuridão, um vazio e um estranho silêncio. Fiquei imóvel por alguns minutos, tentando recuperar a razão. Não lembrava do meu nome e nem quem era. Percebi que não conseguia me mover. Algo em cima de mim, impedia. Meu braço direito estava livre, conseguia mexê-lo, mas o esquerdo estava debaixo do meu corpo e não havia espaço para retirá-lo.

Respirei fundo e senti o ar invadir meus pulmões, mas com ele, trouxe também um cheiro estranho, como se houvesse ali perto algum corpo em decomposição. O odor era forte e estranhamente doce. Tentei levantar-me novamente e senti minhas costas molhadas. Com a mão livre, toquei minhas roupas e meu corpo, ambos estavam encharcados.

Tentei lembrar meus últimos momentos ou quem era, mas apenas doeu minha cabeça, nada vinha em minha memória. Quem sou eu? Apalpei com a mão solta o que me pressionava o peito, não me deixando levantar. Era uma madeira. Forcei um pouco e ouvi um estalo, a madeira estava fácil de romper. Forcei novamente e ela partiu-se. Pela forma que facilmente a quebrei, devia estar muito velha ou estragada. Enfim, estava livre.

Afastei os pedaços de madeira e consegui sentar. Não conseguia enxergar nada, tudo era muito escuro. Nem conseguia ver as minhas próprias mãos.

Onde estava? Que lugar era esse?

O forte odor ainda incomodava, era um cheiro forte, como de peixe estragado.

Estiquei os braços tentando tocar algo, mas nada estava a minha volta. Nos pés, senti que ainda trazia minhas sandálias. Apesar de algumas dores nas pernas, afastei os restos de madeira ou outra coisa qualquer e estiquei as pernas. Um pouco mais de esforço e me vi em pé.

Estaria eu, cego? Mesmo sem nada enxergar dei meu primeiro passo. O chão era macio, apesar de muito úmido ou encharcado e cedeu quando pressionei os pés ao dar o primeiro passo. Mais um passo e nada de tocar em algo, além dos pedaços de madeira no chão.

Girei meu corpo na posição oposta, mas não tinha nada além da negritude que insistia em ocultar tudo de meus olhos. Estiquei meus braços movimentando-os para cima e para baixo, mas fiquei na mesma. Não podia ficar ali, assim, tinha que tentar algo, talvez me mover mais, descobrir algo que as minhas mãos identificassem e que diria onde estava.

Quando tentei meu terceiro passo, esbarrei em algo que tirou meu equilíbrio e cai de cara no chão. Quando bati no chão, senti que era macio e até morno, parecia uma pele. Percebi que por isso, apesar de estar todo molhado, não sentia frio algum.

Tocando o chão onde cai, encontrei algo que mais parecia uma vara. Segurei-a e apalpei lentamente. Parecia uma lança ou uma vara com ponta. A apoiei no chão, deixando a ponta para cima e levantei-me novamente. Segurei na extremidade sem ponta da vara e a levantei horizontalmente, para ampliar meu alcance e quem sabe tocar em algo. Girei meu corpo para todos os lados, sem sair do lugar, mas não encostei ou atingi nada. Seja lá onde estava, não tinha paredes.

Não sabia o que fazer. Não sabia onde estava e nada enxergava.

Por um momento pensei em seguir caminhando, mas poderia cair novamente e talvez até me machucar gravemente. Sentei no chão para pensar.

Diante de tudo que tinha passado e sentido, só podia ter acontecido uma coisa...

O silêncio, a escuridão, o odor forte de algo ruim, a enorme umidade, as madeiras sobre mim...

Admiti. Eu estava morto!

Então, era assim que tudo terminava?

Meu Deus, seria assim o meu fim?

Fui ficando extremamente nervoso e me vi perdendo a razão, não podia ser isso.

Gritei não aceitando aquilo e comecei a bater com a vara no chão. Comecei enfim, a chorar. Sentindo aumentar a pressão e o desespero, levantei-me e comecei a girar e pular, gritando inconformado: Por que? Por que? E no auge de meu desespero, sem pensar, atirei a vara como se arremessasse uma lança. Um segundo depois senti uma vibração. Para minha surpresa não ouvi a vara cair e então tudo começou a se mexer e balançar.

Tentando manter o equilíbrio e não cair, meus sentidos me chamaram a atenção para um barulho bem longe, mas que parecia vir em minha direção. Com ele chegava também, agora mais forte, aquele cheiro ruim.

Essa era a minha morte e sentia que algo vinha me buscar.

Com tudo se movendo a minha volta, só pensei em ajoelhar e rezar, pedir perdão pelos meus erros e teimosia. Quase que no mesmo momento, começou bem longe aparecer um pequeno feixe de luz, enquanto o barulho aumentava em minha direção. Estava mais próximo, estava chegando a minha hora.

Meus olhos, por muito tempo acostumado com a escuridão, demorou para adaptar-se com aquela luz que surgia. O barulho que vinha da direção oposta da luz, estava próximo demais. Virei-me para vê-lo, então rapidamente pude ver a vara que lancei, fincada numa parede vermelha, sem ter tempo para entender aquilo, algo como uma onda gigante me atingiu em cheio e arrastou-me para a luz.

Fiquei meio tonto e me vi voando. Teria virado um anjo? Vi o céu, o sol e até uma praia, muito perto dali, antes de cair. Despertei-me afogando e percebi que estava no fundo de um mar. Bati braços e pernas subindo ao encontro da luz. Subi até sair e consegui respirar. Agarrei-me num barril que boiava ao meu lado, provavelmente fora lançado comigo. Olhei em direção à praia e comecei a nadar.

Agora sim entendi, obrigado Senhor.

Quem sou?

Eu, sou Jonas.

E meu túmulo... Era uma baleia.


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