quarta-feira, 10 de junho de 2020

O maluco das estrelas

Sempre gostei dessa história de ficar vendo estrelas do meu quarto. Era só abrir a janela, deitar nos pés da cama e olhar para o céu. Muitas vezes dormi assim, de cabeça pra baixo na cama.

O meu aniversário de 12 anos, ficou gravado como o ano que ganhei meu telescópio. Foi tia Lea quem me deu. A partir deste dia as estrelas saíram do céu e entraram pela janela do meu quarto. Parecia que podia tocá-las. Estiquei minhas mãos várias vezes tentando fazê-lo, mas elas não estavam ali.

Adorava vê-las brilhando naquela imensidão escura e às vezes, até fingia dormir quando mamãe vinha me ver tarde da noite. Ela vivia brigando comigo por dormir com a janela aberta e dizia que eu ainda ficaria doente algum dia. Bastava ela fechar a porta, eu levantava correndo, abria a janela com muito cuidado e colava o olho no telescópio. Ela nunca entenderia que na madrugada as estrelas brilham mais.

Certa vez, vi uma estrela deslizar no céu, indo para muito longe de onde morava. Fez um risco bonito, parecido com quando a gente risca o quadro negro da escola, iniciando forte e afinando no final. Acho que isso proposital. As estrelas sempre fazem algo que já fazemos... Ou será que somos nós que a copiamos... Não sei. Esquisito isso.

Um dia andando de carro com papai, vi um brilho vindo muito além na estrada. Era uma estrela. Seu brilho vinha em nossa direção parecendo piscar. Fiquei parado vendo ela se aproximar rapidamente e quando parecia que se chocaria conosco, passou ao lado. Não era uma estrela, era uma motocicleta. Foi muito legal isso.

Quando contei aos colegas da escola, chamaram-me de ”Maluco das estrelas”. O apelido pegou e tive que me afastar da maioria deles. Apenas Belinha, minha prima, me entendia.

Certa vez, quando entrei na sala de aula, percebi uma euforia tremenda. O pessoal falava e apontava para o quadro negro, então virei-me e li: FEIRA DE CIÊNCIAS – Apresentação de projetos em grupo. Aconteceria em duas semanas. Eu tinha que correr.

Bem, meu grupo terminou sendo eu e Belinha. Como ela não sabia o que fazer, disse que deixasse comigo. Pedi a ela, que me ajudasse a conseguir o material e eu faria o trabalho. É claro que eu já tinha uma ideia na cabeça. Iria construir uma Galáxia.

Nem mesmo Belinha, eu deixei entrar em meu quarto enquanto construía nosso projeto. Até mamãe fiz jurar bater na porta antes de entrar. A limpeza do quarto, eu mesmo fazia. Ia dormir toda noite bem tarde, observando o céu. Ficava vendo gravuras de livros, que Belinha trouxe da biblioteca da escola, tentando reproduzir a minha galáxia. Tive que comer na sala de jantar, mamãe desconfiou que eu não estivesse realmente me alimentando. Ela não considerava o pacote de bolachas recheadas como alimento.

Dois dias antes do início da feira, terminei.

Então, na antevéspera do dia, chamei Belinha, papai e mamãe, para verem meu projeto e quem sabe dar alguma sugestão para melhorar. Apaguei as luzes do quarto e fui recebe-los na sala. Estavam muito mais ansiosos que eu. Dei-lhes as orientações de como tudo funcionaria, os fiz colocarem vendas nos olhos, afinal só poderiam ver quando tudo estivesse pronto e fui guiando-os em fila, de mãos dadas até o quarto. Abri a porta com muito cuidado e os levei até a cama, acomodando um ao lado do outro, deitados com a barriga para cima. Só então permiti retirarem as vendas. Riam e se divertiam na expectativa do que aconteceria. Pedi-lhes silêncio e coloquei um CD de música clássica peguei da coleção de papai, para tocar bem baixinho. Então tudo começou.

Primeiro fiz explodir o universo, acendendo e desligando muito rapidamente a lâmpada do teto do quarto. Isso fez com que reclamassem pela claridade repentina, seguido de nova escuridão. Logo pararam de reclamar pois fui acendendo pequeninas lampadinhas, daquelas que tirei de nosso pisca-pisca de Natal. Elas acendiam fracamente no teto do quarto, bem distantes umas das outras, bem próximas dos cantos do quarto. Vindo em direção a lâmpada principal, no centro do teto, fui acendendo outras lampadinhas em azul bem clarinho. As acendia bem esparsas. Ora num canto, ora em outro, fazendo irem busca-las com os olhos em pontos que tinham que descobrir. Meu céu estava se formando.

Enquanto as lampadinhas eram acessas muito lentamente, formando o Cruzeiro do Sul, as Três Marias, fiz uma lampadinha deslizar, com o auxílio de uma linha de pesca, do centro do teto até um canto do quarto. Como se tivesse caindo e a apaguei quando já escorria pela parede. Era a minha estrela cadente.

Quando o teto estava com muitas estrelas ou lampadinhas acesas, acendi também a lâmpada principal novamente. Agora já não incomodando ninguém, pois o teto já parecia um céu e a luminosidade era agradável. A lâmpada estava revestida com papel laranja, bem amassado para parecer com o sol. Então desliguei Mozart e abri a porta do quarto.

Todos me olhavam admirados e mamãe até tinha uma lágrima escorrendo no rosto. Só Belinha falou:

- Agora entendo porque te chamam de “Maluco das estrelas”. Foi chocante, coisa de maluco mesmo.

Levei meu projeto para a escolha numa forma muito reduzida, patrocinada e realizada por papai.

Meu quarto foi trocado por uma tenda, dessas de acampar e as pessoas entravam nela quase que gatinhando. Quando saiam de dentro dela, admiradas queriam repetir. Tanto que tivemos que marcar sessões para todos participarem. Durante e depois da semana da feira, depois daquela experiência, vi muitas pessoas saírem da escola olhando para o céu, buscando algo.

Depois disso, mamãe nunca mais pegou no meu pé para dormir ou fechar a janela. Tia Léa, até me deu um telescópio bem maior e melhor que o anterior. Até garotos da escola já não mais zoavam comigo.

Acho que afinal, terminei criando uma constelação de “Maluco das Estrelas”.

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