terça-feira, 4 de março de 2014

Ciça e Lelé


Algumas pessoas que conhecemos por nossa passagem neste mundo, por muitas vezes nos impressionam muito assim foi esse casal especial, que conheci há muito tempo atrás..
Aquela criança quando chorou ao chegar no mundo, jamais poderia imaginar ser protagonista de uma história de amor, no mínimo diferente.
A família estava alvoroçada, acabara de nascer ali, naquele seco sertão nordestino, uma linda menina que soltava um choro comovente, a pleno pulmões. Seu choro misturava-se com o de sua mãe, mulher forte, de fibra e ao mesmo tempo frágil, com um corpo pequeno fraco. Era um cenário de alegria e felicidade. Seu nome foi escolhido por um jovem, filho de um amigo e vizinho da família. Ele sempre ajudava aquela família com as criações. Seria Cecília, como aquela música que ouvira na capital, em um pequeno radio a pilha. Era um sucesso  de uma dupla estrangeira, que lhe agradou demais.
O jovem rapaz, nos seus 16 anos, deu também a Cecília, o apelido que ela levaria por toda sua vida, Ciça.
Ele era conhecido por todos os moradores da região como Lelé, apelido que ganhou quando criança, depois de tanta peraltice. Diziam os mais velhos, que ele era meio lelé da cabeça, e assim ficou.
Depois de um mês, do nascimento de Ciça, Lelé, que todos os dias ia ver a menina, foi pego de surpresa por um convite do pai da pequenina.
- Lelé, eu mais a Dona Senhora, minha esposa, queremos que você batize Ciça, lá igreja de São Francisco. Você vai ser o padrinho de Ciça.
Foi um choque para Lelé, jamais esperava algo assim, até porque geralmente quem batizava era alguém mais velho e da família. Todos sorriam e aguardavam a resposta, quando a surpresa se inverteu.
- Obrigado seu Geraldo e dona Senhora, mais não posso não.
Ninguém entendeu nada, e ficaram boquiabertos quando o rapaz pegou seu velho chapéu de palha, que estava sobre a cômoda da sala, pediu licença e saiu da casa.
Daquele dia em diante, a família de Ciça foi se afastando da de Lelé e este nunca mais foi visitar Ciça. Parecia diariamente no trabalho com as criações, ajudando seu Geraldo, mas não voltou a casa para ver a menina. Seu Geraldo, algumas vezes até tentou puxar prosa, para entender o que aconteceu, mas Lelé desconversava e fugia do assunto.
Assim foi por muitos anos. Enquanto Ciça ia crescendo, Lelé se transformava em um homem e foi viver na capital. Por lá ele estudou e progrediu. Trabalhava numa empresa estrangeira, que exportava grãos para o mundo todo. Começou como carregador de sacas e aos poucos foi melhorando, até chegar a supervisor de sua área. Não voltou mais para sua cidade, todo mês enviava algum dinheiro para seus pais e até chegou mandar buscá-los para conhecerem sua casa e a capital.
Há quase 400 km dali, a imagem que se via, era de uma menina vistosa e cheia de energia, que crescia dia após dia, cuidando de cabras e de seus pais, já velhinhos. Começara também, a ir à escola da cidade vizinha e para isso andava quase 3 km toda tarde, voltando só no início da noite, sempre de carona com o homem do carro pipa, aquele que trazia água pra região.
Então, numa tarde de sexta-feira, Lelé recebeu uma ligação. Seu pai falecera. Preparou-se e voltou para sua cidade, para despedir-se do velho pai. Lelé agora era um homem maduro, com quase quarenta anos,  não casou ou constituiu família, sua vida era apenas trabalhar e enviar dinheiro aos pais. 
Quando chegou, viu que quase nada mudará na sua pequena cidade, tudo estava exatamente igual à antes. Ou quase tudo.
No velório de seu pai, recebeu os pêsames de muitos amigos de sua família. Até que entrou seu Geraldo. Ao seu lado vinha uma moça muito bonita, de cabelos longos e vestido, discreto num tom marrom. Era Cecília. Ele não a reconheceu de imediato, mas se interessou pela moça. Quando seu Geraldo veio em sua direção para cumprimentá-lo, percebeu que apesar de tanto tempo o homem não havia perdoado da desfeita que ele lhe fizera, mas apertou sua mão firmemente dando-lhe pêsames e o convidou a visitá-lo e jantar em sua casa depois do enterro.
Tudo ocorreu como esperado, Lelé enterrou seu pai, levou sua mãe até a velha casinha, agora reformada com o dinheiro que enviara, e deixou-a com a tia, que ainda ficaria por ali alguns dias para consola-la.
Antes de ir embora para capital, Lelé tinha que ir até a casa de seu Geraldo jantar, como prometera e assim o fez. Chegando lá foi recebido sem muita cerimonia e antes de sentar a mesa para o jantar, ficou na varando conversando com seu Geraldo e sua filha. Seu Geraldo contou-lhe da morte de Dona Senhora e de quanto tinha sofrido com isso, que até perderá as forças e sua filha é quem cuidava de tudo. Ali nasceu um encanto sem fim, da menina por aquele homem e parecia ser o mesmo, da parte dele também. Aquela não foi à única noite que Lelé foi jantar na casa de seu Geraldo, a partir daquele primeiro jantar vários convites foram feitos a Lelé que compareceu a todos. Todos os meses vinha da capital para ver sua mãezinha, que a morta também a levou cinco meses depois, até aquela noite de verão...
- Seu Geraldo, queria te pedir a permissão para namorar Ciça.
O espanto foi geral, até a moça não esperava por essa. Seu Geraldo o olhou fixamente e disse:
- Seu Lelé, o senhor rejeitou batizar a minha menina e acho que é um tanto velho para ela, então eu te digo que não. Não faria gosto de ver isso acontecer, mas é ela quem decide e se ela quiser, farei gosto.
Diante de tanta firmeza na maneira de falar do velho senhor, os presentes viraram a atenção para a moça, que ainda sem jeito pela surpresa respondeu:
- Aceito.
Quando os conheci, eu era apenas um jovem rapaz, que ficou encantado com essa história toda e que, a partir daquele dia, acreditou que o amor era possível, independente de qualquer condição, e é Deus, que cuida de nosso destino. Lelé e Ciça viveram felizes e contentes, sempre divulgando sua história a quem estivesse disposto a ouvir. O carinho entre eles era coisa bonita demais de se ver.
Lelé já partiu deste mundo e Ciça não sei por onde anda, mas deixaram saudades.



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