—
Calados! — Meu latido foi tão alto que meu dono saiu na varanda para ver que
barulheira era aquela.
—
Twoo... O que está acontecendo? Que bagunça é essa? — falou o homem com as mãos
na cintura, se mostrando nervoso.
Imediatamente
nos separamos e fui ao seu encontro com o rabinho balançando, tentando
convencê-lo de que nada estava acontecendo.
Tudo
começou com a história de uma tal pandemia. Nossos donos, de repente, não saíam
mais de casa, sempre pareciam com medo de algo, ninguém ia trabalhar e o
pior... acabaram-se os passeios no final da tarde. Um absurdo!
Nos
primeiros dias, até foi legal ter todo mundo junto, a toda hora, sempre. Até
que começou a nos cansar. Eles pareciam sempre nervosos. Aqui em casa, somos
seis cães e, logo, cada um vinha com alguma reclamação para mim. Tipo: “Não
passeamos mais”, “estão atrasando nossa hora de almoço”, “nem o número dois
posso fazer sossegado”, “não posso mais falar com a cachorra do vizinho que
alguém reclama”. Por mais que eu tentasse acalmar as coisas, eles tinham razão.
Algo precisava ser feito.
Numa
dessas noites, comecei a conversar com o amigo da rua de cima. Acho que todos
de casa dormiam e nem perceberam minha troca de latidos com o Casca. Ele era um
mestiço grandalhão, mas não tanto quanto eu — um orgulhoso Pittdor (ou
Labrabul, dependendo de quem pergunta), filho de uma Pitbull e um Labrador. Mas
ele latia tão forte que conseguimos conversar, apesar da distância. Ele
reclamava que estava ficando maluco com seu dono. Também não saía mais de casa,
nem para ir ao cãobelereiro, fazer sua tosa. Estava peludo demais e mal
enxergava por onde andava, tamanha sua franja caindo no rosto. Vivia trombando
pela casa.
Um
dia desses ele descobriu a causa de todo esse comportamento e nos contou. Havia
uma coisa que estava atacando nossos donos. Um vírus!
—
Foi exatamente assim que o chamaram: Cãovid19. Acho que pensam que fomos nós
que passamos isso para eles, por isso estão nos punindo.
—
Casca, não pode ser. Nunca ouvi nada sobre esse Cãovid19. Eles nos tratam bem,
sempre tem um agrado ou carinho como antes, só não querem passear conosco.
Aliás, nem eles mesmos saem. A única coisa estranha mesmo é quando voltam da
rua com aquele pano na cara.
Resolvi
juntar os outros cinco daqui de casa para tomar alguma atitude. Afinal, se eles
estão com medo, temos que nos ajudar.
—
Então é isso, pessoal, o problema é essa Cãovid19.
—
Eu posso morder a almofada agora?
—
Não, Bonnie, estamos conversando, presta atenção. O que podemos fazer para
ajudar nossos amigos e mostrar que não temos nada a ver com isso?
—
Podemos morder mais almofadas.
—
Não, Bonnie! Eles não gostam. Pode parar com isso? É por isso que vamos mudar
algumas coisas para deixá-los mais tranquilos: Tom, você vai parar de brigar
com a Delinha. Vocês não se cansam disso? Delinha vai deixar de morder a
Rajeline no focinho toda hora, isso machuca. E Rajeline vai deixar de dormir na
poltrona deles...
—
Espera aí! O que tem a ver dormir na poltrona?
—
Raje, você não apenas dorme, mas está comendo a poltrona toda. Eles vivem
brigando com você.
—
Mas é tão gostoso...
—
Não pode.
—
E morder as almofadas?
—
Não, Bonnie, também não pode. Eu já disse. Precisamos mostrar que estamos com
eles e não os irritar mais. Eles precisam de nós para ficarem mais calmos.
—
Taylor, não coma mais a comida da Bonnie.
—
O quê?! Ele está comendo minha comida?
—
Pelo amor de Santa Canina, Bonnie. Largue dessa almofada! Ele come todos os
dias e você nunca viu?
De
repente, nossa dona saiu e nos chamou. Interrompemos a assembleia e fomos
correndo para ver se era algum petisco, mas era só para ela fazer nossa
contagem.
—
Um, dois, três, quatro, cinco... Cadê a Bonnie? Bonnie!! Larga dessa almofada!
Pera aí que você vai ver só.
Assim
que ela voltou para dentro da casa, nos reunimos novamente.
—
Está vendo como ela está estranha? Nos chamou e nem nos deu comida.
—
Deixa disso, Taylor. Você só pensa em comida! Estamos todos entendidos? Se
agirmos assim, eles ficam mais tranquilos e calmos, até descobrirmos mais sobre
esse Cãovid19.
—
Agora posso morder a almofada?
—
NÃO! — Todos latiram novamente.
—
Aff... só perguntei...
Diante
de tanto barulho, nossos donos saíram novamente para ver o que acontecia. Então
conversaram, algo olhando para nós, e a mulher chamou Tom e Delinha para
passear na rua. O homem sentou no gramado, chamando a mim e ao Taylor para
brincar. Os demais ficaram vendo o passeio dos nossos amigos pelas frestas do
portão, esperando por sua vez.
Acho
que eles não pensam que somos os causadores dessas mudanças. Na verdade,
acredito que podemos ajudá-los a passar por mais essa adversidade que a vida
criou.
Assembleia
encerrada.
Em
tempo...
Bonnie, larga essa almofada!
Conto premiado no projeto Apparere: Coletânea Todo mundo em casa?! - Reflexões de um Pet. Editora Perse
0 comentários:
Postar um comentário
Obrigado por comentar. Seu comentário e opiniões são muito importante para melhorar o blog.Se não quiser deixar... Fazer o que...