sexta-feira, 11 de abril de 2025

3ª Sexta-feira - Escovando os dentes

 

Escovando os dentes

 

Tinha a mania de ficar até tarde no computador nas sextas-feiras, jogando, vendo vídeos ou ouvindo podcasts de mistérios casuais. Achava tudo muito legal porque não trabalhava nos sábados, então estava de boa.

A primeira vez que percebi algo estranho foi numa dessas noites, quando o celular apagou de repente, mergulhando o quarto numa escuridão sufocante. A tela começou a piscar como se estivesse tentando comunicar algo em código Morse. E então, voltou ao normal, como se nada tivesse acontecido. Mas a sensação de que algo estava errado já tinha se instalado.

Logo em seguida, senti um vento frio na nuca. Um sopro gelado e úmido, carregando um cheiro estranho, como de algo mofado, antigo. Levantei-me devagar e acendi a luz. Tudo parecia no lugar, o quarto fechado, janelas trancadas. Talvez fosse só cansaço.

Na semana seguinte, as coisas começaram a cair sozinhas. No começo, achei que era culpa minha. Eu tinha o hábito de jogar as roupas de qualquer jeito no cabideiro, então encontrar minha bermuda no chão parecia normal. Só que ela estava do outro lado do quarto. E mesmo assim, insisti em acreditar que eu mesmo a tinha arremessado sem querer.

Na noite seguinte, tomei o cuidado de dobrar a bermuda e guardá-la direitinho no guarda-roupa. Só que acordei com ela aos meus pés, na cama. O quarto trancado, ninguém mais ali. Um arrepio percorreu minha espinha.

Depois do trabalho, decidi registrar tudo isso. Quem sabe depois eu postaria, ou talvez fosse só para organizar os pensamentos. Sentei na cadeira, deixei a luz acesa e comecei a digitar. Logo nas primeiras linhas, senti uma presença. Era como se alguém estivesse inclinado sobre o meu ombro, lendo cada palavra escrita. Parei, olhei ao redor. Tudo parecia normal. Ou quase.

A sensação de que um vulto havia passado pela minha visão periférica e entrado no banheiro me incomodou. Me convenci de que era impossível, de que eu estava apenas sugestionado. Mas a cada pausa, aquele incômodo voltava. A sombra parecia sempre ali, à espreita, no canto do olho.

Continuei escrevendo até que uma frase no texto me chamou atenção: “Já é tarde, vá dormir.” Eu não lembrava de ter digitado aquilo. Li e reli, a frase parecia vibrar na tela. Deletei rapidamente. O relógio marcava quase meia-noite. Talvez fosse mesmo hora de descansar.

Decidi largar o texto para o dia seguinte. Troquei de roupa, apaguei a luz e me deitei. Só então percebi que não havia escovado os dentes. A luz do carregador do celular lançava um brilho fraco, então caminhei no escuro até o banheiro.

Acendi a luz do pequeno armário e me encarei no espelho. O rosto pálido, olhos fundos. Abri a porta do armário, escondendo o espelho, e peguei a escova de dentes. Quando fechei a porta, algo estava errado. O reflexo parecia... deslocado. Como se a sombra atrás de mim não fosse minha.

Virei rapidamente. Nada. O coração disparado. Acendi a luz principal do banheiro, enchendo o espaço de claridade. Coloquei a cabeça para fora e observei o quarto. Silêncio. Tudo no lugar.

Escovei os dentes e voltei para a cama. Assim que apaguei a luz, o celular brilhou novamente. Uma mensagem. O sono deu lugar ao medo. Abri a notificação.

“Já que escovou os dentes, boa noite.”

A mão tremia. A mensagem não tinha remetente. O quarto estava escuro. E eu não estava mais sozinho.

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