Escovando
os dentes
Tinha a mania
de ficar até tarde no computador nas sextas-feiras, jogando, vendo vídeos ou
ouvindo podcasts de mistérios casuais. Achava tudo muito legal porque não
trabalhava nos sábados, então estava de boa.
A
primeira vez que percebi algo estranho foi numa dessas noites, quando o celular
apagou de repente, mergulhando o quarto numa escuridão sufocante. A tela
começou a piscar como se estivesse tentando comunicar algo em código Morse. E
então, voltou ao normal, como se nada tivesse acontecido. Mas a sensação de que
algo estava errado já tinha se instalado.
Logo
em seguida, senti um vento frio na nuca. Um sopro gelado e úmido, carregando um
cheiro estranho, como de algo mofado, antigo. Levantei-me devagar e acendi a
luz. Tudo parecia no lugar, o quarto fechado, janelas trancadas. Talvez fosse
só cansaço.
Na
semana seguinte, as coisas começaram a cair sozinhas. No começo, achei que era
culpa minha. Eu tinha o hábito de jogar as roupas de qualquer jeito no
cabideiro, então encontrar minha bermuda no chão parecia normal. Só que ela
estava do outro lado do quarto. E mesmo assim, insisti em acreditar que eu
mesmo a tinha arremessado sem querer.
Na
noite seguinte, tomei o cuidado de dobrar a bermuda e guardá-la direitinho no
guarda-roupa. Só que acordei com ela aos meus pés, na cama. O quarto trancado,
ninguém mais ali. Um arrepio percorreu minha espinha.
Depois
do trabalho, decidi registrar tudo isso. Quem sabe depois eu postaria, ou
talvez fosse só para organizar os pensamentos. Sentei na cadeira, deixei a luz
acesa e comecei a digitar. Logo nas primeiras linhas, senti uma presença. Era
como se alguém estivesse inclinado sobre o meu ombro, lendo cada palavra
escrita. Parei, olhei ao redor. Tudo parecia normal. Ou quase.
A
sensação de que um vulto havia passado pela minha visão periférica e entrado no
banheiro me incomodou. Me convenci de que era impossível, de que eu estava
apenas sugestionado. Mas a cada pausa, aquele incômodo voltava. A sombra
parecia sempre ali, à espreita, no canto do olho.
Continuei
escrevendo até que uma frase no texto me chamou atenção: “Já é tarde, vá
dormir.” Eu não lembrava de ter digitado aquilo. Li e reli, a frase parecia
vibrar na tela. Deletei rapidamente. O relógio marcava quase meia-noite. Talvez
fosse mesmo hora de descansar.
Decidi
largar o texto para o dia seguinte. Troquei de roupa, apaguei a luz e me
deitei. Só então percebi que não havia escovado os dentes. A luz do carregador
do celular lançava um brilho fraco, então caminhei no escuro até o banheiro.
Acendi
a luz do pequeno armário e me encarei no espelho. O rosto pálido, olhos fundos.
Abri a porta do armário, escondendo o espelho, e peguei a escova de dentes.
Quando fechei a porta, algo estava errado. O reflexo parecia... deslocado. Como
se a sombra atrás de mim não fosse minha.
Virei
rapidamente. Nada. O coração disparado. Acendi a luz principal do banheiro,
enchendo o espaço de claridade. Coloquei a cabeça para fora e observei o
quarto. Silêncio. Tudo no lugar.
Escovei
os dentes e voltei para a cama. Assim que apaguei a luz, o celular brilhou
novamente. Uma mensagem. O sono deu lugar ao medo. Abri a notificação.
“Já
que escovou os dentes, boa noite.”
A
mão tremia. A mensagem não tinha remetente. O quarto estava escuro. E eu não
estava mais sozinho.
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