sexta-feira, 28 de março de 2025

2ª Sexta-feira - Carona no Uber



     Carona no Uber

 

Tinha Após uma longa noite ao volante, eu retornava para casa, exausto. Ao fazer a penúltima curva, o cansaço pesava sobre mim. Cruzei o viaduto que atravessa a Rodovia Dutra e adentrei a antiga pista D. Pedro I. Apenas mais uma curva e estaria no meu bairro. A vida de motorista de Uber noturno estava me consumindo, mas o dinheiro era necessário para sobreviver.

Concluí a curva e fui envolvido por uma escuridão absoluta. No para-brisa, minúsculas gotas de uma garoa fina começavam a se acumular.

 

— Não acredito! Outra vez sem energia. — murmurei, frustrado. Chegar em casa cansado, sob uma garoa persistente, e não poder tomar um banho revigorante era desanimador.

 

Reduzi a velocidade, lamentando minha sorte. Logo na entrada, havia uma lombada, e pessoas poderiam estar atravessando a rodovia para pegar o ônibus. No primeiro ponto à direita, avistei um senhor e uma criança sentados no banco. Reconheci o idoso como um vizinho da minha rua. Decidi oferecer-lhes uma carona.

 

— Boa noite! Moramos na mesma rua, e nesta escuridão, não é seguro esperar pelo ônibus. Aceitam uma carona?

 

O homem assentiu silenciosamente e, juntos, eles se aproximaram do carro. A menina, com um capuz cobrindo o rosto, movia-se com dificuldade. Presumi que usava o capuz para se proteger da garoa incessante. O senhor abriu a porta traseira e ajudou a menina a entrar antes de se acomodar no banco do passageiro. Estendi a mão e me apresentei.

Ele disse se chamar Geraldo e mencionou que havia buscado a neta para passar o dia em sua casa. Costumava caminhar pelo acostamento da rodovia, mas, devido à escuridão, optou por esperar por uma carona ou pelo ônibus, o que viesse primeiro.

Olhei pelo retrovisor e vi a menina com a cabeça baixa, observando as mãos no colo.

 

— Fez bem, seu Geraldo. Embora seja perto, esse trecho da rodovia é perigoso, especialmente nesta escuridão.

 

Ele apenas assentiu, sem dizer mais nada, voltando-se para verificar a neta no banco traseiro.

Perguntei há quanto tempo estavam no ponto, já que passava das 22 horas, e ele respondeu que não sabia ao certo. Disse que eu era a terceira carona que tentava conseguir, mas não havia conseguido seguir para casa.

Não compreendi bem o que ele quis dizer, mas comentei que agora chegariam em casa.

Aproximando-me da entrada do bairro, observei:

 

— Com esta escuridão, preciso estar atento para virar à esquerda aqui. Os motoristas à frente podem ver meus faróis, mas, como o carro é preto e as lanternas traseiras são discretas, sempre há o risco de um apressado desatento nos atingir.

 

Virei o rosto para a direita, colocando o braço esquerdo para fora da janela, observando a rodovia para garantir que não havia veículos se aproximando, e então ouvi o senhor Geraldo dizer:

 

— Nós sabemos disso, não é, querida?

Cruzei a rodovia com cautela e sorri, aliviado.

— Pronto, agora é mais tranquilo. Logo estaremos em casa.

 

Sorrindo, virei-me para o lado do passageiro e levei um susto.

 

— Seu Geraldo? Onde está o senhor?

 

O banco do passageiro estava vazio.

Bati com a mão no assento e forcei a porta; ela estava trancada. Lembrei-me da menina no banco de trás e, ao me virar, vi os dois sentados lado a lado. Nesse momento, um carro passou na direção oposta, e a luz dos faróis iluminou-os claramente. A menina tinha o rosto desfigurado, a blusa encharcada de sangue, e o velho apresentava metade do rosto esmagado. Frei o carro abruptamente, temendo colidir com algo, e, nesse movimento brusco, acionei a buzina. Olhei novamente para trás, mas o banco estava vazio.

Meu coração disparou. Encostei o carro próximo ao mercadinho da lagoa e saí, ofegante. Fiquei alguns minutos observando o veículo da calçada, tentando enxergar algo na escuridão. Lembrei-me da lanterna no porta-malas e, lentamente, aproximei-me novamente do carro. Abri o compartimento e peguei a lanterna. Primeiro, iluminei o banco do passageiro, que continuava vazio; então, lentamente, direcionei o feixe de luz para o banco traseiro. Também vazio.

Abri a porta traseira com cautela e examinei o interior: nada. Quando estava prestes a fechar a porta, meu celular tocou estridentemente no painel. O susto fez com que eu deixasse a lanterna cair sob o carro.

Peguei o celular, evitando olhar para o banco traseiro, e atendi, ainda do lado de fora.

— Querido, onde você está? Está demorando. O bairro está às escuras. Tenha cuidado.

 

Gaguejando, respondi:

 

— Estou chegando. Perto do mercadinho da lagoa.

 

Desliguei, entrei no carro e dirigi apressadamente.

Meus olhos evitavam o retrovisor, temendo o que poderia ver.

Minha garagem possuía luz de emergência, instalada após o último apagão. Abri o portão, estacionei e saí rapidamente, entrando em casa.

Minha esposa me recebeu com uma lanterna, abraçando-me:

 

— Graças a Deus você chegou bem. Houve um acidente horrível na entrada do bairro. Fiquei preocupada.

— Acidente?

— Sim, um morador da nossa rua foi atropelado com sua netinha quando a trazia para casa para passar o final de semana com a vó. Pobre senhora, ficou esperando no protão e eles nunca chegaram.

— Não chegaram mesmo. — disse eu enquanto minha esposa chorava sentidamente ao meu ombro.


sexta-feira, 21 de março de 2025

Sexta-feira - Não olhe na lixeira

 

Não olhe na lixeira

 

Essa rua sem saída, a primeira a direita após passar pelo postinho de saúde, era um problema.

No bairro periférico de Igarapés, onde ficava, as luzes da cidade mal alcançavam. Tudo era precário, e a linha de ônibus mais próxima passava apenas duas vezes ao dia — um pela manhã e outro já tarde da noite. A rua era isolada, esquecida por todos. Nem o caminhão de lixo se aventurava por ali. Por isso, causou espanto a aparição repentina de uma lixeira grande, robusta, na esquina do primeiro terreno na entrada da rua.

O proprietário do terreno, tomado pela fúria, destruiu a lixeira diante de todos, seus pedaços espalhados pelo chão de terra batida. Mas, ao amanhecer, lá estava ela, intacta, como se jamais tivesse sido tocada. As pessoas, incrédulas, sussurravam teorias nervosas, tentando racionalizar o impossível. Era só uma lixeira. Não podia ser mais do que isso. Certo?

Os primeiros desaparecidos foram os catadores de recicláveis. De tempos em tempos, eles passavam pela rua recolhendo materiais para vender. Era sempre uma troca amigável, mas, de repente, o carrinho vazio ficou abandonado na calçada, suas rodinhas ainda girando. Quem depositava o lixo parecia seguro, mas abria sua tampa e olhavam para o fundo da lixeira — especialmente ao cair da noite — eram sugados por uma escuridão espessa. Sumiam. E ninguém via.

Ninguém, exceto um passageiro de ônibus. Tarde da noite, ao olhar pela janela suja quando passava por ali, viu uma sombra se contorcendo, sendo tragada pela lixeira.

— Vocês viram isso? — gritou, o dedo trêmulo apontando para a rua.

Os outros passageiros se acotovelaram para ver, mas era tarde demais. A rua estava deserta. Apenas dois que confirmaram ter visto algo. Dias depois reconheceram a vítima por uma foto como o catador que sempre passava ali. Mas as autoridades não deram crédito. Para elas, era apenas mais uma lenda urbana.

A prefeitura, para acalmar os ânimos, destruiu a lixeira e colocou uma caçamba no lugar. No dia seguinte, a lixeira estava de volta. A caçamba havia desaparecido sem deixar rastro. O silêncio pairou pesado sobre a rua. As sombras pareciam mais longas, os ruídos mais altos. Todos temiam abrir e desafiar a lixeira.

Uma noite, um morador antigo também desapareceu. Ninguém ouviu gritos, apenas o som metálico de algo se fechando. Os vizinhos, aterrorizados, colaram cartazes feitos à mão: “Não se aproximem dessa lixeira. Perigo de morte!”

Mas a curiosidade é uma praga. Sempre há alguém disposto a desafiar o desconhecido.

Desta vez, a destruição foi acompanhada pela vigília de dois policiais. Na manhã seguinte, os policiais haviam sumido. A lixeira permanecia. As portas das casas trancaram-se cedo naquela noite. O medo tinha dentes, e todos sentiam a mordida.

Falaram em chamar o padre, pedir uma bênção. Mas a vergonha superou o pavor. Quem chamaria um padre para uma lixeira? Ninguém. E outro morador se foi.

A lixeira então desapareceu, tão abruptamente quanto surgiu. Ninguém ousava falar sobre o que aconteceu. Alguns diziam que era um portal para outra dimensão. Outros, que era uma manifestação do mal, uma boca faminta, esperando ser alimentada. Mas todos sabiam: aqueles que olharam para o fundo dela nunca mais voltaram.

Se um dia você encontrar uma lixeira solitária em uma rua deserta, resista ao impulso de espiar seu interior. Às vezes, o lixo não é o pior que ela pode guardar

No bairro periférico de Igarapés, onde ficava, as luzes da cidade mal alcançavam, esgoto encanado não tinha. Linha de ônibus só no asfalto a uma certa distância dali e eram só dois por dia, ou melhor, um de dia e outro no final da noite. A rua era isolada de tudo e nem o coletor de lixo passava ali. Os moradores, acostumados ao abandono das autoridades, estranharam a aparição repentina de uma lixeira grande, na esquina do primeiro terreno na entrada da rua.

O proprietário do terreno, indignado pela ousadia da construção e por não ter autorizado a instalação, destruiu a lixeira diante de todos, reduzindo-a a pedaços.

No entanto, ao amanhecer de um novo dia, a lixeira estava intacta, sem qualquer sinal de dano. Os vizinhos, incrédulos, especulavam sobre o ocorrido, atribuindo-o a brincadeiras de mau gosto ou loucura do destruidor dela. Mas a realidade se mostraria mais sombria.

Os primeiros a desaparecer foram catadores de recicláveis que sempre recolhia produtos dos moradores da rua sem saída. Relatos surgiram de que aqueles que abriam a lixeira e depositavam seu saco de lixo, nada acontecia, mas os que olhavam em seu interior no horário tarde da noite, eram sugados para dentro, sumindo sem deixar vestígios.

Um único transeunte, ao passar tarde da noite pela janela de um ônibus, testemunhou uma sombra sendo engolida pela lixeira.

 

— Vocês viram isso! — Gritou apontando para o início da rua, fazendo com que várias pessoas corressem a sua janela.

 

Apesar de só dois passageiros afirmarem terem visto e reconhecerem por fotos que a pessoa devorada pela lixeira como um catador conhecido, seus relatos foram recebidos com descrença e escárnio.

A versão do caso cresceu e chegou até a cidade.

As autoridades locais, céticas, desconsideraram as denúncias, tratando-as como lendas urbanas ou histórias fantasiosas para chamar a atenção.

Para acalmar os moradores, no final da tarde seguinte, a prefeitura destruiu outra vez a sinistra lixeira e colocou uma caçamba grande em seu lugar, mas no dia seguinte a lixeira estava novamente lá e a caçamba havia desaparecido. E assim ficou por mais uns dias.

Certa noite, um antigo morador conhecido por todos na rua, também desapareceu. A comunidade, tomada pelo medo, evitava a lixeira e colocaram cartazes feito a mão com os dizeres:

 

“Não se aproximem dessa lixeira, perigo de morte!”

 

Mas a curiosidade humana é uma força poderosa.

Nova destruição ocorreu, nova caçamba colocada no local e uma dupla de policiais foi colocada em vigia. No dia seguinte os policiais haviam desaparecidos e a lixeira estava novamente lá.

Pensaram no padre local, talvez uma benção especial resolvesse, porém o ridículo de benzer uma lixeira deixou a ideia de lado. Antes tivessem tentado. Houve um novo desaparecimento.

O mistério da lixeira amaldiçoada permaneceu por dias, até que misteriosamente ela desapareceu.

 Alguns dizem que era um portal para outra dimensão; outros acreditam que é uma manifestação do mal. Mas uma coisa é certa: aqueles que ousaram olhar em seu interior nunca mais foram vistos.

Se um dia você se deparar com uma lixeira solitária em uma rua deserta, lembre-se desta história e resista à tentação de espiar seu conteúdo. A curiosidade pode ser irresistível, mas no bairro Igarapés, ela pode custar sua vida.

segunda-feira, 17 de março de 2025

6.2 - Não é só mais um ano que chegou

 

6.2 - Quem disse que eu não chegava?

Chegar aos 6.2 (sim, eu gosto desse toque moderno) é tipo atualizar o software da vida para a versão premium: mais experiência, mais histórias para contar, mais motivos para rir das pequenas coisas e, claro, mais chances de dar aquele “tilt” inesperado – afinal, os sistemas antigos sempre têm suas falhas.

Ano passado o ChatGPT me disse: “Lembre-se: as rugas são apenas linhas de sabedoria que o tempo desenhou em seu rosto”. Fácil pra ele falar, né? Quem dera eu ser digital e não ter que encarar o espelho todo dia. ChatGPT, quer saber? Aqui pra você. Rusgas! Vai vendo.

E pra responder a pergunta inicial – o primeiro a duvidar fui eu mesmo. Mas não é que eu cheguei?

Vamos à retrospectiva:

5.9 – Até cheguei, mas parecia aqueles videogames antigos: cheio de trancos e travamentos. Fechei o ano com perdas e, se fosse só da minha sanidade, até que tava bom. Uma pessoa querida subiu aos céus e outra foi atravessar o mundo, e eu fiquei meio perdido. Fiquei um pouco mais só e pensei: “ano que vem será melhor”. E veio o esperado 2023.

6.0 – Opa, começou com mais duas perdas. Mais dores, mais orações. Um preferiu me esquecer, e outra, essa eu jamais esquecerei. Saudades eternas, mãe. Melhor ser breve nesse ano.

6.1 – A cabeça tava uma bagunça, tanto quanto a vida. Bati de frente com os problemas, cai pra trás, revidei e a vida me jogou no chão. Problema dela, olha eu de pé outra vez! No começo parecia mais um ano daqueles, mas só parecia. Dei trabalho no trabalho, me descobriram entre tantos e ganhei uma “promoção”. As aspas são porque não foi bem assim, mas deixa quieto. E depois de dois anos sem escrever nada, nem as piadinhas pra roubar sorriso, lancei mais um livro! Nada de concursos e planos, mas prometi a mim mesmo retornar, e aqui estou eu.

6.2 – E não é que cheguei! Bora comemorar! Só não posso pular de alegria porque o joelho pediu aposentadoria antecipada. Nada de exageros nos brindes, a menos que o banheiro esteja pertinho (e tem que ser bem pertinho mesmo). Correr pra um abraço? Correr é exagero. Talvez eu vá devagarinho, com a ajuda de um braço amigo, mas o abraço vai ser sincero e apertado. Pode ser virtual, já me adaptei a isso também. E se puder, manda um emoji bem colorido, porque tá difícil definir as coisas, principalmente se eu estiver chorando (ou rindo, nunca se sabe).

Enfim... Feliz aniversário pra mim! Amo todos vocês... Ô saudades!

sexta-feira, 14 de março de 2025

1ª Sexta-feira - A noite na lagoa



A noite na lagoa
 

N aquela noite o bar da lagoa estava com seu público habitual, dois

companheiros tomavam sua cachaça tranquilo proseando, no balcão o

proprietário passava um pano amarelado no balcão e num canto afastado estava

um velho com um desgastado chapéu na cabeça e um cigarro de palha, já no

seu final.

A entrada de um forasteiro chamou a atenção.

Entrou cumprimentando os presentes e encostou no balcão pedindo uma

cachaça.

— Ouvi dizer que a lagoa aqui do bairro tem traíras boas. — comentou o

desconhecido, com um sorriso confiante. — Estou pensando em pegar algumas

nesta noite.

Os frequentadores do bar se entreolharam, e o ambiente, antes tranquilo,

ficou subitamente tenso. Seu Antônio, o senhor de cabelos grisalhos sentado no

canto, sem olhar na direção do forasteiro e ainda ajeitando seu cigarro,

comentou:

— Moço, não é aconselhável pescar na lagoa durante a noite,

especialmente em noites como esta. — disse ele, apontando para a lua que

brilhava entre nuvens estranhas. — Com essa lua há coisas que a gente não

entende acontece por lá.

O visitante o procurou com os olhos, tomou sua cachaça em um gole só e

soltou uma risada discreta.

— Você está tentando me assustar com suas histórias meu bom velho?

— Não é brincadeira, rapaz. Muitos já desapareceram naquela lagoa em

noites como esta. Dizem que a água chama...

Ignorando os avisos, o forasteiro pagou sua bebida e se levantou.

— Agradeço a preocupação velho, mas não acredito nessas superstições.

Vou pescar assim mesmo.

 

Com sua vara de pesca e uma lanterna, ele seguiu em direção à lagoa e o

velho completou:

— Melhor avisar a polícia. — Disse ao dono do bar — Esse num “vorta”

mais.

A noite estava clara, iluminada pela lua que lançava um brilho prateado

sobre a superfície da água. O ambiente era silencioso, exceto pelo som ocasional

de sapos e grilos.

Instalado na margem, o homem lançou sua linha, acendeu um cigarro e

aguardou. O tempo passava lentamente, e ele começou a sentir uma inquietação

crescente. De repente, pequenas ondulações surgiram na água, seguidas por

bolhas que pareciam vir do fundo da lagoa.

Uma voz suave e hipnótica ecoou em sua mente:

 

— Entre na água...

Ele olhou ao redor, procurando a origem da voz, mas não viu ninguém.

Seu coração acelerou, e ele tentou ignorar o chamado, concentrando-se na

pesca. Ele estava só.

— Entre na água... — a voz repetiu, mais insistente.

Uma luta interna começou. Ele sabia que não havia ninguém ali, mas a

voz era irresistível. Suas mãos tremiam, e o suor escorria por sua testa.

— Não... — murmurou para si mesmo, tentando resistir.

Mas a voz continuava, sedutora e autoritária. Seus pés começaram a se

mover, como se tivessem vontade própria. Ele cravou os calcanhares no chão,

tentando se deter, mas uma força invisível o puxava em direção à água.

Marcas profundas foram deixadas no solo enquanto ele era arrastado, suas

unhas rasgando a terra em uma tentativa desesperada de se segurar. Seus gritos

de pavor ecoaram na noite, mas ninguém estava por perto para ouvi-los.

Ao entrar na água, a sensação gelada o envolveu, e a voz em sua mente

tornou-se ensurdecedora. Seus olhos se arregalaram de terror enquanto era

submerso, a escuridão da lagoa o engolindo completamente.

Na manhã seguinte, os moradores encontraram apenas os pertences do

forasteiro na margem da lagoa. Nenhum sinal dele foi encontrado, e as marcas

no chão contavam uma história de luta e desespero.

Quando a história se espalhou, ouviu-se uma voz não muito distante da

lagoa.

— Eu num disse... — falou um velho enquanto acendia um cigarro,

sentado no mesmo banco do bar.

O Igarapés ganhou mais uma história, e os habitantes reforçaram seu respeito

pela lagoa, especialmente em noites de lua como aquela. Se você nunca viu essa

lua na lagoa... Seja feliz. Se quiser ver, procure o velho no bar. Afinal, há

mistérios que é melhor não desafiar.

sexta-feira, 7 de março de 2025

Contos do Igarapés - Apresentação

 


T
udo na vida tem uma explicação, menos o inexplicável. A vida é assim, ainda que não possamos entender alguns fatos ou causos legítimos, insistimos em acreditar que eles nunca aconteceram, mesmo sabendo que muito provavelmente são verdades.

Aos amigos do Igarapés e demais amigos, que receberão nas próximas 13 sextas-feiras, contos retratando um pouquinho de mistério e coisa sinistras, que podem ter acontecido ou que acontecerá, no Igarapés.



Bem-vindo ao bairro Igarapés

Assim era e será: narrativas do medo.

 

Igarapés é um lugar sinistro. Na verdade, os eventos não ocorrem apenas no bairro; como uma maldição, os mistérios perseguem pelo mundo aqueles que aqui nasceram ou moraram. Se você já morou aqui, sabe disso.

 

Talvez você duvide de cada palavra que estou prestes a escrever. Afinal, a ficção moderna frequentemente ultrapassa os limites do crível, tornando tudo mais estranho e inacreditável. Há muito que ainda não compreendemos. O que desconhecemos, rotulamos como mistério; aquilo em que não acreditamos, descartamos como fantasia. Já ouvi inúmeros relatos: devotos religiosos narrando experiências sobrenaturais; trabalhadores noturnos em locais isolados compartilhando encontros macabros; profissionais de necrotérios, cemitérios e institutos médico-legais jurando que suas vivências sobrenaturais ao lado de cadáveres são a mais pura verdade.

Certamente, você já se deparou com histórias assim, seja ouvindo, lendo ou até vivenciando. E é provável que me considere insano, desprovido de razão. Mas, meu amigo, asseguro-lhe: nunca estive tão lúcido.

Desde os recônditos vales de Minas Gerais, onde ecos de eventos absurdos persistem, até os solitários campos das chapadas, repletos de narrativas sobre o sobrenatural e a bruxaria, há uma infinidade de relatos aterrorizantes. Alguns de vocês já ouviram sussurros que arrepiam a espinha, histórias que perturbam os sentidos e abalam as emoções, seja na sua rua, no bairro ou na vila próxima.

Quando criança, lembro-me de minha família, originária das profundezas de Minas Gerais, reunida ao redor de um fogão a lenha, no rígido inverno, trocavam causos enquanto bebericavam uma cachaça branquinha. Em suas conversas, emergiam histórias sombrias, ocultas, que me inquietavam profundamente pela falta de explicação. Algumas dessas narrativas permanecem vívidas em minha mente até hoje, enraizadas na minha alma, prontas para ressurgir sempre que sinto algo estranho ao meu redor.

Não afirmo que temo essas histórias. Muitas eram desprovidas de sentido e careciam de elementos horripilantes. No entanto, outras que posteriormente vi, ouvi e experimentei neste canto do mundo fizeram-me refletir sobre o que aqueles velhos parentes devem ter testemunhado em suas vidas.

O bairro de Igarapés é como qualquer periferia de uma cidade média. Situado no limiar da zona rural, é um lugar esquecido por políticos e, talvez, por Deus. Aqui, ocorreram eventos nefastos: mortes violentas, desaparecimentos inexplicáveis e situações estranhas que desafiam a realidade climática da região. Relatos que, mesmo parecendo exagerados ou fictícios, aconteceram de maneira tão surreal que beiram a loucura ou a fantasia. Deixo a você a decisão sobre o que acreditar.

Naturalmente, contarei tudo através de personagens fictícios, afinal, alguns dos envolvidos já não estão entre nós... ou assim pensei. Sempre acreditei que, ao partirem, nos deixavam para criar nossas próprias histórias e registrar suas experiências. Hoje, sei que não é bem assim. Sim, é isso mesmo: alguns moradores de Igarapés juram ter visto pessoas que há muito foram enterradas, carregadas em caixões para suas covas ou jazigos. Alguns afirmam que eles retornaram. Se é verdade ou mentira, não sei.

Sou um autor de histórias juvenis, sempre criando contos para entreter. Até que, numa noite, voltando para casa após o trabalho, notei uma névoa fria descendo rapidamente, cobrindo o final da minha rua. Aquela cortina semelhante a fumaça avançava em minha direção justamente quando cheguei ao meu portão. Senti um calafrio diante daquele avanço rápido que logo me envolveria, enquanto tentava, com mãos trêmulas, inserir a chave na fechadura. Vindo de outras paragens, terras não muito distantes, de uma cidade próxima à capital, estabeleci-me neste bairro isolado e nunca havia presenciado algo assim. Quando finalmente ouvi o clique da fechadura, uma mão gélida repousou pesadamente em meu ombro, e uma voz rouca sussurrou ao meu ouvido: "Boa noite, escritor. Estranha essa névoa, não é?"

Virei-me imediatamente e não havia ninguém. Nesse instante, a névoa me envolveu e começou a se dissipar. Voltei-me novamente para o portão e ouvi a mesma voz, agora distante, dizendo: "Conte nossa história, meu amigo." A voz emergia do meio da escuridão e da névoa que se desvanecia rapidamente.

Hoje, após anos como morador de Igarapés, posso afirmar com convicção: o que está escrito aqui pode não ser semelhante ao que você já ouviu ou viveu, mas, se conhece este lugar, acreditará em mim. Portanto, se reside por aqui, certifique-se de que sua porta está bem trancada à noite. Antes de apagar as luzes, coloque um copo de água pura sobre a geladeira e mantenha uma vela à mão. Um terço ou rosário na mesinha ao lado da cama também pode ser útil. Agora, se decidir realmente ler estes contos, que Deus lhe proteja.

Sexta-feira é um dia ideal para leitura. Você pode relaxar da semana pesada, portanto serão 13 sextas-feiras que receberá essas histórias, sendo a última uma sexta feira13 e lembre-se foi alguém quem pediu para escrever e te enviar. Melhor ler... Boa leitura.