A noite na lagoa
N aquela noite o bar da lagoa estava com seu público habitual, dois
companheiros tomavam sua cachaça tranquilo proseando, no balcão o
proprietário passava um pano amarelado no balcão e num canto afastado estava
um velho com um desgastado chapéu na cabeça e um cigarro de palha, já no
seu final.
A entrada de um forasteiro chamou a atenção.
Entrou cumprimentando os presentes e encostou no balcão pedindo uma
cachaça.
— Ouvi dizer que a lagoa aqui do bairro tem traíras boas. — comentou o
desconhecido, com um sorriso confiante. — Estou pensando em pegar algumas
nesta noite.
Os frequentadores do bar se entreolharam, e o ambiente, antes tranquilo,
ficou subitamente tenso. Seu Antônio, o senhor de cabelos grisalhos sentado no
canto, sem olhar na direção do forasteiro e ainda ajeitando seu cigarro,
comentou:
— Moço, não é aconselhável pescar na lagoa durante a noite,
especialmente em noites como esta. — disse ele, apontando para a lua que
brilhava entre nuvens estranhas. — Com essa lua há coisas que a gente não
entende acontece por lá.
O visitante o procurou com os olhos, tomou sua cachaça em um gole só e
soltou uma risada discreta.
— Você está tentando me assustar com suas histórias meu bom velho?
— Não é brincadeira, rapaz. Muitos já desapareceram naquela lagoa em
noites como esta. Dizem que a água chama...
Ignorando os avisos, o forasteiro pagou sua bebida e se levantou.
— Agradeço a preocupação velho, mas não acredito nessas superstições.
Vou pescar assim mesmo.
Com sua vara de pesca e uma lanterna, ele seguiu em direção à lagoa e o
velho completou:
— Melhor avisar a polícia. — Disse ao dono do bar — Esse num “vorta”
mais.
A noite estava clara, iluminada pela lua que lançava um brilho prateado
sobre a superfície da água. O ambiente era silencioso, exceto pelo som ocasional
de sapos e grilos.
Instalado na margem, o homem lançou sua linha, acendeu um cigarro e
aguardou. O tempo passava lentamente, e ele começou a sentir uma inquietação
crescente. De repente, pequenas ondulações surgiram na água, seguidas por
bolhas que pareciam vir do fundo da lagoa.
Uma voz suave e hipnótica ecoou em sua mente:
— Entre na água...
Ele olhou ao redor, procurando a origem da voz, mas não viu ninguém.
Seu coração acelerou, e ele tentou ignorar o chamado, concentrando-se na
pesca. Ele estava só.
— Entre na água... — a voz repetiu, mais insistente.
Uma luta interna começou. Ele sabia que não havia ninguém ali, mas a
voz era irresistível. Suas mãos tremiam, e o suor escorria por sua testa.
— Não... — murmurou para si mesmo, tentando resistir.
Mas a voz continuava, sedutora e autoritária. Seus pés começaram a se
mover, como se tivessem vontade própria. Ele cravou os calcanhares no chão,
tentando se deter, mas uma força invisível o puxava em direção à água.
Marcas profundas foram deixadas no solo enquanto ele era arrastado, suas
unhas rasgando a terra em uma tentativa desesperada de se segurar. Seus gritos
de pavor ecoaram na noite, mas ninguém estava por perto para ouvi-los.
Ao entrar na água, a sensação gelada o envolveu, e a voz em sua mente
tornou-se ensurdecedora. Seus olhos se arregalaram de terror enquanto era
submerso, a escuridão da lagoa o engolindo completamente.
Na manhã seguinte, os moradores encontraram apenas os pertences do
forasteiro na margem da lagoa. Nenhum sinal dele foi encontrado, e as marcas
no chão contavam uma história de luta e desespero.
Quando a história se espalhou, ouviu-se uma voz não muito distante da
lagoa.
— Eu num disse... — falou um velho enquanto acendia um cigarro,
sentado no mesmo banco do bar.
O Igarapés ganhou mais uma história, e os habitantes reforçaram seu respeito
pela lagoa, especialmente em noites de lua como aquela. Se você nunca viu essa
lua na lagoa... Seja feliz. Se quiser ver, procure o velho no bar. Afinal, há
mistérios que é melhor não desafiar.
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