Carona no Uber
Tinha Após uma
longa noite ao volante, eu retornava para casa, exausto. Ao fazer a penúltima
curva, o cansaço pesava sobre mim. Cruzei o viaduto que atravessa a Rodovia
Dutra e adentrei a antiga pista D. Pedro I. Apenas mais uma curva e estaria no
meu bairro. A vida de motorista de Uber noturno estava me consumindo, mas o
dinheiro era necessário para sobreviver.
Concluí a curva e fui envolvido por uma
escuridão absoluta. No para-brisa, minúsculas gotas de uma garoa fina começavam
a se acumular.
— Não acredito! Outra vez sem energia.
— murmurei, frustrado. Chegar em casa cansado, sob uma garoa persistente, e não
poder tomar um banho revigorante era desanimador.
Reduzi a velocidade, lamentando minha
sorte. Logo na entrada, havia uma lombada, e pessoas poderiam estar
atravessando a rodovia para pegar o ônibus. No primeiro ponto à direita,
avistei um senhor e uma criança sentados no banco. Reconheci o idoso como um
vizinho da minha rua. Decidi oferecer-lhes uma carona.
— Boa noite! Moramos na mesma rua, e
nesta escuridão, não é seguro esperar pelo ônibus. Aceitam uma carona?
O homem assentiu silenciosamente e,
juntos, eles se aproximaram do carro. A menina, com um capuz cobrindo o rosto,
movia-se com dificuldade. Presumi que usava o capuz para se proteger da garoa
incessante. O senhor abriu a porta traseira e ajudou a menina a entrar antes de
se acomodar no banco do passageiro. Estendi a mão e me apresentei.
Ele disse se chamar Geraldo e mencionou
que havia buscado a neta para passar o dia em sua casa. Costumava caminhar pelo
acostamento da rodovia, mas, devido à escuridão, optou por esperar por uma
carona ou pelo ônibus, o que viesse primeiro.
Olhei pelo retrovisor e vi a menina com
a cabeça baixa, observando as mãos no colo.
— Fez bem, seu Geraldo. Embora seja
perto, esse trecho da rodovia é perigoso, especialmente nesta escuridão.
Ele apenas assentiu, sem dizer mais
nada, voltando-se para verificar a neta no banco traseiro.
Perguntei há quanto tempo estavam no
ponto, já que passava das 22 horas, e ele respondeu que não sabia ao certo.
Disse que eu era a terceira carona que tentava conseguir, mas não havia
conseguido seguir para casa.
Não compreendi bem o que ele quis
dizer, mas comentei que agora chegariam em casa.
Aproximando-me da entrada do bairro,
observei:
— Com esta escuridão, preciso estar
atento para virar à esquerda aqui. Os motoristas à frente podem ver meus
faróis, mas, como o carro é preto e as lanternas traseiras são discretas,
sempre há o risco de um apressado desatento nos atingir.
Virei o rosto para a direita, colocando
o braço esquerdo para fora da janela, observando a rodovia para garantir que
não havia veículos se aproximando, e então ouvi o senhor Geraldo dizer:
— Nós sabemos disso, não é, querida?
Cruzei a rodovia com cautela e sorri,
aliviado.
— Pronto, agora é mais tranquilo. Logo
estaremos em casa.
Sorrindo, virei-me para o lado do
passageiro e levei um susto.
— Seu Geraldo? Onde está o senhor?
O banco do passageiro estava vazio.
Bati com a mão no assento e forcei a
porta; ela estava trancada. Lembrei-me da menina no banco de trás e, ao me
virar, vi os dois sentados lado a lado. Nesse momento, um carro passou na
direção oposta, e a luz dos faróis iluminou-os claramente. A menina tinha o
rosto desfigurado, a blusa encharcada de sangue, e o velho apresentava metade
do rosto esmagado. Frei o carro abruptamente, temendo colidir com algo, e,
nesse movimento brusco, acionei a buzina. Olhei novamente para trás, mas o
banco estava vazio.
Meu coração disparou. Encostei o carro
próximo ao mercadinho da lagoa e saí, ofegante. Fiquei alguns minutos
observando o veículo da calçada, tentando enxergar algo na escuridão.
Lembrei-me da lanterna no porta-malas e, lentamente, aproximei-me novamente do
carro. Abri o compartimento e peguei a lanterna. Primeiro, iluminei o banco do
passageiro, que continuava vazio; então, lentamente, direcionei o feixe de luz
para o banco traseiro. Também vazio.
Abri a porta traseira com cautela e
examinei o interior: nada. Quando estava prestes a fechar a porta, meu celular
tocou estridentemente no painel. O susto fez com que eu deixasse a lanterna
cair sob o carro.
Peguei o celular, evitando olhar para o
banco traseiro, e atendi, ainda do lado de fora.
— Querido, onde você está? Está
demorando. O bairro está às escuras. Tenha cuidado.
Gaguejando, respondi:
— Estou chegando. Perto do mercadinho
da lagoa.
Desliguei, entrei no carro e dirigi
apressadamente.
Meus
olhos evitavam o retrovisor, temendo o que poderia ver.
Minha garagem possuía luz de
emergência, instalada após o último apagão. Abri o portão, estacionei e saí
rapidamente, entrando em casa.
Minha esposa me recebeu com uma
lanterna, abraçando-me:
— Graças a Deus você chegou bem. Houve
um acidente horrível na entrada do bairro. Fiquei preocupada.
— Acidente?
— Sim, um morador da nossa rua foi
atropelado com sua netinha quando a trazia para casa para passar o final de
semana com a vó. Pobre senhora, ficou esperando no protão e eles nunca
chegaram.
— Não chegaram mesmo. — disse eu
enquanto minha esposa chorava sentidamente ao meu ombro.
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