sexta-feira, 28 de março de 2025

Sexta-feira 28/03 - Carona no Uber


Carona no Uber

 

Tinha Após uma longa noite ao volante, eu retornava para casa, exausto. Ao fazer a penúltima curva, o cansaço pesava sobre mim. Cruzei o viaduto que atravessa a Rodovia Dutra e adentrei a antiga pista D. Pedro I. Apenas mais uma curva e estaria no meu bairro. A vida de motorista de Uber noturno estava me consumindo, mas o dinheiro era necessário para sobreviver.

Concluí a curva e fui envolvido por uma escuridão absoluta. No para-brisa, minúsculas gotas de uma garoa fina começavam a se acumular.

 

— Não acredito! Outra vez sem energia. — murmurei, frustrado. Chegar em casa cansado, sob uma garoa persistente, e não poder tomar um banho revigorante era desanimador.

 

Reduzi a velocidade, lamentando minha sorte. Logo na entrada, havia uma lombada, e pessoas poderiam estar atravessando a rodovia para pegar o ônibus. No primeiro ponto à direita, avistei um senhor e uma criança sentados no banco. Reconheci o idoso como um vizinho da minha rua. Decidi oferecer-lhes uma carona.

 

— Boa noite! Moramos na mesma rua, e nesta escuridão, não é seguro esperar pelo ônibus. Aceitam uma carona?

 

O homem assentiu silenciosamente e, juntos, eles se aproximaram do carro. A menina, com um capuz cobrindo o rosto, movia-se com dificuldade. Presumi que usava o capuz para se proteger da garoa incessante. O senhor abriu a porta traseira e ajudou a menina a entrar antes de se acomodar no banco do passageiro. Estendi a mão e me apresentei.

Ele disse se chamar Geraldo e mencionou que havia buscado a neta para passar o dia em sua casa. Costumava caminhar pelo acostamento da rodovia, mas, devido à escuridão, optou por esperar por uma carona ou pelo ônibus, o que viesse primeiro.

Olhei pelo retrovisor e vi a menina com a cabeça baixa, observando as mãos no colo.

 

— Fez bem, seu Geraldo. Embora seja perto, esse trecho da rodovia é perigoso, especialmente nesta escuridão.

 

Ele apenas assentiu, sem dizer mais nada, voltando-se para verificar a neta no banco traseiro.

Perguntei há quanto tempo estavam no ponto, já que passava das 22 horas, e ele respondeu que não sabia ao certo. Disse que eu era a terceira carona que tentava conseguir, mas não havia conseguido seguir para casa.

Não compreendi bem o que ele quis dizer, mas comentei que agora chegariam em casa.

Aproximando-me da entrada do bairro, observei:

 

— Com esta escuridão, preciso estar atento para virar à esquerda aqui. Os motoristas à frente podem ver meus faróis, mas, como o carro é preto e as lanternas traseiras são discretas, sempre há o risco de um apressado desatento nos atingir.

 

Virei o rosto para a direita, colocando o braço esquerdo para fora da janela, observando a rodovia para garantir que não havia veículos se aproximando, e então ouvi o senhor Geraldo dizer:

 

— Nós sabemos disso, não é, querida?

Cruzei a rodovia com cautela e sorri, aliviado.

— Pronto, agora é mais tranquilo. Logo estaremos em casa.

 

Sorrindo, virei-me para o lado do passageiro e levei um susto.

 

— Seu Geraldo? Onde está o senhor?

 

O banco do passageiro estava vazio.

Bati com a mão no assento e forcei a porta; ela estava trancada. Lembrei-me da menina no banco de trás e, ao me virar, vi os dois sentados lado a lado. Nesse momento, um carro passou na direção oposta, e a luz dos faróis iluminou-os claramente. A menina tinha o rosto desfigurado, a blusa encharcada de sangue, e o velho apresentava metade do rosto esmagado. Frei o carro abruptamente, temendo colidir com algo, e, nesse movimento brusco, acionei a buzina. Olhei novamente para trás, mas o banco estava vazio.

Meu coração disparou. Encostei o carro próximo ao mercadinho da lagoa e saí, ofegante. Fiquei alguns minutos observando o veículo da calçada, tentando enxergar algo na escuridão. Lembrei-me da lanterna no porta-malas e, lentamente, aproximei-me novamente do carro. Abri o compartimento e peguei a lanterna. Primeiro, iluminei o banco do passageiro, que continuava vazio; então, lentamente, direcionei o feixe de luz para o banco traseiro. Também vazio.

Abri a porta traseira com cautela e examinei o interior: nada. Quando estava prestes a fechar a porta, meu celular tocou estridentemente no painel. O susto fez com que eu deixasse a lanterna cair sob o carro.

Peguei o celular, evitando olhar para o banco traseiro, e atendi, ainda do lado de fora.

— Querido, onde você está? Está demorando. O bairro está às escuras. Tenha cuidado.

 

Gaguejando, respondi:

 

— Estou chegando. Perto do mercadinho da lagoa.

 

Desliguei, entrei no carro e dirigi apressadamente.

Meus olhos evitavam o retrovisor, temendo o que poderia ver.

Minha garagem possuía luz de emergência, instalada após o último apagão. Abri o portão, estacionei e saí rapidamente, entrando em casa.

Minha esposa me recebeu com uma lanterna, abraçando-me:

 

— Graças a Deus você chegou bem. Houve um acidente horrível na entrada do bairro. Fiquei preocupada.

— Acidente?

— Sim, um morador da nossa rua foi atropelado com sua netinha quando a trazia para casa para passar o final de semana com a vó. Pobre senhora, ficou esperando no protão e eles nunca chegaram.

— Não chegaram mesmo. — disse eu enquanto minha esposa chorava sentidamente ao meu ombro.


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