sábado, 26 de janeiro de 2013

O Correio Elegante


Sou ciumento... Não muito, mas sou.
Não mexa com minha namorada, senão...
Tinha festa no bairro, na saudosa Vila Guarani em Santo André. Naquele ano, alguns moradores resolveram fazer a festa junina ali, na rua de entrada do bairro.
Era um evento muito esperado por todos, mas para mim, era mais ainda. Sabia que lá encontraria com a menina. Aquela com quem eu sonhava todas as noites... Não... Não escreverei o nome dela, ainda que relutando contra meus dedos tagarelas. 
Ela era irmã de um amigo muito próximo. Sempre que possível, tinha uma desculpa ótima para estar em sua casa, apenas para vê-la. Uma princesa. Até acho que todos sabiam desta paixão mas, na minha cabeça, era um segredo só meu.
Se ela gostava de mim também, nunca soube, mas acho que não. Enfim...
Estava muito ansioso esperando aquele sábado. Juntei uns trocados mas, diferente de todo moleque da época, não era para a pescaria ou pra comer os doces maravilhosos, e sim pra enviar bilhetes no Correio Elegante. Somente a ela.
Correio Elegante funcionava assim: uma menina com trajes típicos e geralmente com a figura de um coração fixada no peito, corria pela festa vendendo bilhetes para que você escrevesse uma declaração de amor ou elogios à outra pessoa. Então, ela entregava ao destinatário sem denunciar o autor. Era anônimo.
Logo a vi, quando chegou a festa. Linda demais com seu vestido rodado e detalhes em amarelo. Na cabeça trazia um laço rosa. Eu estava muito ansioso, com meu copo de vinho quente a mão, claro que escondido de mamãe e do mano véio. Apesar de ser muito fraco na substância que lhe dava o nome, para um garoto fazia efeito. O quentão então nem se diga.
Busquei desesperadamente com os olhos, a garota do Correio Elegante. Quando a localizei, virei o restante do vinho na garganta e fui em sua direção, rapidamente. Com tanta gente pelo caminho, chegou junto comigo, no Correio, outro garoto que já vira por ali, apesar de ser de outro bairro. Estava com mais dois amigos e todos eram maiores que eu. Logo tomou minha frente, pedindo pra que o Correio entregasse um recadinho de amor. Acompanhei seu indicador que mostrava a menina e quase cai. Era para minha amada. O garoto estava mandando um bilhete pra minha amada, vê se pode?
Disfarçadamente me afastei dali e encostei-me a um canto, observando a entrega.
Quando ela abriu o bilhete, sorriu e buscou com os olhos o autor, que todo cheio, comentava com seus colegas e se sentia o tal. Pela primeira vez, achei horrível o sorriso dela.
Percebi que tinha que fazer algo rápido. Pensei  e, imediatamente, saí da rua deixando a festa pra trás. Dei a volta no quarteirão pra ganhar um tempo pra pensar.
Voltando a festa, vi o garoto e fui ao encontro dele, que ainda estava com os amigos. Parei a sua frente e percebi que, realmente, eram bem maiores que eu. Disse firmemente:
- Cara, se manda daqui que o namorado daquela menina, ficou sabendo que você enviou um bilhete pra ela e está reunindo uns moleques pra pegar vocês.
Como era de outro bairro e estavam sozinhos, o “borra botas” e seus amigos acreditaram e desapareceram da festa. Acho que ficaram tão assustados que nunca mais os vi por perto.
Está certo... Não foi legal. Mas consegui gastar todas as minhas economias com bilhetes, declarando-me anonimamente ao meu amor. Cada sorriso que ela soltava, eu caprichava mais nos escritos. Acho que foi daí que surgiu o interesse pela escrita.
Nunca namoramos, até porque jamais me declarei. Sempre a acompanhei com os olhos mas, naquela noite, me senti "O cara".
Cada guerra exige sua farda e sua arma.
Naquela noite, eu só tinha aquela.
Funcionou.

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