Sou ciumento... Não muito, mas
sou.
Não mexa com minha namorada, senão...
Tinha festa no bairro, na saudosa Vila Guarani em Santo André. Naquele
ano, alguns moradores resolveram fazer a festa junina ali, na rua de entrada do
bairro.
Era um evento muito esperado por todos, mas para mim, era mais ainda.
Sabia que lá encontraria com a menina. Aquela com quem eu
sonhava todas as noites... Não... Não escreverei o nome dela, ainda que
relutando contra meus dedos tagarelas.
Ela era irmã de um amigo muito próximo. Sempre que possível, tinha uma
desculpa ótima para estar em sua casa, apenas para vê-la. Uma princesa. Até acho
que todos sabiam desta paixão mas, na minha cabeça, era um segredo só meu.
Se ela gostava de mim também, nunca soube, mas acho que não. Enfim...
Estava muito ansioso esperando aquele sábado. Juntei uns trocados mas,
diferente de todo moleque da época, não era para a pescaria ou pra comer os
doces maravilhosos, e sim pra enviar bilhetes no Correio Elegante. Somente a
ela.
Correio Elegante funcionava assim: uma menina com trajes típicos e
geralmente com a figura de um coração fixada no peito, corria pela festa
vendendo bilhetes para que você escrevesse uma declaração de amor ou elogios à
outra pessoa. Então, ela entregava ao destinatário sem denunciar o autor. Era
anônimo.
Logo a vi, quando chegou a festa. Linda demais com seu vestido rodado e
detalhes em amarelo. Na cabeça trazia um laço rosa. Eu estava muito ansioso,
com meu copo de vinho quente a mão, claro que escondido de mamãe e do mano
véio. Apesar de ser muito fraco na substância que lhe dava o nome, para um
garoto fazia efeito. O quentão então nem se diga.
Busquei desesperadamente com os olhos, a garota do Correio
Elegante. Quando a localizei, virei o restante do vinho na garganta e fui em
sua direção, rapidamente. Com tanta gente pelo caminho, chegou junto comigo, no
Correio, outro garoto que já vira por ali, apesar de ser de outro bairro.
Estava com mais dois amigos e todos eram maiores que eu. Logo tomou minha
frente, pedindo pra que o Correio entregasse um recadinho de amor. Acompanhei
seu indicador que mostrava a menina e quase cai. Era para minha amada. O garoto
estava mandando um bilhete pra minha amada, vê se pode?
Disfarçadamente me afastei dali e encostei-me a um canto, observando a
entrega.
Quando ela abriu o bilhete, sorriu e buscou com os olhos o autor, que
todo cheio, comentava com seus colegas e se sentia o tal. Pela primeira vez,
achei horrível o sorriso dela.
Percebi que tinha que fazer algo rápido. Pensei e, imediatamente,
saí da rua deixando a festa pra trás. Dei a volta no quarteirão pra ganhar um
tempo pra pensar.
Voltando a festa, vi o garoto e fui ao encontro dele, que ainda
estava com os amigos. Parei a sua frente e percebi que, realmente, eram bem
maiores que eu. Disse firmemente:
- Cara, se manda daqui que o namorado daquela menina, ficou sabendo que
você enviou um bilhete pra ela e está reunindo uns moleques pra pegar vocês.
Como era de outro bairro e estavam sozinhos, o “borra botas” e
seus amigos acreditaram e desapareceram da festa. Acho que ficaram tão
assustados que nunca mais os vi por perto.
Está certo... Não foi legal. Mas consegui gastar todas as minhas
economias com bilhetes, declarando-me anonimamente ao meu amor. Cada sorriso
que ela soltava, eu caprichava mais nos escritos. Acho que foi daí que surgiu o
interesse pela escrita.
Nunca namoramos, até porque jamais me declarei. Sempre a acompanhei com
os olhos mas, naquela noite, me senti "O cara".
Cada guerra exige sua farda e sua arma.
Naquela noite, eu só tinha aquela.
Funcionou.
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