
Dia das Bruxas...
Vai vendo.
Saio de casa
às seis e vinte. Pego o ônibus na porta de casa, enquanto o Twoo uiva, com as
patinhas sobre o portão, inconformado ao me ver saindo e iniciando mais uma
maratona.
Vinte minutos depois, já estou chegando na rodoviária de
Caçapava, pronto pra pegar o segundo ônibus — agora rumo a São José dos Campos.
Antes, compro uma água e minhas saborosas batatinhas de salsa e cebola.
— Plu favô, não tem tlocado, moço?
Não tive como não sorrir para o atendente de procedência
coreana — seja pelo sotaque engraçado ou pelo atendimento atencioso. Mas,
infelizmente, como eu realmente não tinha “tlocado”, acredito que a palavra que
ele murmurou ao virar as costas para buscar o troco não tenha uma tradução
assim tão... cortês.
Mais alguns minutos e lá vou eu, rumo a São José dos Campos.
Antes de chegarmos à rodoviária, algumas pessoas descem pelo
caminho. Duas senhoras, prestes a descer, comentam com o motorista:
— Seu motorista, a empresa não devia permitir que as pessoas
fiquem assim de agarra-agarra dentro do ônibus, ainda mais mulher com mulher e
homem com homem. Isso é falta de respeito com a gente! Deviam colocar uma placa
proibindo isso. Se quiserem, que vão pra um motel!
Enquanto a senhora indignada descia, fiquei imaginando como
seria essa tal placa...
“Proibido agarramento entre pessoas do mesmo sexo”
ou
“É vedado a indivíduos do mesmo sexo trocarem beijos, apertos e outros”...
Complicado isso.
Mas como homem também é um bicho curioso, fiquei observando
todos que desceram na rodoviária, tentando detectar quem causara tanta revolta.
Só vi senhores e senhoras da terceira idade... Será?
As coisas andam mesmo sem freio.
Sempre que chego à rodoviária de São José dos Campos procuro
meu amigo Willian, mas como nunca o encontro, sigo direto em direção a Jacareí
— o terceiro ônibus do dia. São mais trinta e cinco minutos pela via Dutra.
Ainda bem que sempre trago um livro.
As horas? Quase nove. Já rodando há quase três horas.
Chego a Jacacity e vou direto ver o primeiro filhote, numa
loja de ferragens. Incrível como cresceu. É por isso que a gente envelhece —
eles têm pressa de crescer, e nós é que ficamos velhos.
Ele pede uma saída e vamos tomar o café da manhã juntos.
Bolinho de bacalhau e refrigerante. Talvez até encontrasse meu velhinho
predileto por ali, mas dessa vez não deu certo.
— A conta é dele. O pai paga!
É... certas coisas não mudam mesmo.
Pego mais um ônibus — o quarto do dia — até a casa das
filhotas...
Enfim, depois de quatro ônibus e três horas e trinta
minutos, cheguei.
O velhinho está por ali, próximo ao portão da casa. Sempre
nos esbarramos no mercadão também. Pessoa incrível.
A caçula sempre está acordada.
— Pai, põe crédito no meu celular?
Sempre muito acordada.
Já a gêmea, dormindo feito uma princesa. E não é o sapo aqui
que vai acordá-la. Aliás, faz um belo casal com seu irmão gêmeo. Dois
dorminhocos. Ele também está dormindo.
Qualquer sacrifício vale a pena para comer a deliciosa
macarronada da Tatá, tomar um bom vinho com meu velhinho e curtir meus
filhotinhos.
Pena que depois vem a maratona da volta…
E, na velha mochila, levo também as saudades desses filhotes maravilhosos.
Mas logo volto.
Meu cocholo,
como diz o Jackie, se machucou.
Mas também… o Twoo faz coisas que não dá pra acreditar.
Se enfia em cada lugar, sem contar os estragos que causa.
Camisas arrastadas pelo quintal, óculos pegos do sofá quando virei as costas
por um segundo, a destruição do rodo, da vassoura, da pazinha, cestos de lixo,
esponjas… e por aí vai.
Algumas coisas até consegui salvar: meias e toalhas que
estavam no varal, quando o flagrei com a boca cheia.
O cara de pau soltou devagar, abaixou a cabeça, arrastando o focinho perto do
chão e saiu de fininho…
Como se nada tivesse acontecido. Como se eu não tivesse visto!
E o susto que levei ao abrir a torneira do tanque e ver a
água vazar direto nos meus pés?
Pois é. Ele destruiu os canos que levavam a água pro esgoto.
Maledito cocholo… Bem...
Quando cheguei em casa e mexi no cadeado do portão, nada
aconteceu.
Estranhei.
Bati o cadeado, fazendo barulho, e... nada.
Cadê meu cocholo?
Chamei por seu nome, e o vi esticando a cabecinha pela
mureta da varanda.
Realmente, algo estava errado.
Fechei o portão e fui até meu amiguinho.
Estava com a patinha dianteira direita levantada. Pobrezinho...
Guardei tudo e fui ver o que havia acontecido.
Não encontrei ferimento.
Com certeza enfiou a pata em algum lugar e se machucou tentando tirar.
Cuidei dele. Enfaixei a patinha, deixei água e ração perto e
fui tentar entender o que tinha acontecido.
Nenhuma evidência. O quintal em ordem, nada destruído, nada espalhado. Tudo em
seu lugar.
Vai ver foi mesmo no portão.
Sei bem do que ele — e outros bichos — são capazes…
Queria até postar uma foto dele aqui, com a patinha
enfaixada.
Mas adivinha?
Ele destruiu o cabo de conexão do meu celular.
Urgh!
Vê se pode!
A noite estava bem escura naquele dia. Não havia lua. Devia ser por volta de uma da manhã quando eu regressava pra casa. O dia tinha sido difícil e terminava ali, comigo voltando da faculdade.
Um vento forte e gelado soprava quando desci do ônibus. Junto comigo, apenas mais três pessoas desceram.
Não era comum o ônibus estar tão vazio naquele horário. É verdade que estávamos uns 45 minutos atrasados por causa de um acidente no centro. Levaram pelo menos meia hora pra liberar a rua e nos deixarem passar.
No caminho até o bairro afastado onde moro, passamos pelo cemitério municipal. Foi ali que vi, encostado no muro, um homem de terno e chapéu brancos. Como sempre estou lendo no ônibus, só o percebi de relance e voltei à leitura.
O trajeto até o bairro lembra uma serra, com iluminação parcial — visibilidade quase nula. Escuridão por todo lado. Mas enfim, chegamos.
Desci e me pus a caminhar depressa. São quatro quadras da praça até minha casa. Mal comecei a andar naquela rua deserta, senti uma presença.
Parei.
Virei-me.
Do outro lado da praça, lá estava ele: o homem de terno branco. Caminhava devagar, atravessando a rua, vindo na minha direção.
Lembrei imediatamente de tê-lo visto em frente ao cemitério. Seria o mesmo?
Não esperei confirmação. Acelerei os passos.
Não olhei mais pra trás. Enquanto caminhava, tentei ouvir qualquer som naquela madrugada silenciosa.
Foi então que, ao chegar à segunda quadra, algo estranho aconteceu.
A luz do poste, logo na primeira casa, apagou-se subitamente.
Assustei-me.
Parei.
Olhei para a luminária escura. E continuei, agora mais rápido.
Venci a segunda quadra o mais rápido que pude.
Na terceira, a mesma coisa: a luz também se apagou.
Parei outra vez. Lentamente, virei-me para trás.
Ninguém.
Mas aí, me veio à mente aquelas cenas de filme, quando o cara vira de novo pra frente e... BU!
Meu coração acelerou. Virei bruscamente, já esperando o susto.
Nada.
Correr não é bem minha especialidade... mas acho que comecei a flutuar.
Já perto de casa, com apenas três casas faltando, enfiei a mão no bolso pra pegar as chaves.
As encontrei, mas ao puxá-las... caíram no chão.
Sem iluminação, levei preciosos segundos pra achá-las. E com a sensação de que alguém podia se aproveitar daquele momento, mal recuperei as chaves e segui adiante, sem olhar pra trás, com a certeza de que os passos que vinham distantes estavam agora perigosamente perto.
Cheguei.
Enfiei a chave no cadeado do portão. Foi quando BUM! — uma pancada forte me fez quase ter um enfarte.
Era o Twoo.
Como sempre, me recepcionando com aquele entusiasmo canino.
Provavelmente minha mãe, ao alimentá-lo, esqueceu-se de acender as luzes. Tudo estava escuro.
Abri o portão o mais rápido que pude e entrei. Enfim em casa. São e salvo.
Então você me pergunta...
E o homem de branco?
Bem...
Sei lá. Talvez tenha sido só coincidência.
Claro...
Pra quem acredita em coincidências.
Eu?
Eu não.
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Era perto de duas da tarde. O peso das
últimas horas já me esmagava e já não aguentava mais.
Fui
até meu quarto e peguei a latinha de leite que guardava no fundo do armário. Lá
dentro, tudo o que eu tinha: um real e cinquenta em moedas e quinze bolinhas de
gude. Joguei tudo no bolso, coloquei um agasalho e saí de casa. Decidido. Não
ia mais voltar.
Não
vou falar o porquê disso, acho que não tem mais importância, apenas que eu
precisava fazê-lo.
Antes
de passar pelo portão, parei para acariciar Zero. Ele abanava o rabo, alheio ao
peso da despedida. Zero entrou na minha vida quando fiz sete anos, presente do
tio Antônio. retinho, com focinho e patas brancas, parecia feito para mim. Tio
Antônio dizia que sabia disso desde o dia em que o viu. E Zero parecia saber
também. Assim que saiu do colo do meu tio, correu para mim sem hesitar.
Adotei
o nome que meu pai usava quando brigava com ele: Zero. Ele dizia:
"Esse
cachorro não vale nada", ele dizia. "Zero em higiene, zero em
comportamento, só suja a casa, come chinelo e late o tempo todo." Apesar
do tom, o nome pegou e assim ficou.
Bem,
triste deixei Zero para trás. Fechei o portão e acho que foi pela primeira vez.
Minha mãe sempre gritava para eu fechar o portão quando saía. Mas, como sempre,
era tarde, eu já estava longe demais para voltar. Para dizer a verdade, eu até
ouvia, mas nunca voltava para fechar. E agora também era.
Estava
magoado. Meus pais exigiam muito de mim e nada do meu irmão mais novo, Luizinho.
Até meus brinquedos favoritos foram passados para ele. E ele? Quebrou tudo. Não
era só isso. Era uma gota num copo já cheio. Mas prefiro não entrar nesses
detalhes.
Lá
estava eu caminhando pelas ruas do bairro, com a cabeça cheia de planos para
sumir pelo mundo. Passei pelo bar do Tomé, pelo açougue do Lucas e vi os
meninos se reunindo no campinho para jogar contra o time da rua de cima. Não
resisti. Por mais que eu quisesse fugir, uma disputa dessas era sagrada.
Sabia
que o time teria dificuldades sem mim. Tirei minha blusa e deixei minhas
bolinhas de gude ao pé da trave aos cuidados do Frangão, nosso goleiro. Ele não
ganhara o apelido por tomar gols, mas por ser magro e com o pescoço comprido,
como os frangos dependurados no açougue do Lucas.
Já
eu era o homem do meio-campo, desarmando os adversários e armando nossas
jogadas. Às vezes, até fazia um gol. Antes disso, jogava na zaga e ganhei o
apelido de Bodinho. Diziam que eu partia para cima com a cabeça baixa, como um
bode, e acertava a bola — ou o adversário.
Mas
depois de causar alguns pênaltis, fui escalado no meio-campo e nunca mais saí
dali. Descobri o meu lugar.
O
jogo foi emocionante. Eles marcavam, nós empatávamos. No fim, viramos o placar
e vencemos. A comemoração foi calorosa, cheia de abraços e provocações aos
rivais. Já estava saindo do campo quando Frangão me chamou para pegar minhas
bolinhas. E aí me lembrei: eu estava fugindo. Mudei de direção, voltando ao meu
plano.
Já
estava a uma boa distância do campo, quando Galo Seco me chamou aos berros.
Galo Seco era irmão do Frangão e tinha esse apelido por ter sido pego com a
boca na botija, atirando pedra de bodoque no galo do seu Gervásio. Dizem que o
velho Gervásio o agarrou pelo calção e ele saiu correndo fazendo poeira, mas
sem sair do lugar. Parecia estar naquela máquina estranha que o povo da cidade
compra para correr em cima. Coisa besta.
Voltei
correndo até ele. Estava animado e me convidou para ir ganhar mais bolinhas dos
moleques da rua de cima. Como já tínhamos dado uma surra neles no campinho,
podíamos fazer barba e cabelo, ganhando tudo.
Bem,
como já contei, meu fraco eram aquelas bolinhas. Não pensei duas vezes. Poderia
fugir depois e com certeza com muito mais bolinhas no bolso.
Da
nossa rua era eu, Galo Seco e Guto.
Enfrentamos
dois magrelos e um garoto dentuço, o Martelo. Nunca tinha visto o tal Martelo
antes, mas não hesitamos. Depois de um tempo, os três saíram sem nada —
limpamos os bolsos deles. Esses moleques da rua de cima são uns perdedores.
Bem,
tinha que continuar minha fuga. Voltamos ao campinho vitoriosos, dividindo o
"prêmio".
Quando
chegamos lá, ainda tinha muitos moleques soltando pipas e jogando bola.
Contamos para eles sobre nossa vitória, mostramos as bolinhas que ganhamos e
ficamos por ali, vendo as disputas de pipas.
Enquanto
contávamos aos outros, uma pipa vermelha e branca surgiu no céu. Jacson estava
na disputa, e todos se reuniram ao redor para torcer. Ali, todo mundo era
entendido em pipas e enchiam Jacson de orientações e palpites.
-
Solta a linha! Vai para cima! Agora, agora... Não o deixe ficar por cima...
Para a direita! Para a esquerda! Cuidado com a rabiola dele...
E
não é que Jacson conseguiu cortar?
Quando
cortou a linha da outra pipa a correria começou. A pipa planava pelo vento,
indo longe. Eu, o mais rápido, disparei. Ela caiu no pomar do seu Jeremias.
Pulei a cerca e, com um salto certeiro, peguei a linha.
Enrolei-a
rapidamente na mão, até que a pipa veio em minha direção e a peguei.
Todo
feliz, saí orgulhoso do pomar do seu Jeremias com a pipa nas mãos. Os moleques
me cercaram para vê-la. Realmente era uma pipa muito bonita e agora era minha. Meu
troféu
De
volta ao campinho, mostrei a pipa aos meninos, mas o dia estava terminando. As
mães começaram a chamar, e cada um foi para sua casa. Eu também. Realmente, já
estava terminando a tarde. O dia passará rápido demais.
O
dia foi lucrativo demais, ganhamos no futebol e limpamos as bolinhas dos caras
da rua de cima e eu ainda peguei aquela bela pipa.
Quando
entrei pelo portão, minha mãe apareceu e disse para eu me lavar. O jantar era
costelinha — minha favorita. Corri para o banheiro. Enquanto tirava as bolinhas
dos bolsos, minhas moedas caíram no chão. Olhei para elas e me lembrei: eu ia
fugir.
Mas
eu estava muito cansado e teria costelinha para o jantar.
Então
pensei...
-
“Ah!” Outro dia eu fujo”.
Só
para saberem, isso aconteceu há vinte e dois anos atrás e nunca larguei de
mamãe, papai, Zero e nem do Luizinho.
Ah!
E claro, muito menos as costelinhas de mamãe.
Isso já
acontecia há algum tempo e, por mais que eu tentasse entender, não conseguia.
Até hoje.
Mais uma vez acordei no meio da madrugada, ouvindo aquele
barulho. Fiquei em silêncio absoluto, tentando identificar a origem. Como
sempre, parecia vir da cozinha. E, como sempre, o medo se espalhava em minha
alma como uma névoa gelada.
A imagem da caixa de facas de churrasco me veio
imediatamente à mente. Estava sobre a mesa, separada para emprestar a alguém.
Era um jogo completo: garfo, pegador, amolador e várias facas, tudo arrumado
numa caixa forrada com veludo azul-escuro.
Tive a nítida impressão de ouvir a dobradiça da tampa, que
rangia toda vez que era aberta. Me amaldiçoei por nunca tê-la lubrificado.
Encolhi-me na cama, puxando o lençol até o pescoço. O medo, que antes apenas me
alertava, agora me paralisava. Eu não conseguia reagir.
Seriam... passos? Passos lentos, quase arrastados, vindos do
corredor? Pareciam atravessar a sala, se aproximando do meu quarto.
Junto deles, um som agudo, como o de giz riscando um quadro
negro. Alguém ou alguma coisa parecia arrastar algo ao longo da parede... ou do
chão. Aquilo gelou minha espinha. Seria uma daquelas facas?
Tentei gritar. Nada. Minha garganta travada, sem ar, sem
som. Só medo.
A porta do corredor — ela estava aberta! Ligava a sala aos
quartos. Por que eu não a fechei?
O ruído agudo estava cada vez mais próximo. Eu precisava
levantar e travá-la com o cabideiro do meu quarto. Mas não conseguia me mover.
Minhas pernas, cobertas pelo edredom, se negavam a obedecer. O medo havia se
instalado nas entranhas.
Dessa vez era diferente. O medo estava mais forte, mais
denso, quase palpável. Comecei a suar.
Lembrei de outra noite, duas da manhã. Um barulho na
cozinha. Silêncio logo em seguida. Ninguém se levantou. No dia seguinte,
ninguém comentou. Será que só eu ouvira?
Agora, porém, os sons eram mais claros: o ranger da
dobradiça, os passos, o arrastar agudo. Alguém mais precisava estar ouvindo
também. Ou estariam todos petrificados como eu?
O barulho cessou.
Tudo ficou em silêncio. Até a rua, sempre ruidosa, emudeceu.
Nenhum carro, nenhuma risada. Nem o mundo ousava se mexer.
Acho que, como eu, ele também parou para ouvir.
Procurando sinais de vida atrás das portas. E eu estava ali. A apenas uma porta
de distância.
Minhas mãos estavam geladas. As pernas, tremendo. Tentei
emitir um som. Nada. A garganta ainda trancada.
Então ouvi. A porta do corredor sendo aberta. Só alguns
passos mais... e estaria diante da minha.
A única coisa que eu podia fazer era trancá-la. Num
esforço tremendo, deslizei o corpo pela cama, tateei os móveis no escuro. A
porta estava entreaberta. Não tive coragem de olhar pela fresta. Apenas
empurrei com cuidado, evitando o menor som. Estava tudo escuro no corredor. Se ele
estivesse ali, não me veria.
Parei. Uma respiração próxima à porta me fez congelar.
Continuei com cuidado. Quando a fechadura encaixou, fez um
pequeno "clique". Barulho demais.
Rapidamente passei o trinco.
Ele ouviu.
O som mudou de direção. Veio direto para minha porta.
Dei dois passos para trás e esbarrei na escrivaninha.
Estático. Olhos fixos na porta. Um ranger suave. Alguém encostado do lado de
fora, ouvindo.
Segurei a respiração.
Então, um novo som: algo riscando a porta.
Meu Deus... uma faca?
Fui até a cama, peguei os braços soltos do cabideiro —
aqueles que sempre caíam e que eu vivia prometendo consertar. Pela primeira
vez, agradeci por não ter cumprido a promessa.
Com os pedaços de madeira nas mãos, eu estava pronto para
enfrentar seja lá o que fosse, mesmo tremendo por inteiro.
O som se afastou.
Seguiu pelo corredor... até o quarto ao lado.
Meu celular tocou.
Droga! Estava carregando... na sala. Claro. Sempre esqueço
de carregar. Justo naquela noite, lembrei.
Com ele, poderia pedir ajuda. Fiquei esperando que alguém
atendesse... e ouvi o som do aparelho sendo atirado ao chão.
Não havia mais dúvidas. Alguém estava ali. E sabia que eu
também estava.
A porta do quarto da minha mãe se abriu.
Conhecia aquele rangido. Era ela. Precisava protegê-la.
Num impulso, atirei o cabideiro ao chão, destravei a porta e
corri...
... e dei de cara com o invasor.
Era tarde demais.
A luz se acendeu.
— Filho, deixou a porta aberta de novo! Olha só a bagunça
que o Twoo fez. Você não alimentou o bichinho, até seu celular ele jogou no
chão!
Voltei a mim.
O barulho era da bandeja de comida sendo arrastada casa
afora. O riscado na porta, apenas uma tentativa de me chamar.
Tudo não passava de mais uma das artes do Twoo. O resto...
foi só meu medo alimentando minha imaginação.