Isso já
acontecia há algum tempo e por mais que eu tentasse entender, não conseguia.
Até hoje.
Novamente
acordei de madrugada, ouvindo aquele barulho e fiquei em silêncio para tentar
identifica-lo. Como sempre, parecia vir da cozinha e o medo que sempre me
acompanhava naquelas noites, encheu minha alma.
Imediatamente
veio em minha mente, a caixa de jogo de facas para churrasco que estava sobre a
mesa, haviam separado para emprestar a alguém. Sua imagem do nada veio a meus
olhos, ela estava sobre a mesa de jantar. Era um jogo enorme, com garfo,
amolador, pegador e várias facas, tudo dentro da caixa forrada com veludo azul
escuro.
Tive a
impressão de ouvir o barulho da dobradiça, que sempre rangia quando se abria
aquela caixa de facas. Arrependi-me novamente, lamentando por nunca ter
lubrificado suas dobradiças. Encolhi-me mais na cama puxando o lençol até o
pescoço.
O medo
que antes apenas me alertava, me deixando em ponto de atenção extrema, agora me
paralisava, tirava minhas reações.
O que
era isso agora? Seriam aqueles barulhos passos, que vinham na direção de meu
quarto? Agora pareciam estarem mais perto, vindo do corredor e atravessando a
sala.
Acompanhava
ele, um ruído agudo, como um riscar de giz em quadro negro. Isso imediatamente
chamou minha atenção. Seja lá o que vinha em minha direção, o estava raspando
algo na parede ou no chão, fazendo um barulho agudo que intercalavam com os
sons dos passos. Seria uma daquelas facas do jogo de churrasco?... Meu Deus!
Estremeci.
Tentei gritar, mas minha voz não saiu. O medo congelara minha garganta, mal
conseguia respirar.
De
repente lembrei-me da porta, ela ligava o corredor que passava pela sala e ia
em direção aos quartos. Ela estava aberta!
O ruído
agudo agora estava bem mais perto. Eu poderia levantar-me e trava-la com o
cabideiro de meu quarto, mas o medo não permitia me mover. Minhas pernas, não
mais me obedeciam.
Sentia
o medo crescendo, agarrado em meu corpo e apertando minhas entranhas. Não era como
das outras vezes, estava mais forte, mais vivo. Comecei a suar, sentindo a
aproximação daquele ruído.
Outro
dia, às duas da manhã, ouvi barulho na cozinha, mas depois de alguns segundos
se fez silêncio. Não me levantei e percebi que ninguém o fez também. Será que
todos ouviram ou apenas eu? Não sei, mas ninguém foi verificar e no outro dia
ninguém comentou nada.
Agora o
barulho nascera novamente na cozinha, o ranger da dobradiça, aqueles passos se
movimentando lentamente pelo corredor e ainda aquele ruído agudo pela casa,
impossível ninguém escutá-los. Estariam todos com medo e petrificados como eu?
Eu
tinha que fazer algo antes que, seja lá o que for, chegasse à porta do
corredor. Como o meu quarto era o primeiro pela ordem, pode ser que ninguém
realmente tenha escutado todos aqueles ruídos.
Espera.
Os passos pararam.
Já não
escutava nenhum barulho, nem naquela rua ruidosa, que sempre tinha carro
passando ou mesmo pessoas caminhando, dando risadas e incomodando meu sono.
Fiquei em silêncio absoluto.
Acho
que como eu, o invasor estava tentando ouvir algo, saber se tinha alguém
próximo. E realmente tinha. Eu. A uma porta depois do corredor.
Minhas
mãos estavam geladas, minha perna tremula ainda coberta pelo edredom, não se
moviam. Tentei soltar um som, ainda que mínimo, mas realmente minha garganta
travara.
Ouvi o
som da porta do corredor, ele já alcançara e a abria totalmente. Mais apenas
alguns passos e estaria de frente com minha porta. É isso! A minha porta eu
tinha que travara com o cabideiro.
Num esforço
enorme consegui deslizar meu corpo, ainda rebelde as minhas vontades, e
tateando os moveis cheguei à porta. Estava um pouco aberta.
Não
tive coragem de olhar pela fresta. Fui empurrando-a lentamente para não fazer
barulho. Estava escuro todo o corredor. Se havia alguém ali, não me perceberia fechando-a.
Parei. De repente tive a impressão de ouvir uma respiração muito próxima à
porta.
Com um
esforço sem tamanho retomei o fechar e senti a porta encostar-se ao batente,
mas infelizmente, quando a fechadura encontrou o encaixe, fez o barulho do
travamento.
Passei
rapidamente o trinco e travei a porta. Percebi que quem estava ali fora ouviu o
barulho também. Senti que mudou o rumo e veio em direção a minha porta.
Dei
dois passos para trás e esbarei na escrivaninha. Fiquei estático olhando para a
porta, até que ouvi um ranger baixo, vindo do lado de fora. Alguém se encostara
à porta, provavelmente colando o ouvido e tentando ouvir algo no interior do
quarto. Parei até de piscar e acho que nem respirar eu conseguia mais. Estava
feito uma estátua de mármore.
Passou-se
uma eternidade até que ouvi o riscar de algo na porta. Imaginei ser o riscar
com uma faca, marcando minha porta por fora. Consegui sair da paralisação e
cheguei até a cama. Peguei dois braços do cabideiro, braços que eu sempre dizia
que iria consertar e fixar de vez, eles sempre se soltavam e caiam no chão.
Agora agradecia por nunca ter feito o conserto.
Com os
dois pedaços de madeira na mão, eu estava disposto a enfrentar qualquer coisa,
independente do medo que me fazia tremer da cabeça aos pés.
O ruído
parou e me pareceu estar se afastando pelo corredor, indo em direção ao quarto
do lado.
De
repente meu celular foi ativado... Estava tocando. Onde ele estaria? Droga... O
havia deixado na sala, carregando. Sempre o esquecia de carregar, mas naquela
noite, lembrei-me e o deixei na mesinha da sala, recebendo carga. Com ele em
minhas mãos, poderia chamar alguém para nos socorrer. Fiquei aguardando para
ver se alguém iria atender, então escutei o barulho, do celular, sendo atirado
ao chão.
Não
havia duvidas alguém estava ali e agora sabia que eu também estava. Viria me
pegar.
O maior
medo chegou de vez. A porta do quarto ao lado de minha mãe estava sendo aberto.
Reconheceria o ranger daquela velha porta a centenas de metros de distância.
Ela estava saindo, precisava avisá-la, protege-la.
Não sei
como consegui, mas levantei-me e corri em direção de minha porta, atirando o
cabideiro ao chão e destravando o fecho. Então dei de frente com o invasor, era
tarde demais.
Alguém
acendeu a luz e antes que eu gritasse escutei a voz de minha mãe:
-
Filho, deixou a porta aberta de novo! Olha só a bagunça que o Twoo fez. Você
não o alimentou, até seu celular ele jogou no chão.
Só
então voltei a mim.
O ruído
era a bandeja de comida que estava sendo arrastada pela casa, por aquele
cachorrinho peralta. Só então vi o arranhado que fez em minha porta, tentando
me chamar para alimentá-lo.
Tudo
aquilo era apenas mais uma das artes de Twoo, o demais, fora meu medo
alimentando minha imaginação.
Coloquei
Twoo para fora, dei-lhe o que comer, pedi desculpa pra mãe beijando-a na face e
voltei ainda suado e com o coração tomando seu ritmo normal, para minha cama.
Em paz.
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