sábado, 5 de outubro de 2013

Mais uma do Twoo - O medo

Isso já acontecia há algum tempo e, por mais que eu tentasse entender, não conseguia. Até hoje.

Mais uma vez acordei no meio da madrugada, ouvindo aquele barulho. Fiquei em silêncio absoluto, tentando identificar a origem. Como sempre, parecia vir da cozinha. E, como sempre, o medo se espalhava em minha alma como uma névoa gelada.

A imagem da caixa de facas de churrasco me veio imediatamente à mente. Estava sobre a mesa, separada para emprestar a alguém. Era um jogo completo: garfo, pegador, amolador e várias facas, tudo arrumado numa caixa forrada com veludo azul-escuro.

Tive a nítida impressão de ouvir a dobradiça da tampa, que rangia toda vez que era aberta. Me amaldiçoei por nunca tê-la lubrificado. Encolhi-me na cama, puxando o lençol até o pescoço. O medo, que antes apenas me alertava, agora me paralisava. Eu não conseguia reagir.

Seriam... passos? Passos lentos, quase arrastados, vindos do corredor? Pareciam atravessar a sala, se aproximando do meu quarto.

Junto deles, um som agudo, como o de giz riscando um quadro negro. Alguém ou alguma coisa parecia arrastar algo ao longo da parede... ou do chão. Aquilo gelou minha espinha. Seria uma daquelas facas?

Tentei gritar. Nada. Minha garganta travada, sem ar, sem som. Só medo.

A porta do corredor — ela estava aberta! Ligava a sala aos quartos. Por que eu não a fechei?

O ruído agudo estava cada vez mais próximo. Eu precisava levantar e travá-la com o cabideiro do meu quarto. Mas não conseguia me mover. Minhas pernas, cobertas pelo edredom, se negavam a obedecer. O medo havia se instalado nas entranhas.

Dessa vez era diferente. O medo estava mais forte, mais denso, quase palpável. Comecei a suar.

Lembrei de outra noite, duas da manhã. Um barulho na cozinha. Silêncio logo em seguida. Ninguém se levantou. No dia seguinte, ninguém comentou. Será que só eu ouvira?

Agora, porém, os sons eram mais claros: o ranger da dobradiça, os passos, o arrastar agudo. Alguém mais precisava estar ouvindo também. Ou estariam todos petrificados como eu?

O barulho cessou.

Tudo ficou em silêncio. Até a rua, sempre ruidosa, emudeceu. Nenhum carro, nenhuma risada. Nem o mundo ousava se mexer.

Acho que, como eu, ele também parou para ouvir. Procurando sinais de vida atrás das portas. E eu estava ali. A apenas uma porta de distância.

Minhas mãos estavam geladas. As pernas, tremendo. Tentei emitir um som. Nada. A garganta ainda trancada.

Então ouvi. A porta do corredor sendo aberta. Só alguns passos mais... e estaria diante da minha.

A única coisa que eu podia fazer era trancá-la. Num esforço tremendo, deslizei o corpo pela cama, tateei os móveis no escuro. A porta estava entreaberta. Não tive coragem de olhar pela fresta. Apenas empurrei com cuidado, evitando o menor som. Estava tudo escuro no corredor. Se ele estivesse ali, não me veria.

Parei. Uma respiração próxima à porta me fez congelar.

Continuei com cuidado. Quando a fechadura encaixou, fez um pequeno "clique". Barulho demais.

Rapidamente passei o trinco.

Ele ouviu.

O som mudou de direção. Veio direto para minha porta.

Dei dois passos para trás e esbarrei na escrivaninha. Estático. Olhos fixos na porta. Um ranger suave. Alguém encostado do lado de fora, ouvindo.

Segurei a respiração.

Então, um novo som: algo riscando a porta.

Meu Deus... uma faca?

Fui até a cama, peguei os braços soltos do cabideiro — aqueles que sempre caíam e que eu vivia prometendo consertar. Pela primeira vez, agradeci por não ter cumprido a promessa.

Com os pedaços de madeira nas mãos, eu estava pronto para enfrentar seja lá o que fosse, mesmo tremendo por inteiro.

O som se afastou.

Seguiu pelo corredor... até o quarto ao lado.

Meu celular tocou.

Droga! Estava carregando... na sala. Claro. Sempre esqueço de carregar. Justo naquela noite, lembrei.

Com ele, poderia pedir ajuda. Fiquei esperando que alguém atendesse... e ouvi o som do aparelho sendo atirado ao chão.

Não havia mais dúvidas. Alguém estava ali. E sabia que eu também estava.

A porta do quarto da minha mãe se abriu.

Conhecia aquele rangido. Era ela. Precisava protegê-la.

Num impulso, atirei o cabideiro ao chão, destravei a porta e corri...

... e dei de cara com o invasor.

Era tarde demais.

A luz se acendeu.

— Filho, deixou a porta aberta de novo! Olha só a bagunça que o Twoo fez. Você não alimentou o bichinho, até seu celular ele jogou no chão!

Voltei a mim.

O barulho era da bandeja de comida sendo arrastada casa afora. O riscado na porta, apenas uma tentativa de me chamar.

Tudo não passava de mais uma das artes do Twoo. O resto... foi só meu medo alimentando minha imaginação.

Coloquei o danado pra fora, dei-lhe o que comer, pedi desculpas à mãe com um beijo na face e voltei, ainda suado e com o coração retomando 

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