Fui
até o meu quarto e peguei minha latinha de leite, ali estava tudo o que eu
tinha: R$1,50 em moedas e 15 bolinhas de gude. Coloquei tudo em meu bolso,
peguei um agasalho e saí de casa. Pra nunca mais voltar.
Não
vou falar o porquê disso, acho que não tem mais importância, apenas que eu
precisava fazê-lo.
Antes
de sair parei perto do portão e acariciei Zero que abanava seu rabinho todo
feliz, também não o veria nunca mais.
Eu
ganhei Zero, meu cachorrinho vira lata, quando fiz 7 anos. Ele me foi dado pelo
meu tio Antônio.
Era
todo pretinho com o focinho e as quatro patas brancas. Meu tio disse que quando
Zero nasceu olhou pra ele e disse que seria meu. Acho que Zero também sabia
disso, pois logo que titio chegou ele saltou de seu colo e correu para mim.
Terminei
adotando o nome que meu pai o chamava quando ficava bravo com ele. Ele dizia:
-
Esse cachorro não vale nada. É zero de higiene, suja toda a casa, zero em
comportamento, come todo chinelo que encontra e ainda não consegue ficar um
minuto sem latir. Nem pra cuidar da casa serve. Não vale a ração que come. É
Zero.
Assim
ficou.
Bem,
deixei-o para trás. Fechei o portão e acho que foi pela primeira vez. Minha mãe
sempre gritava pra eu fechar o portão quando saia a rua. Mas como sempre era
tarde, eu já estava longe demais pra voltar. Para dizer a verdade eu até ouvia,
mas nunca voltava pra fechar.
Estava
muito bravo e decepcionado com papai e mamãe, exigiam demais de mim e nada do
meu irmão mais novo, o Luizinho. Tudo era pra ele, até meus brinquedos
prediletos tive que deixar pra ele e olhem só... Ele quebrou tudo.
Sempre
fui deixando de lado, mas dessa vez foi demais e não quero falar disso.
Lá
estava eu andando pelas ruas do bairro, decidido a sumir pelo mundo. Passei
pelo bar do Tomé, o açougue do Lucas e vi os meninos indo para o campinho jogar
contra a rua de cima. Corri atrás deles.
Eu
podia estar fugindo de casa, mas nunca deixaria uma disputa dessas pra
trás. Sabia que o time teria dificuldades sem mim. Deixei minhas bolinhas
de gude ao pé da trave aos cuidados do frangão nosso goleiro. Mas não pensem
que ele era chamado assim por tomar muitos gols. Ele era muito bom no gol, mas
era chamado assim porque era branquelo e tinha um pescoço cumprido, como
daqueles frangos dependurados na geladeira do açougue do Lucas.
Eu
era o homem do meio campo, desarmava nossos adversários e armava nossas
jogadas. Às vezes até fazia um gol. Antigamente eu jogava na zaga, os colegas
me chamavam de bodinho. Diziam que é porque eu abaixava a cabeça e partia pra
cima do inimigo. Ou era a bola ou ele, um dos dois eu acertava.
Mas
depois de fazer alguns pênaltis, fui escalado no meio campo. Nunca mais sai
dali, descobri o meu lugar.
O
jogo foi duro. Ganhamos apertado, mas foi emocionante. Eles marcavam e nós empatávamos.
Quase no final do jogo, viramos o placar e vencemos. Foi uma comemoração muito
bonita. Todos se abraçavam alegres e também gozavam dos fracotes da rua de
cima.
Já
estava saindo do campo indo em direção de casa, quando frangão me chamou pra
entregar as minhas bolinhas de gude. Então me lembrei do que eu estava fazendo
antes do jogo e mudei de direção.
Já
estava a uma boa distância do campo quando Galo Seco me chamou aos berros. Galo
Seco era irmão do Frangão e tinha esse apelido por ter sido pego com a boca na
botija, atirando pedra de bodoque, no galo do seu Gervásio. Dizem que o velho
do Gervásio o agarrou pelo calção e ele saiu correndo fazendo poeira, mas sem
sair do lugar. Parecia estar naquela máquina estranha que o povo da cidade
compra pra correr em cima. Coisa besta.
Voltei
correndo até ele que me chamou pra irmos ganhar umas bolinhas de gude dos bobos
da rua de cima.
Como
já tínhamos dado uma surra no campinho, podíamos fazer barba e cabelo e ganhar
tudo.
Bem
como já contei, meu fraco era aquelas bolinhas. Não pensei duas vezes. Poderia
fugir depois e com certeza com muito mais bolinhas no bolso. Lá fomos nós
ganhar deles de novo.
Da
nossa rua era Eu, Galo Seco e Guto. Contra nós, da rua de cima, dois
magrelinhos e um dentuço que eles chamavam de “Martelo”.
Nunca
tinha visto esse tal de Martelo por aqui, mas jogamos mesmo assim.
Depois
de certo tempo, lá foram os chorões embora sem nenhuma bolinha. Nós os
limpamos, saíram sem nada. Esses moleques da rua de cima são uns perdedores.
Dividimos
as bolinhas e voltamos para o campo. Os outros meninos precisavam saber de
nossa conquista.
Quando
chegamos lá, ainda tinha muitos moleques soltando pipas e jogando bola.
Contamos pra eles nossa vitória e mostramos as bolinhas ganhas e ficamos por
ali, vendo as disputas de pipas.
De
repente apareceu no céu, uma pipa vermelha e branca muito linda, atrás da pipa
de Jacson. Todos correram e ficaram ao seu lado torcendo por ele e prontos para
correr atrás daquela que fosse cortada.
Ali
todo mundo era entendido em pipas e enchiam Jacson de orientações e palpites.
-
Solta linha! Vai pra cima! Agora, agora... Não deixe ele ficar por cima. Pra
direita! Pra esquerda! Cuidado com a rabiola dele...
E
não é que Jacson conseguiu cortar.
Foi
uma correria tremenda. Todos os moleques saíram correndo olhando para o céu,
acompanhando a queda da pipa vermelha e branca.
Pela
força do vento cairia bem longe dali e como eu era o mais veloz de todos, sai
na frente.
Via
pipa plainando e percebi que cairia na casa do seu Jeremias. Não tive dúvidas
pulei a cerca de seu pomar e com um salto certeiro agarrei a linha da pipa que
já estava quase no chão. É minha!
Enrolei
a linha rapidamente na mão até que a pipa veio em minha direção e a peguei.
Todo
feliz, sai orgulhoso e rapidamente do pomar do seu Jeremias com meu troféu as
mãos. Os moleques me cercaram para vê-la. Realmente era uma pipa muito bonita e
agora era minha.
Estávamos
voltando para o campinho quando a mãe de Galo Seco e Frangão, berrou,
chamando-os para entrar, tomar banho e jantar. Realmente já estava terminando a
tarde. O dia passara rápido demais.
Todos
os moleques começaram a ir em direção de suas casas e eu também. O dia foi
lucrativo demais, ganhamos no futebol e limpamos as bolinhas dos caras da rua
de cima e eu ainda peguei aquela bela pipa.
Já
estava entrando pelo portão, quando mamãe apareceu e disse pra eu ir me lavar
que teríamos costelinha para o jantar. Minha comida favorita, eu adorava.
Entrei
correndo e fui para o banheiro. Quando tirava minhas bolinhas dos bolsos caíram
minhas moedas e então me lembrei do porque estar com elas. Eu tinha que ir
embora dali.
Mas
eu estava muito cansado e teria costelinha para o jantar.
Então
pensei... Ah! Outro dia eu fujo.
Só
para saberem, já tenho 22 anos e nunca largarei de mamãe, papai e nem do Luizinho.
Muito
menos, das costelinhas que mamãe faz.
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