Àntes que o título cause confusão, é bom
explicar: o espirrador era uma garrafa plástica que enchíamos de água para
jogar uns nos outros na época do carnaval. Também chamávamos de
"seringa", mas hoje, para evitar mal-entendidos, prefiro manter o nome
de espirrador.
Toda vez que o carnaval se aproximava, a ansiedade tomava
conta. Mal víamos a hora de comprar nossos espirradores — geralmente garrafas
de um a dois litros, feitas de plástico bem flexível, às vezes sanfonado, com
um bico na ponta para esguichar a água.
Era uma brincadeira saudável, ainda que não muito aprovada
pelas nossas mães, preocupadas com o desperdício de água. Mas no calor intenso
dos anos 70, era diversão garantida.
Estudávamos de manhã e, ao voltar para casa por volta do
meio-dia, já combinávamos as batalhas de água contra os garotos da rua de baixo
ou da rua de cima — nossos eternos rivais. Rivais em tudo: futebol, escola,
guerras de espirrador, brincadeiras... até na disputa por namoradinhas.
Numa dessas tardes escaldantes, chegamos da escola e
almoçamos feito patos — como dizia minha mãe, por engolirmos a comida sem
mastigar direito, tamanha era a pressa de nos preparar para a batalha.
A guerra começaria mais cedo naquele dia: às duas da tarde.
Mais tarde, eu e minha família sairíamos para comemorar o carro novo do meu pai
com uma pizza. Tudo precisava ser rápido.
Enquanto enchíamos nossos espirradores, tramávamos
estratégias para surpreender os moleques da rua de baixo. Algumas vezes,
escondíamo-nos em becos e atrás de muros, prontos para o ataque assim que eles
passassem desavisados.
Estávamos em maior número e, segundo nosso plano, sairíamos
vitoriosos — e secos. Curioso pensar hoje que, no fundo, todo mundo adorava
mesmo era se encharcar.
Às vezes até os carros que passavam pela rua eram alvos.
Espirrava-se, corria-se. Alguns motoristas paravam, xingavam, e seguiam. Outros
desciam do carro para nos pegar. Mas éramos donos daquele território,
conhecíamos cada canto, cada esconderijo — nunca fomos alcançados.
Naquela tarde, esperamos nossos rivais por quase uma hora.
Nada. Amarelaram, pensamos. Então, decidimos brincar entre nós mesmos.
A diversão corria solta até que Luiz, o santista, deu o
alerta: um carro subia lentamente a antiga rua Leonardo da Vinci. Um Itamarati
vermelho, desconhecido. Alvo perfeito.
Orientei a turma: disfarçamos, escondemo-nos, aguardamos a
aproximação. Quando o carro estava bem perto, saltamos dos esconderijos com os
espirradores prontos.
O primeiro jato que disparei parou congelado no ar — ou
assim pareceu. Meu coração disparou. Era o carro novo do meu pai. E era o
próprio dirigindo.
Não deu tempo de conter a turma. Vários jatos acertaram o
carro — e ele também. Quando perceberam quem era, todos evaporaram como
fantasmas, deixando para trás apenas eu: imóvel, espirrador na mão, sem reação.
Não fui à pizzaria naquela noite.
Fiquei um mês de castigo, trancado em casa, vendo o carnaval
e as guerras de espirrador daquele ano passarem pela janela.
Às vezes, as coisas simplesmente não saem como a gente
planeja.
Como eu ia adivinhar?
0 comentários:
Postar um comentário
Obrigado por comentar. Seu comentário e opiniões são muito importante para melhorar o blog.Se não quiser deixar... Fazer o que...