Cartas de amor
Quando estávamos juntos, ela me enlouquecia de amor... então a deixei.
Quando recebi sua primeira carta de amor, apaixonei-me de imediato. Era linda. Dizia coisas simples, mas de um jeito vibrante, cheio de luz. Não soube ao certo quantas vezes li e reli — talvez duas ou três dezenas de vezes. Era incrível.
Pensei que seria a única, mas, para minha surpresa, chegou a segunda. Era mais singela, falava de coisas que um dia faríamos juntos. Coisas simples, como andar de mãos dadas na praia ao entardecer. A parte que mais gostei foi a descrição do nosso primeiro beijo. Parecia que ela estava ali, bem na minha frente. Confesso que fechei os olhos esperando sentir seus lábios.
Tinha que conhecê-la. Precisava conhecê-la.
E era tudo mais lindo ainda. Cada palavra que escreveu para mim virou realidade. Disputas pela última pipoca no parque da cidade, o rolar na grama num piquenique à beira do lago, a praia e o beijo.
Para minha surpresa, ela continuou a escrever as cartas de amor. Minha ansiedade por recebê-las era tão visível que qualquer um notaria. Eu me recusava a sair às terças-feiras, pois sabia que elas chegariam. Sentava em frente ao portão e esperava o carteiro. E, antes mesmo que ele as colocasse na caixa de correio, eu já as tinha nas mãos.
O abraço no alto da roda-gigante, o deitar de sua cabeça no meu ombro, o tiro ao alvo nas bexigas com as quatro mãos sobre a mesma arma, o jogo de argolas — onde juntávamos os dedos antes do arremesso... tudo estava escrito. E tudo acontecia com um amor fantástico. Eu sentia seu carinho através das palavras.
No dia seguinte às cartas, saíamos. E era sempre igual ao que ela havia escrito. Minha paixão cresceu tanto que começou a me sufocar. Eu precisava dela como o ar que respiro. Seus beijos eram meu alimento. Seus carinhos, minha proteção. Tudo nela era insuportavelmente necessário para minha existência.
Ficamos juntos por três longos meses. Sempre abraçados, colados um ao outro — uma vez por semana. Eu queria mais, muito mais. Mas as cartas continuavam a chegar, uma por semana. Achei que enlouqueceria de tanto amor. Mas ela nunca me deixou levá-la até sua casa, e nunca passou uma noite comigo. Nossos encontros eram sempre no meio da semana, nunca nos finais de semana.
Não me importava. Ela era minha. Sabia que, uma hora, assumiríamos nosso amor.
Então, numa terça qualquer, o carteiro não veio. Fiquei até o início da noite e nada. Apavorado, entrei em casa e procurei seu telefone. Liguei, mas ninguém atendeu. Saí como estava e fui em busca de sua casa. Nunca tinha feito isso. Mal sabia seu endereço ao certo. Raciocinei, juntei todas as pistas que ouvira nesses três meses... e consegui descobrir sua rua.
Andando com o carro devagar, olhava casa por casa. Fui e voltei umas cinco vezes. E então a vi.
Numa casa branca, no fim da rua, ela saiu ao portão. Olhava na direção contrária à minha. A noite me ocultava atrás do volante. Quando coloquei a mão na maçaneta para sair do carro, outro carro parou diante do portão dela. Ela sorriu e foi ao encontro do veículo. Duas crianças desceram correndo, abraçando e beijando-a. Do outro lado, um homem surgiu com pacotes nas mãos. Caminhou até ela, a abraçou e a beijou com ternura. E então, ouvi uma das crianças chamá-la de “mamãe”.
Entendi tudo.
Por isso tanto mistério. Tínhamos um amor por cartas. Um dia por semana para nos tocarmos. E só.
Muito triste, dei partida no carro e passei por eles sem ser notado. Doía vê-los ali, tão felizes... então acelerei e fugi sem rumo. Liguei o som do carro, na tentativa de acalmar a dor, buscando qualquer música que distraísse meu coração partido.
Mas, dos alto-falantes, saiu a voz suave e doce de Paula Toller e os Abóboras Selvagens cantando:
"Alice, não me escreva esta carta de amor..."
O nome dela também era... Alice.
Acho que esse foi o nosso fim.
0 comentários:
Postar um comentário
Obrigado por comentar. Seu comentário e opiniões são muito importante para melhorar o blog.Se não quiser deixar... Fazer o que...