Vai que chove!
Todo mundo tem um amigo esquisito. Eu também tenho. Já contei umas presepadas que aconteceram comigo, com alguns amigos — mesmo os anônimos — e até com meus irmãos. Mas tem uns que são “hors concours”. Únicos. Inexplicáveis.
Fim de ano por aqui é calor forte, sol estalando, mas também época das chuvas. E não são chuvas simples, não. Quando vêm, vêm com força, arrastando árvore, enchendo rua, deixando tragédia. E o Jairo — ou Pedro, ou Zé, tanto faz, aqui é Jairo mesmo — tem pavor de uma coisa só: trovão e relâmpago. O homem entra em modo de sobrevivência quando escuta o primeiro estalo no céu. Se puder, não sai de casa. E se precisar sair, sai como se fosse enfrentar o apocalipse.
Tínhamos combinado um encontro no sábado, ali perto do fim do ano, só pra encerrar bem e brindar o que ficou pra trás. Centro da cidade, chopp gelado, risadas e conversa jogada fora.
Além do Jairo, foram chegando os de sempre: Toshibinha, colega do trabalho; Laranjinha, do bairro; Mano Véio, meu filhote e um sobrinho. Um a um, foram se ajeitando na mesa, pedindo as porções, derrubando as torres de chopp. Tudo corria bem até Jairo aparecer.
Silêncio geral.
O cara chegou com um boné enorme, uma blusa grossa, uma mochila parecendo de acampamento e um guarda-chuva gigante — daquele tamanho que parece guarda-sol de praia. Ou tenda de circo. Ninguém entendeu nada.
Mal sentou, começaram as piadas.
— Jairinho, fala sério! Com esse sol maravilhoso e você vindo assim... Tá maluco, cara? Esse guarda-chuva é o quê, familiar? Cabe você e seus sete filhos aí?
A turma caiu na gargalhada. Jairo era o alvo do momento, mas nem ligava. Só ria, tirava as coisas do colo e ia se ajeitando, como se fosse a coisa mais normal do mundo.
Depois da terceira ou quarta torre, e da sexta ou sétima porção, fui até ele.
— Jairinho... agora, entre nós, fala aí. Por que veio assim, véio? A meteorologia garantiu: nada de chuva até o ano novo. Tem uma semana que não cai uma gota! Olha lá fora, sol rachando. Sei que você tem seus medos, mas hoje você exagerou. Isso aí parece uma arma de tão grande.
Ele olhou pra mim com aquela cara tranquila e mandou:
— Sei lá, Berin... vai que chove?
Toshibinha, que já tava mais alegre que o normal, levantou o copo:
— Deixa o Jairinho com o circo dele, Berin! Vamos comemorar! Que a chuva do Jairinho seja menor do que o tanto de chopp na mesa. Saúde!
Todo mundo brindou rindo. Claro que não ia chover.
Na hora de ir embora, quem não bebeu virou motorista da vez. O escolhido? Mano Véio. Digamos que ele não estava exatamente sóbrio, mas também não era o mais bêbado — só o mais animado. Entramos todos no carro, cantando Barão Vermelho a plenos pulmões, quando os primeiros pingos apareceram no para-brisa.
Do nada, o céu desabou.
Silêncio dentro do carro.
Nos olhamos. Um relâmpago cortou o céu. Começamos a rir.
Não é que choveu?
Mesmo com aquele sol lindo de fim de tarde, caiu um toró que parecia castigo. Todo mundo chegou em casa encharcado. Menos um.
Jairo. O único seco.
Afinal... vai que chove, né?
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