sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

Fugindo do hospital


Ah! Tempos difíceis... Ainda bem que estão distantes demais, porém, minha memória rebelde sem causa, tanto quanto os dedos tagarelas, me faz regredir e lembrar alguns desses momentos.
O ano era... Era... Não lembro, mas acho bonito começar assim, desculpe. Falha nossa. Mas não importa, digamos que há alguns anos atrás...
Era um domingo, onze da noite, eu tinha recebido naquela tarde um casal de amigos e minha mãe como visitas. Agora debruçado no beiral da varanda, vendo as luzes do bairro, observando os ônibus passando na avenida, pensava em como faria para fugir dali. Onde eu estava?
Hospital São Paulo, na Vila Mariana em São Paulo.
Estava internado ali já há quase três meses, aguardando uma cirurgia de correção. Toda segunda corria logo cedo na recepção da minha ala, para ver se minha cirurgia estava marcada e nada. Estava tão angustiado de ficar nessa condição que havia resolvido, se minha cirurgia não estivesse marcada para amanhã, eu fugiria do hospital. Eu estava enlouquecendo ali.
Geralmente as enfermeiras escreviam de noite, em um quadro negro na recepção, quais seriam as operações marcadas para o dia seguinte, então era só esperar todos dormirem, ir à recepção ver o quadro e se a minha não estivesse marcada, sairia de madrugada dali. Assim fiz.
Fiquei até as vinte de duas horas jogando damas com outro paciente, quando ele disse que ia dormir, me despedi e fui para meu quarto. Infelizmente dei de frente com uma das enfermeiras.
- Que faz aqui? Sabe que o horário de ficar fora de seu quarto é até às 20 horas.
- Desculpe, estava apertado e fui ao banheiro.
- Está certo, vá para seu quarto e para sua informação o banheiro é do outro lado.
Entrei no meu quarto e fiquei quieto, deitado, por mais uma hora. Ainda de pijama, levantei, desci da cama e fui andando silenciosamente pelo corredor. Sabia que as enfermeiras, eram sempre duas, ficavam na copa conversando, apenas de ouvido ligado nas campainhas de emergência dos quartos. Seria fácil ver o quadro sem ser notado.
Quando cheguei bem perto da recepção, percebi que alguém saia. Fui pego novamente em flagrante, agora pela outra enfermeira.
- O que você está fazendo aqui na recepção.
- Estava indo ao banheiro.
- Banheiro? Sei. Volte para seu quarto, não quero vê-lo por aqui de novo.
Enquanto me virava para voltar ao meu quarto, consegui passar os olhos pelo quadro negro e meu nome não estava lá. 
Fiquei mais algum tempo quieto, imóvel na cama, quando achei que já havia passado tempo suficiente, peguei minha sacola de coisas e sai do meu quarto para voltar pra casa,
Bem, quando atravessei a porta, lá estava a enfermeira na minha frente de braços cruzados, olhando-me firmemente.
- Está indo a onde, posso saber?
- Eu ia ao...
- Já sei, ao banheiro, não é senhor diarreia? Para sua cama e não levante mais.
Pelo tamanho enorme da enfermeira e sua determinação, o que eu podia fazer? Voltei e fiquei lamentando em minha cama até o nascer do dia, quando peguei no sono,
Parece que mal fechei meus olhos e escutei:
- Acorde senhor diarreia, tá na hora.
Confesso que até tentei abrir os olhos, mas estava com muito sono, por ter ficado a noite em claro. Ela chamou-me mais algumas vezes e até me chacoalhou, mas nada.
Quando enfim acordei, descobri que minha cirurgia fora cancelada e que estava com medicamentos para recuperar de algo.
Na troca de enfermeiras pela manhã, as novas que entraram marcaram meu nome no quadro e as que saiam alertaram quanto ao "senhor diarreia". Quando foram me preparar para a cirurgia e eu não acordava, informaram ao médico que preocupado, cancelou a cirurgia e pediu um check up, deixando-me em observação.

Resumindo, fiquei mais uma semana esperando uma nova oportunidade, tomando soro e medicamentos pela veia e sem comer direito, só porque dormi demais.

0 comentários:

Postar um comentário

Obrigado por comentar. Seu comentário e opiniões são muito importante para melhorar o blog.Se não quiser deixar... Fazer o que...