Ah! Tempos difíceis... Ainda bem que estão distantes demais,
porém, minha memória rebelde sem causa, tanto quanto os dedos tagarelas, me faz
regredir e lembrar alguns desses momentos.
O ano era... Era... Não lembro, mas acho
bonito começar assim, desculpe. Falha nossa. Mas não importa, digamos que há
alguns anos atrás...
Era um domingo, onze da noite, eu tinha
recebido naquela tarde um casal de amigos e minha mãe como visitas. Agora debruçado
no beiral da varanda, vendo as luzes do bairro, observando os ônibus passando
na avenida, pensava em como faria para fugir dali. Onde eu estava?
Hospital São Paulo, na Vila Mariana em São
Paulo.
Estava internado ali já há quase três
meses, aguardando uma cirurgia de correção. Toda segunda corria logo cedo na
recepção da minha ala, para ver se minha cirurgia estava marcada e nada. Estava
tão angustiado de ficar nessa condição que havia resolvido, se minha cirurgia
não estivesse marcada para amanhã, eu fugiria do hospital. Eu estava
enlouquecendo ali.
Geralmente as enfermeiras escreviam de
noite, em um quadro negro na recepção, quais seriam as operações marcadas para
o dia seguinte, então era só esperar todos dormirem, ir à recepção ver o quadro
e se a minha não estivesse marcada, sairia de madrugada dali. Assim fiz.
Fiquei até as vinte de duas horas jogando
damas com outro paciente, quando ele disse que ia dormir, me despedi e fui para
meu quarto. Infelizmente dei de frente com uma das enfermeiras.
- Que faz aqui? Sabe que o horário de
ficar fora de seu quarto é até às 20 horas.
- Desculpe, estava apertado e fui ao
banheiro.
- Está certo, vá para seu quarto e para
sua informação o banheiro é do outro lado.
Entrei no meu quarto e fiquei quieto,
deitado, por mais uma hora. Ainda de pijama, levantei, desci da cama e fui
andando silenciosamente pelo corredor. Sabia que as enfermeiras, eram sempre
duas, ficavam na copa conversando, apenas de ouvido ligado nas campainhas de
emergência dos quartos. Seria fácil ver o quadro sem ser notado.
Quando cheguei bem perto da recepção,
percebi que alguém saia. Fui pego novamente em flagrante, agora pela outra
enfermeira.
- O que você está fazendo aqui na
recepção.
- Estava indo ao banheiro.
- Banheiro? Sei. Volte para seu quarto,
não quero vê-lo por aqui de novo.
Enquanto me virava para voltar ao meu
quarto, consegui passar os olhos pelo quadro negro e meu nome não estava
lá.
Fiquei mais algum tempo quieto, imóvel na
cama, quando achei que já havia passado tempo suficiente, peguei minha sacola
de coisas e sai do meu quarto para voltar pra casa,
Bem, quando atravessei a porta, lá estava
a enfermeira na minha frente de braços cruzados, olhando-me firmemente.
- Está indo a onde, posso saber?
- Eu ia ao...
- Já sei, ao banheiro, não é senhor diarreia?
Para sua cama e não levante mais.
Pelo tamanho enorme da enfermeira e sua
determinação, o que eu podia fazer? Voltei e fiquei lamentando em minha cama
até o nascer do dia, quando peguei no sono,
Parece que mal fechei meus olhos e escutei:
- Acorde senhor diarreia, tá na hora.
Confesso que até tentei abrir os olhos,
mas estava com muito sono, por ter ficado a noite em claro. Ela chamou-me mais
algumas vezes e até me chacoalhou, mas nada.
Quando enfim acordei, descobri que minha
cirurgia fora cancelada e que estava com medicamentos para recuperar de algo.
Na troca de enfermeiras pela manhã, as
novas que entraram marcaram meu nome no quadro e as que saiam alertaram quanto
ao "senhor diarreia". Quando foram me preparar para a cirurgia e eu
não acordava, informaram ao médico que preocupado, cancelou a cirurgia e pediu um check up, deixando-me em observação.
Resumindo, fiquei mais uma semana
esperando uma nova oportunidade, tomando soro e medicamentos pela veia e sem comer direito, só porque
dormi demais.
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