sexta-feira, 27 de junho de 2025

Bonus Sexta-feira - Não olhe na lixeira

 


        Não olhe na lixeira  

A rua Paresi era sem saída, ao lado da minha casa, era um problema.

No bairro periférico de Igarapés, onde ficava, as luzes da cidade mal

alcançavam, esgoto encanado quase não tinha. Linha de ônibus só no asfalto e

a uma certa distância dali. Eram só dois por dia, ou melhor, um de dia e outro no

Final da noite.

Essa rua era isolada de tudo e nem o coletor de lixo passava ali. Os moradores,

acostumados ao abandono das autoridades, estranharam a aparição repentina

de uma lixeira grande, na esquina do primeiro terreno na entrada da rua.

O proprietário do terreno, indignado pela ousadia da construção e por não ter

autorizado a instalação, destruiu a lixeira diante de todos, reduzindo-a a

pedaços.

No entanto, ao amanhecer de um novo dia, a lixeira estava lá, intacta, sem

qualquer sinal de dano.

Os vizinhos, incrédulos, especulavam sobre o ocorrido, atribuindo-o a

brincadeiras de mau gosto ou loucura do destruidor dela. Mas a realidade se

mostraria mais sombria.

Os primeiros a desaparecer foram catadores de recicláveis que sempre

recolhiam produtos dos moradores da rua sem saída. Relatos surgiram de que

aqueles que abriam a lixeira e depositavam seu saco de lixo, nada acontecia,

mas os que olhavam em seu interior no horário tarde da noite, eram sugados

para dentro, sumindo sem deixar vestígios.

Um único transeunte, ao passar tarde da noite pela janela de um ônibus,

testemunhou uma sombra sendo engolida pela lixeira.

— Vocês viram isso! — Gritou apontando para o início da rua, fazendo com

que várias pessoas corressem a sua janela.

Apesar de só dois passageiros afirmarem terem visto e reconhecerem por

fotos que a pessoa devorada pela lixeira como um catador conhecido, seus

relatos foram recebidos com descrença e escárnio.

A versão do caso cresceu e chegou até a cidade.

As autoridades locais, céticas, desconsideraram as denúncias, tratando-as

como lendas urbanas ou histórias fantasiosas para chamar a atenção.

Para acalmar os moradores, no final da tarde seguinte, a prefeitura destruiu outra

vez a sinistra lixeira e colocou uma caçamba de recolher entulhos em seu lugar,

mas no dia seguinte a lixeira estava novamente lá e a caçamba havia

desaparecido. E assim ficou por mais uns dias.

Certa noite, um antigo morador conhecido por todos na rua, também

desapareceu. A comunidade, tomada pelo medo, evitava a lixeira e colocaram

cartazes feito a mão com os dizeres:

“Não se aproximem dessa lixeira, perigo de morte!”

Mas a curiosidade humana é uma força poderosa.

Nova destruição ocorreu, nova caçamba colocada no local e uma dupla de

policiais foi colocada em vigia. No dia seguinte os policiais haviam desaparecidos

e a lixeira estava novamente lá.

Pensaram no padre local, talvez uma benção especial resolvesse, porém o

ridículo de benzer uma lixeira deixou a ideia de lado. Antes tivessem tentado.

Houve um novo desaparecimento.

O mistério da lixeira amaldiçoada permaneceu por dias, até que misteriosamente

ela desapareceu.

Alguns dizem que era um portal para outra dimensão; outros acreditam que é

uma manifestação do mal. Mas uma coisa é certa: aqueles que ousaram olhar

em seu interior nunca mais foram vistos.

Se um dia você se deparar com uma lixeira solitária em uma rua deserta,

lembre-se desta história e resista à tentação de espiar seu conteúdo.

A curiosidade pode ser irresistível, mas no bairro Igarapés, ela pode custar sua

vida.

Encerramento - O acerto final

     O acerto final

Estava digitando quando olhei para o relógio do computador: hoje, sexta-feira, 13 de junho de 2025.

23:15 (hora local)

Foi naquela noite antiga, quando aquele homem de olhos fundos, acompanhado de uma neblina, me procurou no portão e que tudo começou.

Disse que queria histórias. Pediu que eu contasse o que sussurravam as sombras daqui. Na hora, achei estranho. Hoje entendo. Não foi um pedido. Foi um acerto.

Treze contos já foram contados. Treze fissuras abertas nos recantos do Igarapés. Mas agora... é a vez dele.

23:30 (hora local)

As luzes começam a piscar. Sinto. Há alguém está atrás de mim.

Devagar, viro a cabeça. É ele. O mesmo homem sinistro. Mas agora vejo detalhes que antes não notei. Me parece familiar.

— Disse pra contar as histórias do Igarapés — sua voz ecoa como se viesse de todos os lugares que escrevi. — Contou direitinho. Cada palavra no lugar certo. Não exatamente o que aconteceu, mas quem vive aqui lembrara de algo ao ler.

Ele caminha pela casa, seus passos como se conhecesse bem minha casa fazem o som de folhas secas. Então pega meus papéis e lendo ri.

— A lagoa agora reflete o que não deveria existir. Pobre velho e sua neta, eu os avisei. Presença em casa, isso sempre teve e a muitos que ainda nem percebem. Uivos, lobo... Não sei disso não... rsrsrs. O bambuzal sussurra nomes de quem ainda não morreu. Esse do lanche foi interessante. Destinado a alguém? — Ele me encara. — Com o vizinho, requer cuidado. O pregador... Belo trabalho.

Sinto um frio que vem de dentro.

— Cada história foi uma chave, não foi? — contínuo, tentando entender. — Você me usou para abrir algo?

— Abrir? — Ele ri, um som que lembra o Seu Valdir, mas distorcido. — Não, meu caro escriba. Para chamar. Cada conto foi um convite a lembrança. Um chamado para que eles viessem. Nem todos esquecem o que aconteceu nesse bairro.

23:45 (hora local)

A casa parece respirar. As paredes gemem. E eu percebo: não são gemidos. São vozes. Todas as vozes dos meus contos, sussurrando juntas.

— Eles estão aqui agora — ele diz, abrindo os braços. — Todos. O homem da lagoa, o passageiro do ônibus, a professorinha, O velho do bambuzal... Treze aberturas, treze presenças. E você... você foi o anfritrião.

Ele estende uma folha em branco.

— Só falta uma coisa. Seu nome. Como autor da passagem. Como aquele que trouxe o Outro Lado para cá.

— E se eu não assinar?

Ele sorri, e reconheço esse sorriso. É o mesmo que imaginei no rosto do pregador, e no espectro no espelho, em todos os personagens sinistros que criei.

— Você vai assinar. Porque não é mais você quem escolhe. Há treze sextas-feiras, você deixou de ser só o autor. — Ele se inclina por sobre minha mesa. — Agora você é apenas... um personagem.

A caneta está na minha mão. Não lembro de tê-la pegado. Meus dedos se movem sozinhos, traçando letras que conheço, mas que parecem vir de outra pessoa.

24:00 (hora local)

Ele olha o relógio sorrindo. As luzes se apagam de vez. Na escuridão, ouço risadas que reconheço: são minhas próprias risadas, vindas dos contos que escrevi.

Minha assinatura está completa no papel.

— Bem-vindo ao Igarapés — ele sussurra. — O verdadeiro Igarapés.

Quando a luz voltou, eu estava do lado de fora. No portão. Esperando.

Agora sou eu quem bate nas casas à meia-noite. Pedindo para as pessoas contarem histórias. Fazendo novos acertos.

O Igarapés sempre precisou de alguém para abrir as portas. E sempre haverá alguém disposto a escrever.

Se você está lendo isso... cuidado com as histórias que conta. Principalmente se forem sobre o bairro Igarapés.


13ª - Sexta-feira - O vizinho

 



          O vizinho


Toninho sempre soube que trabalhar como vigilante no bairro Igarapés

significava ver coisas que os outros não viam. Três da manhã de uma terça-feira

qualquer, ele estava fazendo sua ronda quando viu o caminhão de mudança sair

da chácara do nº 841.

Estranho. A casa estava vazia há anos, desde que o senhor Dinei se mudou para

longe dali. E mudança às três da manhã? Quem se muda de madrugada?

Acompanhou a distância o caminhão da mudança sair do bairro e voltou sua moto

para retornar até casa de onde partiram. Ele chegou a ver o homem que contratara

a mudança. Era alto, magro, usava um sobretudo mesmo no calor de março. Não

falava, apenas apontava onde e o que fazer. Quando terminou, pagou os

carregadores em dinheiro e eles sumiram como se nunca tivessem existido.

Quando retornou na casa tudo estava no escuro, as luzas se apagaram.

Na manhã seguinte, Toninho tentou contar para a vizinhança, mas soou como

conversa de quem trabalha de madrugada e vê coisas que não existem.

Algumas semanas se passaram e nada acontecia durante o dia naquela casa, seu

portão continuava com dois grandes cadeados fechando o portão, como se ainda

estive vazia, porém quando a noite chegava, Toninho ouvia os cachorros

caminhando no quintal. Deviam ser grandes pelo barulho que vaziam.

Durante o dia nunca viram ninguém na casa, lixo colocado pelo lado de fora, ou

qualquer barulho dos cachorros.

Numa outra madrugada, Toninho viu um sedam preto entrar e não o viu sair mais.

Teria algo sobrenatural acontecendo ali? O que esse vizinho faz que ninguém o vê

sair ou chegar? A única coisa que Toninho tinha certeza, era que os dois cães não

eram pets e sim guardiões que só apareciam a noite.

Um dia ele parou sua moto, próximo ao portão, desceu e foi ver o que acontecia

naquela casa a noite e os cães quase derrubaram o portão fazendo-o sair

disparado com sua moto.

Na noite seguinte, curioso e inquieto, Toninho resolveu voltar. Estacionou a moto

mais longe, caminhando até a casa do 841 com o motor desligado, os faróis

apagados. O portão permanecia trancado com eles, dois cadeados, mas os cães

não latiam. Não havia som algum, exceto o canto abafado de um grilo.

Silêncio demais.

Ele se aproximou do portão devagar, até encostar os dedos nas grades frias. Foi

então que ouviu. Um sussurro vindo do fundo do quintal.

— Toninho...

Recuou, o coração batendo no pescoço. Olhou para os lados. Ninguém. Mas a voz

tinha dito seu nome. Com clareza. Como se o chamassem de dentro de um sonho

— ou de um pesadelo.

E então os cães apareceram.

Ou o que pareciam ser cães.

Seus olhos não refletiam luz. Eram esferas negras alaranjadas, profundas, como

buracos no tecido da noite. Tinham corpo de animal, mas seus movimentos

eram... errados. Eram rápidos demais. Silenciosos demais. Um deles parou diante

do portão. Encarou Toninho e ele ouviu em sua mente.

— Ainda não é sua hora.

Toninho tropeçou para trás, caiu sentado no asfalto. Quando ergueu o olhar, a

criatura havia sumido. A casa estava apagada novamente. Nem um som. Nem

respiração. Nem grilo.

No dia seguinte, Toninho tirou folga. Disse que estava doente. Trancou-se em casa,

com todas as luzes acesas. Mas o medo não passava. Tinha certeza de que aquele

homem do sobretudo não era apenas um vizinho excêntrico. E os cães não

estavam ali para guardar a casa — estavam ali para guardar o que estava dentro

dela.

Na madrugada seguinte, Toninho não conseguiu resistir. Estacionou a moto um

pouco mais longe e voltou a pé, passos cuidadosos, olhos atentos. Queria

observar. Só observar. Nada de tocar o portão outra vez.

Mas a casa parecia... diferente. Quieta.

Não havia cadeado. O portão estava apenas encostado.

Sentiu um arrepio na espinha. Aquilo não fazia sentido. Ninguém mexia naquele

portão há semanas.

Respirou fundo, deu dois passos à frente, mas parou. Algo no instinto lhe dizia

para não passar dali.

Foi então que percebeu: havia alguém na varanda. O homem do sobretudo.

Sentado numa cadeira de balanço, imóvel, de cabeça baixa.

Toninho não conseguia ver seu rosto. Nem os olhos. Mas sentia o peso daquele

olhar, mesmo de longe.

Quis recuar, mas seus pés não obedeceram de imediato.

E então, como se o homem o tivesse ouvido pensar, ergueu lentamente o rosto.

E sorriu.

Um sorriso sem alegria. Apenas a curva seca de quem sabe mais do que deveria.

Toninho virou-se de súbito, montou na moto e foi embora sem olhar para trás.

Nunca contou aquilo pra ninguém.

Nos dias seguintes, o portão voltou a estar trancado com os dois cadeados. Os

cães voltaram a rondar à noite. A casa seguiu silenciosa durante o dia, como se

nada tivesse acontecido.

Mas Toninho mudou.

Parou de fazer ronda naquela rua.

E, toda vez que passava perto da casa 841 — mesmo de longe — sentia o mesmo

arrepio.

Como se alguém, lá de dentro, ainda estivesse esperando por ele.

12º Sexta-feira - O pregador e o poço


        O pregador e o poço


Todo mundo, aqui no Igarapés, lembra do Pregador da Esquina.

Um sujeito esquisito, magro, de olhar tão fundo que parecia enxergar o que

ninguém mais via. Ele aparecia todo domingo, bem ali, na esquina do campo.

Ficava de pé, segurando aquele livro velho, com capa rasgada, folhas amareladas

e cheias de rabiscos.

Não era bem uma Bíblia. Era... sei lá. Um livro de avisos. De alertas.

Ele não falava de Deus, nem de céu. Ele falava do mal que crescia ali. E sempre

começava do mesmo jeito, abrindo o livro e lendo em voz alta:

— “O poço está aberto. Fujam dele.”

Eu não sei se, na época, alguém levava isso a sério. Uns riam. Outros

atravessavam pra calçada oposta. Mas quem parava pra ouvir... saía de lá meio

estranho, olhando pros lados, meio desconfiado.

Ele falava que o bairro comprometido. Que tinha uma coisa aqui. Uma coisa

antiga. Um mal que se escondia nas sombras, na água da lagoa, nos meio dos

bambuzais, na fria neblina do outono,... e principalmente... naquele poço velho

nos fundos da casa dele, na Rua Tupari.

— “Foi dali que começou. E dali não deveria ter saído...” — dizia, apontando pro

chão, com o dedo torto e sujo.

E não era só papo não. Ele citava sua casa nº666 na Rua Tupari — aquela dos

barulhos, das panelas voando. Falava do bar que fechou depois de recusar uma

pinga a um estranho. E até do dia em que um andarilho apareceu vindo da rodovia

Dutra, falando que o fim do mundo começava... aqui.

Só que, de uma hora pra outra, o Pregador sumiu. Simples assim.

A porta da casa dele ficou aberta. As luzes apagadas. O poço no fundo do

quintal... trancado com uma tampa velha e rachada.

E foi aí que começaram os gritos.

Quem mora por ali, jura que ouviu — e eu também ouvi —, bem no meio da

madrugada, aquela voz rouca, sufocada, saindo do poço:

— “ME TIREM DAQUI! PELO AMOR DE DEUS, ME TIREM DO POÇO!”

Sabe aquele tipo de coisa que você quer muito acreditar que é sua cabeça

pregando peça? Pois é. Mas não era. Vizinhos foram lá, iluminaram o poço,

jogaram corda... nada. Os bombeiros foram chamados e nada.

Só eco. Só vazio. Só aquele cheiro estranho de terra molhada misturado com...

não sei dizer... ferrugem talvez... ou coisa podre.

Foram três noites assim. Grito. Silêncio. Grito. Silêncio. Até que... acabou.

No domingo, quem passou na esquina do campo achou o livro.

Aquele mesmo. A capa toda encharcada, aberta bem na primeira página.

E lá estava, escrito em letras tortas, meio tremidas:

“Estou no Poço das Almas. Cuidem do que vive nesse bairro. Não olhem para

trás.”

Desde então... Bom... Se você mora aqui, sabe.

Sabe que a casa 666 nunca mais teve quem se atrevesse a morar. Que no campo,

na Rua Maia... bem... melhor nem falar. E que a lagoa... ficou mais escura.

E, de vez em quando... quando o vento bate mais forte... se escuta, vindo lá da

esquina:

— “O mal mora aqui...”

E se você tiver juízo... não olha pra trás.

quarta-feira, 25 de junho de 2025

Um dia com Ele

 


Depois de uma conversa com um amigo, uma pergunta ficou martelando na minha cabeça:

— Com quem você passaria um dia, se pudesse escolher qualquer pessoa?

Respondi sem pensar, mas algo naquela pergunta grudou em mim. Fiquei imaginando... e talvez fosse assim:

Simplesmente abri os olhos. E Ele estava ali. Na minha frente.

Como reconhecê-Lo se nunca O vi?

— Olá. Tudo bem com você? — disse Ele com a voz mais serena que já ouvi.

— Sim... — respondi, meio zonzo — Onde estou? Quem é você?

— Você queria passar um dia comigo — disse abrindo os braços com um sorriso calmo.

— Aqui estou.

Olhei ao redor. Estávamos sentados em bancos macios, no meio de um imenso campo gramado, salpicado de pequenas flores amarelas e brancas. O lugar transbordava paz.

— Você escolheu esse cenário. Acredito que, no fundo da sua mente, era o que desejava para este momento.

— É lindo... — murmurei, encantado.

— Você tem um gosto maravilhoso. Também adoro lugares assim, onde reina a calma.

— Você é Ele? Digo, o Senhor?

— Sim, sou — respondeu, com um leve sorriso.

Tudo ali parecia retirado de um sonho. O céu começava a se tingir de laranja com o nascer do sol. Animais pastavam ao longe, com uma leveza inacreditável, contornando as flores como se respeitassem a beleza delas.

— Eu... morri? — perguntei, surpreendentemente tranquilo.

— Não, meu amigo. Você apenas desejou estar aqui. E Eu vim ao seu encontro.

— É... eu desejei muito. Só nunca imaginei que seria possível.

— E como você está? Apesar de tudo isso estar acontecendo agora?

Virei para olhá-Lo de frente. E então percebi algo estranho: eu O via com nitidez, mas não conseguia descrevê-Lo. Era como se minha mente não soubesse processar o que via. Não havia cor, idade, raça ou traço específico. Mas eu sabia, com todo o meu ser, que era Ele.

— Não se preocupe com isso — disse, lendo meus pensamentos. — Apenas relaxe.

Ele riu levemente, e percebi que estava se divertindo com minha tentativa frustrada de descrevê-Lo.

— Acho que estou bem. Mas, sinceramente, não sei o que dizer. O que perguntar. É tudo tão... surreal.

— Tudo bem. Fique à vontade. Podemos apenas conversar, se quiser.

— Esse lugar... é lindo demais. — Foi só o que consegui dizer.

— E você ainda não viu tudo. Olhe para a esquerda. Sei que você gosta de lagos.

E, como se um pintor começasse a desenhar diante de mim, surgiu um pequeno lago de águas cristalinas. Era mágico.

— Vamos pescar?

Antes que eu respondesse, já estávamos à beira do lago, cada um com uma vara de pesca na mão.

— Também gosto de pescar. Costumavam me chamar de pescador de homens. Sou bom nisso — disse Ele, com um sorriso brincalhão.

Olhei surpreso e, antes que pudesse responder, Ele apontou:

— Acho que você pegou um.

Puxei a linha com entusiasmo e vi o peixe deslizar na água, relutante. Sorri. Adoro pescar. Ele sabia.

Conversamos sobre tudo. O lago, o céu, os cachorros que eu amava, os trovões que eu não suportava. Falamos sobre o espaço, o mar, a vida. Nada de perguntas profundas. Apenas conversa. Natural, leve.

Em algum momento, confessei que nunca teria coragem de andar sobre as águas — só de pensar, me dava arrepios. Ele riu, aquele riso gostoso, longo.

Ele também fisgou um peixe. Quando olhei o cesto ao lado Dele, estava cheio.

— Ei, isso não é justo! Você multiplicou seus peixes!

Caímos na risada. Rimos até as lágrimas escorrerem. Foi um dia perfeito.

O tempo passou devagar. E, quando percebi, já era hora de ir.

Abracei-O com força. Agradeci, com o coração transbordando. E foi então que percebi: não fiz nenhuma daquelas perguntas importantes que eu sempre quis. Nenhuma. E não senti falta.

Ele colocou a mão no meu rosto, depois em meus ombros, e disse:

— Nada é mais importante que você. Siga seu caminho com amor e simplicidade.

Ajude, se puder. E, se não puder, pense com fé: tudo ficará bem. E ficará.

Uma lágrima escorreu. Ele me abraçou mais uma vez. E eu só consegui dizer:

— Eu te amo.

Abri os olhos.

Minha família estava reunida ao meu redor, cantando parabéns. Era meu aniversário.

Obrigado pelo presente.