Vai abrir o portão?
Você não precisa acreditar, mas foi assim... ou será.
Quando Sula disse que tinha visto algo no portão, ninguém levou a sério. Mas
eu, que sou curioso, fui lá conferir.
Tudo começou com um bater de palmas, a Melami — sua cachorrinha — latindo
sem parar, e um grito vindo da cozinha:
— Alguém vai ver quem é?!
Já era bem tarde, as crianças dormiam, e como o marido ainda não tinha
chegado, ela largou as panelas, enxugou as mãos no avental e, resmungando
consigo mesma, foi até o portão.
De cara, notou algo estranho. Não pelas palmas — volta e meia aparecia algum
cliente atrás de um lanche mesmo de madrugada. Mas sim por causa da luz
vermelha que se espalhava por debaixo do portão. Era um brilho trêmulo, meio
esquisito.
Sem pensar muito, abriu o portão.
Na sua frente estava um homem grande, forte, com presença difícil de ignorar.
— Boa noite — disse ele. — Vim buscar o que é meu.
— Meu marido já saiu com todos os pedidos... o seu deve estar chegando.
— Eu só quero o que é meu.
Foi então que ela percebeu que o rosto dele começava a se distorcer, e aquela
luz vermelha subia em volta do corpo do homem. Num reflexo, ela empurrou o
portão de volta passou o trinco e se encostou nele com força, como se o corpo
fosse tranca.
— Você não precisa me deixar entrar. Só quero o que é meu.
— Valei-me, minha protetora... aqui você não entra!
Uma risada fria ecoou, como se ele estivesse bem do lado dela. Ela começou a
chorar, a gritar, segurando o portão com toda a força.
Uma... duas... três batidas — cada uma mais forte que a outra.
— Só quero o que é meu!
— Vai-te embora! Suma daqui!
Mais três batidas. Agora mais suaves.
— Amor, abre o portão pra mim. Sou eu.
Ela se assustou. Era a voz do marido. Ou parecia ser.
Chamou pelo nome. Ele respondeu. Perguntou quem estava com ele.
— Abra, mulher. Sou eu! Tô sozinho, ué. Que maluquice é essa?
Ela se afastou um pouco, olhou pela fresta. Era o marido, sim, sobre a moto. Mão
já no trinco... mas então se deu conta: não tinha ouvido o barulho da moto
chegando.
— Você não me engana. Vai-te embora, bicho ruim!
— Mulher, tu bebeu foi? Abre esse portão!
Era o jeito dele. A mochila de entregas nas costas, o capacete. Parecia mesmo o
marido. Ela abriu devagar.
Assim que ele tirou o capacete, ela se jogou nos braços dele, chorando.
Contou tudo. Achou que ele fosse rir, mas não.
— Assim que saí da nossa rua — ele disse — encontrei o Luiz ali perto da lagoa.
Ele me pediu um cigarro. Falei que tava atrasado, mas parei e dei. Aí brinquei,
dizendo: “Se eu atrasar de novo hoje, até o coisa ruim vai vir buscar o lanche em
casa!”
Os dois se entreolharam, abraçados, e correram pra dentro. Quando já dentro de
casa escutaram as palmas novamente.
E você sairia?
Iria abrir o portão?
Eles mudaram-se do bairro na mesma semana, mas...
É como sempre digo: Uma vez morando no Igarapés, cuidado com as palavras.
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