sexta-feira, 27 de junho de 2025

Encerramento - O acerto final

     O acerto final

Estava digitando quando olhei para o relógio do computador: hoje, sexta-feira, 13 de junho de 2025.

23:15 (hora local)

Foi naquela noite antiga, quando aquele homem de olhos fundos, acompanhado de uma neblina, me procurou no portão e que tudo começou.

Disse que queria histórias. Pediu que eu contasse o que sussurravam as sombras daqui. Na hora, achei estranho. Hoje entendo. Não foi um pedido. Foi um acerto.

Treze contos já foram contados. Treze fissuras abertas nos recantos do Igarapés. Mas agora... é a vez dele.

23:30 (hora local)

As luzes começam a piscar. Sinto. Há alguém está atrás de mim.

Devagar, viro a cabeça. É ele. O mesmo homem sinistro. Mas agora vejo detalhes que antes não notei. Me parece familiar.

— Disse pra contar as histórias do Igarapés — sua voz ecoa como se viesse de todos os lugares que escrevi. — Contou direitinho. Cada palavra no lugar certo. Não exatamente o que aconteceu, mas quem vive aqui lembrara de algo ao ler.

Ele caminha pela casa, seus passos como se conhecesse bem minha casa fazem o som de folhas secas. Então pega meus papéis e lendo ri.

— A lagoa agora reflete o que não deveria existir. Pobre velho e sua neta, eu os avisei. Presença em casa, isso sempre teve e a muitos que ainda nem percebem. Uivos, lobo... Não sei disso não... rsrsrs. O bambuzal sussurra nomes de quem ainda não morreu. Esse do lanche foi interessante. Destinado a alguém? — Ele me encara. — Com o vizinho, requer cuidado. O pregador... Belo trabalho.

Sinto um frio que vem de dentro.

— Cada história foi uma chave, não foi? — contínuo, tentando entender. — Você me usou para abrir algo?

— Abrir? — Ele ri, um som que lembra o Seu Valdir, mas distorcido. — Não, meu caro escriba. Para chamar. Cada conto foi um convite a lembrança. Um chamado para que eles viessem. Nem todos esquecem o que aconteceu nesse bairro.

23:45 (hora local)

A casa parece respirar. As paredes gemem. E eu percebo: não são gemidos. São vozes. Todas as vozes dos meus contos, sussurrando juntas.

— Eles estão aqui agora — ele diz, abrindo os braços. — Todos. O homem da lagoa, o passageiro do ônibus, a professorinha, O velho do bambuzal... Treze aberturas, treze presenças. E você... você foi o anfritrião.

Ele estende uma folha em branco.

— Só falta uma coisa. Seu nome. Como autor da passagem. Como aquele que trouxe o Outro Lado para cá.

— E se eu não assinar?

Ele sorri, e reconheço esse sorriso. É o mesmo que imaginei no rosto do pregador, e no espectro no espelho, em todos os personagens sinistros que criei.

— Você vai assinar. Porque não é mais você quem escolhe. Há treze sextas-feiras, você deixou de ser só o autor. — Ele se inclina por sobre minha mesa. — Agora você é apenas... um personagem.

A caneta está na minha mão. Não lembro de tê-la pegado. Meus dedos se movem sozinhos, traçando letras que conheço, mas que parecem vir de outra pessoa.

24:00 (hora local)

Ele olha o relógio sorrindo. As luzes se apagam de vez. Na escuridão, ouço risadas que reconheço: são minhas próprias risadas, vindas dos contos que escrevi.

Minha assinatura está completa no papel.

— Bem-vindo ao Igarapés — ele sussurra. — O verdadeiro Igarapés.

Quando a luz voltou, eu estava do lado de fora. No portão. Esperando.

Agora sou eu quem bate nas casas à meia-noite. Pedindo para as pessoas contarem histórias. Fazendo novos acertos.

O Igarapés sempre precisou de alguém para abrir as portas. E sempre haverá alguém disposto a escrever.

Se você está lendo isso... cuidado com as histórias que conta. Principalmente se forem sobre o bairro Igarapés.


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