O acerto final
Estava digitando quando
olhei para o relógio do computador: hoje, sexta-feira, 13 de junho de 2025.
23:15 (hora local)
Foi naquela noite antiga, quando aquele homem de olhos
fundos, acompanhado de uma neblina, me procurou no portão e que tudo começou.
Disse que queria histórias. Pediu que eu contasse o que
sussurravam as sombras daqui. Na hora, achei estranho. Hoje entendo. Não foi um
pedido. Foi um acerto.
Treze contos já foram contados. Treze fissuras abertas nos
recantos do Igarapés. Mas agora... é a vez dele.
23:30 (hora local)
As luzes começam a piscar. Sinto. Há alguém está atrás de
mim.
Devagar, viro a cabeça. É ele. O mesmo homem sinistro. Mas
agora vejo detalhes que antes não notei. Me parece familiar.
— Disse pra contar as histórias do Igarapés — sua voz ecoa
como se viesse de todos os lugares que escrevi. — Contou direitinho. Cada
palavra no lugar certo. Não exatamente o que aconteceu, mas quem vive aqui
lembrara de algo ao ler.
Ele caminha pela casa, seus passos como se conhecesse bem
minha casa fazem o som de folhas secas. Então pega meus papéis e lendo ri.
— A lagoa agora reflete o que não deveria existir. Pobre
velho e sua neta, eu os avisei. Presença em casa, isso sempre teve e a muitos
que ainda nem percebem. Uivos, lobo... Não sei disso não... rsrsrs. O bambuzal
sussurra nomes de quem ainda não morreu. Esse do lanche foi interessante.
Destinado a alguém? — Ele me encara. — Com o vizinho, requer cuidado. O
pregador... Belo trabalho.
Sinto um frio que vem de dentro.
— Cada história foi uma chave, não foi? — contínuo, tentando
entender. — Você me usou para abrir algo?
— Abrir? — Ele ri, um som que lembra o Seu Valdir, mas
distorcido. — Não, meu caro escriba. Para chamar. Cada conto foi um convite a
lembrança. Um chamado para que eles viessem. Nem todos esquecem o que aconteceu
nesse bairro.
23:45 (hora local)
A casa parece respirar. As paredes gemem. E eu percebo: não
são gemidos. São vozes. Todas as vozes dos meus contos, sussurrando juntas.
— Eles estão aqui agora — ele diz, abrindo os braços. —
Todos. O homem da lagoa, o passageiro do ônibus, a professorinha, O velho do
bambuzal... Treze aberturas, treze presenças. E você... você foi o anfritrião.
Ele estende uma folha em branco.
— Só falta uma coisa. Seu nome. Como autor da passagem. Como
aquele que trouxe o Outro Lado para cá.
— E se eu não assinar?
Ele sorri, e reconheço esse sorriso. É o mesmo que imaginei
no rosto do pregador, e no espectro no espelho, em todos os personagens
sinistros que criei.
— Você vai assinar. Porque não é mais você quem escolhe. Há
treze sextas-feiras, você deixou de ser só o autor. — Ele se inclina por sobre
minha mesa. — Agora você é apenas... um personagem.
A caneta está na minha mão. Não lembro de tê-la pegado. Meus
dedos se movem sozinhos, traçando letras que conheço, mas que parecem vir de
outra pessoa.
24:00 (hora local)
Ele olha o relógio sorrindo. As luzes se apagam de vez. Na
escuridão, ouço risadas que reconheço: são minhas próprias risadas, vindas dos
contos que escrevi.
Minha assinatura está completa no papel.
— Bem-vindo ao Igarapés — ele sussurra. — O verdadeiro
Igarapés.
Quando a luz voltou, eu estava do lado de fora. No portão.
Esperando.
Agora sou eu quem bate nas casas à meia-noite. Pedindo para
as pessoas contarem histórias. Fazendo novos acertos.
O Igarapés sempre precisou de alguém para abrir as portas. E
sempre haverá alguém disposto a escrever.
Se você está lendo isso... cuidado com as histórias que
conta. Principalmente se forem sobre o bairro Igarapés.
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