segunda-feira, 9 de junho de 2025

11ª Sexta-feira - Senha 23

 

                                Senha 23



Quando se está no postinho do Igarapés, o tempo não passa. Os ponteiros do
relógio relutavam em mexer-se. A manhã parecia não querer terminar.
Como sempre estava lotado, todos os assentos tomados e aquela senhora
encostada na parede da sala de espera observava tudo com sua senha na mão.
ID23. Revezava seu olhar entre o papel em sua inquieta mão e o painel eletrônico
que mostrava números diversos, como regendo quem deveria ser atendido ou não.
— Quatorze. — anunciava a voz metálica, ecoando pela sala.
A mulher girava o papel na mão, os dedos trêmulos, e prendia o fôlego. Quando
percebia que não era sua vez, soltava um suspiro que misturava frustração e
tristeza. Isso se repetia a cada chamada.
— Dezenove.
— Vinte.
Um a um, os rostos iam sumindo da sala. Até que, restando poucos, ela parecia
ganhar mais contornos. Antes quase invisível, agora era impossível não a notar —
pálida, imóvel, olhando fixamente para o painel, como se sua vida dependesse
dele.
A atendente, já acostumada a lidar com atrasos, erros no sistema e reclamações,
percebeu algo estranho. Havia uma senha a mais ali. Conferiu a lista. Conferiu os
papéis. Conferiu os rostos.
Não batia.
Levantou-se, olhou em volta e percebeu que... ela não estava mais ali.
— Estranho... Tinha uma senhora ali — sussurrou, franzindo a testa e apontando
para o fundo da sala.
Todos voltaram suas cabeças para o local apontado, dizendo não ter visto. Voltou
para a mesa. Mal se sentou, a voz de um homem que aguardava chamou sua
atenção:
— Moça... acho que ela já entrou na sala do doutor. A porta está fechada.
A atendente olhou imediatamente para a porta do consultório. Estava fechada,
como sempre, sinal de que o médico estava atendendo.
Olhou pra o painel e nele registrava ainda o número anterior chamado.
Curiosa — e, de certa forma, aliviada por resolver aquele pequeno mistério —
levantou-se e foi até lá. Bateu na porta, ouviu um “entra” meio abafado e girou a
maçaneta.
O consultório estava... vazio.
Só o doutor, organizando alguns papéis.
— Ué... a paciente que entrou agora, cadê?
Ele levantou o olhar, confuso:
— Saiu... há pouco. Pedi para esperar um minuto, quando vi já havia saído e
fechado a porta. Acho eu.
— Como assim? Eu... não vi ninguém sair... — disse, olhando em volta, sentindo o
frio subir pela espinha.
O médico franziu a testa, cruzou os braços e ficou olhando fixamente para ela.
— Ela... estava segurando uma senha, né? — perguntou baixinho, quase
sussurrando.
— Não sei.
O médico respirou fundo, se encostou na cadeira e, depois de alguns segundos,
revelou:
— Disse que era a próxima, número 23.
— Doutor, só atendemos 22 pessoas por dia
O silêncio que se seguiu foi quebrado apenas pelo som do visor eletrônico
piscando mais um número e anunciando pela voz eletrônica.
— Vinte e três.
Ambos olharam assustados ao ver a cadeira mover sozinha e uma sombra se
mexeu, como se alguém estivesse se levantando dela.
O doutor e a atendente saíram imediatamente da sala enquanto ouviam uma leve
risada ficando pra trás.
A atendimento encerrado.




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