Quando ele entrou no ônibus da linha Germana, muitos pensaram: “Lá vem mais um caipira...”
Mas nem sempre as coisas são o que parecem.
Genésio, com suas roupas simples, fala mansa e sotaque puxado, chamou atenção logo de cara. Carregava nas costas uma mochila surrada, de onde despontavam duas varas de pesca telescópicas.
Nunca tinha pego aquele ônibus antes, que cruzava a cidade de ponta a ponta — do bairro Paiol até Germana, ambos na zona rural.
Chegando à porta, cumprimentou o motorista com um sorriso largo e um tom animado:
— Dia, seu motorista! O sinhô vai até a Germana? Perto do pesqueiro Trutão? Ah, então é esse mesmo que eu vou!
Alguns passageiros se entreolharam, despertos pela fala inusitada. Outros já riam discretamente.
— Dia, seu trocador! Quanto custa essa viagem? Vixe, sô... num tenho trocado, não.
Mais risadas abafadas. O motorista, com um meio sorriso, explicou:
— O senhor tem mais de 65? Então não precisa pagar. Pode descer pela frente.
— É memo? Uai... Então, dia povo de trás!
Foi passando pelo corredor com gentileza:
— Licença, licença... Obrigado. Vou me acomodar aqui mesmo, do lado dessa moça bonita.
Sentou-se ao lado de uma jovem de cabelo vermelho, fones no ouvido e camiseta de banda de rock. Ela lia um mangá e pareceu surpresa, mas respondeu com educação:
— Não foi nada, senhor.
— Bonita sua blusa, moça.
— Obrigada...
Os rapazes perto do cobrador começaram a rir, imitando o jeito dele falar. Um deles cochichou alto:
— Olha só... o caipira e a maluca. Casal do dia!
A menina encolheu-se, envergonhada. Genésio, no entanto, nem se abalou.
— Dia bom pra pesca, né? Quero ver se pego um tilapão hoje.
De repente, um cocoricó ecoou pelo ônibus. Um galo. Alto.
Gargalhada geral.
Genésio, tranquilo, sorriu:
— Opa! Meu celular...
Abriu a mochila e tirou um iPod de última geração. Silêncio. Ninguém esperava por aquilo.
— Alô? Espera aí que eu vou ver se dá pra negociar...
Vasculhou a mochila de novo e, diante dos olhos arregalados dos passageiros, puxou um tablet novinho. Conectou um modem 4G e começou a digitar.
— Alô, Ricardo? Pode vender uns cinquenta. Mas avisa o pessoal do frigorífico que os outros cento e cinquenta só sai se me pagarem a diferença do dólar. Tá certo, abraço pro cê também.
No tablet, piscava a mensagem: “Negócio fechado.”
Logo em seguida, uma videochamada se abriu. Um homem de terno apareceu na tela:
— Sr. Genésio, o carro está pronto. Quer que vá buscá-lo?
— Carece não, meu filho. Tô indo pescar com o Haroldo. Ele me leva mais tarde. Abraço!
Desligou, meio atrapalhado pelo balanço do ônibus, guardou tudo de volta na mochila, conectou os fones e ajeitou-os nos ouvidos.
Virou-se pra moça ao lado e disse:
— Essa sua banda é boa, mas eu gosto mais de Nirvana.
O silêncio tomou conta. Ninguém mais ria.
Quando o ônibus parou em frente ao pesqueiro, lá estava um carrão importado esperando. Genésio desceu com calma, ajeitou a mochila no ombro e, já no último degrau, virou-se sorrindo:
— Obrigado, seu motorista, seu trocador... ô gente boa. Vão com Deus!
E seguiu seu caminho, deixando pra trás um ônibus cheio de gente calada — e um baita aprendizado sobre julgar pelas aparências.
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