domingo, 1 de setembro de 2013

As aparências enganam

Quando ele entrou no ônibus da linha Germana, muitos pensaram: “Lá vem mais um caipira...”
Mas nem sempre as coisas são o que parecem.

Genésio, com suas roupas simples, fala mansa e sotaque puxado, chamou atenção logo de cara. Carregava nas costas uma mochila surrada, de onde despontavam duas varas de pesca telescópicas.

Nunca tinha pego aquele ônibus antes, que cruzava a cidade de ponta a ponta — do bairro Paiol até Germana, ambos na zona rural.

Chegando à porta, cumprimentou o motorista com um sorriso largo e um tom animado:

Dia, seu motorista! O sinhô vai até a Germana? Perto do pesqueiro Trutão? Ah, então é esse mesmo que eu vou!

Alguns passageiros se entreolharam, despertos pela fala inusitada. Outros já riam discretamente.

Dia, seu trocador! Quanto custa essa viagem? Vixe, sô... num tenho trocado, não.

Mais risadas abafadas. O motorista, com um meio sorriso, explicou:

— O senhor tem mais de 65? Então não precisa pagar. Pode descer pela frente.

É memo? Uai... Então, dia povo de trás!

Foi passando pelo corredor com gentileza:

Licença, licença... Obrigado. Vou me acomodar aqui mesmo, do lado dessa moça bonita.

Sentou-se ao lado de uma jovem de cabelo vermelho, fones no ouvido e camiseta de banda de rock. Ela lia um mangá e pareceu surpresa, mas respondeu com educação:

— Não foi nada, senhor.

Bonita sua blusa, moça.

— Obrigada...

Os rapazes perto do cobrador começaram a rir, imitando o jeito dele falar. Um deles cochichou alto:

— Olha só... o caipira e a maluca. Casal do dia!

A menina encolheu-se, envergonhada. Genésio, no entanto, nem se abalou.

Dia bom pra pesca, né? Quero ver se pego um tilapão hoje.

De repente, um cocoricó ecoou pelo ônibus. Um galo. Alto.

Gargalhada geral.

Genésio, tranquilo, sorriu:

Opa! Meu celular...

Abriu a mochila e tirou um iPod de última geração. Silêncio. Ninguém esperava por aquilo.

Alô? Espera aí que eu vou ver se dá pra negociar...

Vasculhou a mochila de novo e, diante dos olhos arregalados dos passageiros, puxou um tablet novinho. Conectou um modem 4G e começou a digitar.

Alô, Ricardo? Pode vender uns cinquenta. Mas avisa o pessoal do frigorífico que os outros cento e cinquenta só sai se me pagarem a diferença do dólar. Tá certo, abraço pro cê também.

No tablet, piscava a mensagem: “Negócio fechado.”
Logo em seguida, uma videochamada se abriu. Um homem de terno apareceu na tela:

Sr. Genésio, o carro está pronto. Quer que vá buscá-lo?

Carece não, meu filho. Tô indo pescar com o Haroldo. Ele me leva mais tarde. Abraço!

Desligou, meio atrapalhado pelo balanço do ônibus, guardou tudo de volta na mochila, conectou os fones e ajeitou-os nos ouvidos.

Virou-se pra moça ao lado e disse:

Essa sua banda é boa, mas eu gosto mais de Nirvana.

O silêncio tomou conta. Ninguém mais ria.

Quando o ônibus parou em frente ao pesqueiro, lá estava um carrão importado esperando. Genésio desceu com calma, ajeitou a mochila no ombro e, já no último degrau, virou-se sorrindo:

Obrigado, seu motorista, seu trocador... ô gente boa. Vão com Deus!

E seguiu seu caminho, deixando pra trás um ônibus cheio de gente calada — e um baita aprendizado sobre julgar pelas aparências.



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