quinta-feira, 12 de setembro de 2013

O rapaz do sagui


Há histórias que ficam guardadas em nossa memória e nunca devem sair de lá. Outras têm seu tempo certo de serem reveladas.

Depois de mais uma manhã de atividades na pequenina capela onde nosso grupo de jovens se reunia, saímos, eu e mais dois amigos, para tomar uma cervejinha. O bar ficava bem em frente à capela, e sempre que possível, nos reuníamos ali.

O papo estava animado, até que um rapaz entrou com um sagui sobre o ombro direito, chamando a atenção de todos.

Estranhei o silêncio repentino dentro do bar e brinquei, perguntando:

— O que aconteceu? Será que o dono da banca chegou?

O rapaz, ouvindo minha brincadeira, veio em minha direção. Não sei por quê, mas estendi a mão para ele e ofereci meu copo de cerveja. Ele, estranhando minha reação, aceitou e bebeu, enquanto eu brincava com o sagui.

Ao terminar, agradeceu, cumprimentou-me e foi embora. Só então o bar voltou ao normal, e fiquei sabendo que aquele rapaz era procurado e considerado perigoso. Atualmente morava no bairro e era bem conhecido — menos pelo espertinho aqui.

Assim ficou até um mês depois...

Era dia de festa. Nossa comunidade de jovens da capela comemorava mais um ano de vida. Tudo era alegria.

A comemoração naquele ano já estava organizada e começou muito bem para nós. A abertura da festa foi um evento esportivo: futebol de quadra masculino e feminino. Os rapazes venceram por pouco, mas as meninas... show de bola. Ganharam e bem, da equipe das Lojas Glória.

Voltávamos para casa, deixando as meninas em suas respectivas casas — costumeiro comportamento dos rapazes daquela época. Quando chegamos à rua da capela, faltando cerca de duzentos metros para deixarmos a última menina, paquera de um colega, cruzamos com um rapaz.

Segundo esse colega, o rapaz mexeu com sua paquera, e ele respondeu algo — nada ofensivo, segundo ele.

Como seguíamos mais à frente, não ouvimos ou vimos nada. Estávamos descontraídos, comentando os resultados das vitórias. Éramos seis rapazes e mais a menina. De repente, na subida da rua, próximo à escola estadual, fomos cercados por uns quinze rapazes, com paus e pedras na mão.

Fizeram um círculo ao nosso redor e ameaçavam nos bater.

Sem entender o que acontecia, eu pedia calma e perguntava o que havia acontecido.

Aquele mesmo rapaz que provocara o colega disse que ele o havia “tirado” e queria ver sua coragem agora. Começaram a se aproximar cada vez mais. Enquanto eu e os colegas nos preparávamos para a briga e pedíamos calma, um rapaz começou a abrir caminho entre os que nos cercavam, perguntando o que estava acontecendo.

Era o cara do sagui, também conhecido como Antônio Bala. Vi como todos o respeitavam — deram um passo para trás.

Ele perguntou a um dos rapazes o que tinha acontecido e depois veio até mim.

— Oi, Padreco. O que vocês fizeram com o rapaz?

Chamou-me assim por eu estar sempre na capela, embora eu nunca o tivesse visto por lá.

— Nada, Antônio. Não fizemos nada. Foi só um mal-entendido, por causa da garota.

— Saia daqui com ela. Ninguém vai fazer nada com vocês.

— Antônio, não precisa acontecer nada. Deixe todos irem embora. Foi só um mal-entendido. O rapaz até já pediu desculpas.

— Eles querem quebrar vocês. Acho que não foi tão simples assim, Padreco.

— Como te disse, acredite, foi um mal-entendido. Libere todos.

Antônio olhou em volta e, de novo, para mim. Colocou as mãos sobre meus ombros e disse:

— Vai com Deus.

— Tá resolvido. Vão todos embora. E vocês... — disse aos demais — não quero ver nenhum de vocês por aqui novamente.

— Antônio, eu moro aqui. Passo por aqui todos os dias.

— Tranquilo, Padreco. Não te farão nada. Vamos embora.

Naquela altura, todos soltaram um suspiro. Fora por pouco.

Ninguém mais do nosso grupo passou por ali — exceto eu. Era caminho de casa.

Dois anos depois, na festa do meu casamento, vieram me informar que havia um cara querendo entrar no salão de festas, com um presente que queria me entregar pessoalmente. Fui até a entrada e encontrei, já meio chapado, o Antônio.

Ele trazia nas mãos uma caixinha pequena. Deixei-o entrar, e ele me entregou. Era uma xícara com pires — muito bonita, por sinal. Pediu para tirar uma foto comigo, tomou um copo de chope e foi embora.

Soube que, alguns meses depois, fora morto num confronto com outro grupo.

Não tenho mais a nossa foto.
Mas a imagem da entrega do seu presente está gravada na lente do tempo.

Nem todo mundo é totalmente ruim.
E nem ninguém é bom demais.


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