Passei duas noites horríveis, com sonhos desastrosos, onde
Jorge sempre aparecia sorrindo e acenando pra mim. Acordei duas vezes com
Marlene e Rodrigo ao meu lado, me acalmando, acho que os assustei falando alto
enquanto dormia.
Decidi rapidamente
atender ao pedido de Jorge e me livrar daquela situação.
Distribui todo
aquele dinheiro em depósitos nas quatro contas que ele informou e que
acredito ser de seus familiares. Jorge havia separado uma quinta parte para
mim, mas preferi não aceitá-lo e a redistribui entre as mesmas contas.
Com a ajuda de
Marlene e Rodrigo, em dois dias consegui ver-me livre dessa história confusa e
perigosa. Precisava estar livre pra seguir meu caminho, mesmo sem saber pra
onde iria.
Fiquei hospedado
na casa deles por quatro dias, dias esses muito reconfortantes
e agradáveis. Tive a oportunidade de conhecê-los melhor, em especial
Marlene. Mas chegara a hora de retornar a estrada.
Levantei-me cedo
naquele sábado meio cinzento, depois de um bom banho e comer algo leve, estava
pronto pra partir.
Rodrigo insistiu
pra eu ficar mais um tempo, poderia trabalhar com ele na sua agência de
viagens, ele precisava de alguém para auxiliá-lo, mas eu sabia que já era hora
de partir.
Confesso que
fiquei tentado, estava me dando muito bem com eles e havia me aproximado muito
de Marlene, talvez esse até fosse o motivo pra eu partir logo. Senti que
ficamos muito envolvidos com toda essa história e ainda teria que deixar
meu escudeiro, Dingo Pança, pra trás. Pedi uma carona até a rodovia para
Rodrigo e pedi também pra não contar a Marlene de minha partida, apenas após
que eu tivesse partido. Nem mesmo de do meu escudeiro quis me despedir, bem...
Ele não estava por lá mesmo, com certeza estava dormindo em algum canto da
casa.
Já começava a
garoar bem fracamente quando entramos no acesso a rodovia, antes de alcança-la
Rodrigo parou e perguntou-me mais uma vez se era aquilo que eu queria fazer e se
não seria melhor pelo menos pensar por mais uns dias, que pelo menos devia me
despedir pessoalmente de Marlene e Tobi.
Não, eu sabia que
já trouxera confusões demais pra dupla de irmãos e que de repente eu poderia
estar enganado com o que vinha me incomodando muito nos últimos dias, minha
aproximação a Marlene. Tinha que partir. Rodrigo parou o carro e disse:
- A rodovia fica
depois dessa curva, não posso ir além, pois não tem retorno para carro, estamos
muito longe da cidade. Ainda dá tempo de voltar, mas me permita dizer uma
coisa. Para um Quixote que busca de sua Dulcinéia, você faz muito bem seu
papel. Realmente como ele, não enxerga e não compreende nada que está a sua
frente. Meu amigo, nem um bando de bois ou um moinho são seus inimigos, não
vista sua armadura ou corra.
Enquanto eu sorria
balançando a cabeça em negativa a suas palavras, abri a porta do carro,
agradeci e sai.
- Boa sorte pra
vocês Quixote.
Rodrigo retornou o
carro e foi embora. O que ele quis dizer com aquilo?
Ajeitei a mochila
com a rede de Jorge nas costas e fui em direção à curva. Realmente rodamos
muito pra chegar a rodovia, talvez até tivesse outro caminho mais perto, mas
como ele deu-me carona e conhece a região, nada disse.
Quando terminei de
fazer a curva dei de cara com uma cena inesperada, sentada na mureta de acesso
a rodovia, estavam Marlene e Dingo a me esperar. Olhei para trás e Rodrigo
sumira na estrada de terra.
Ao me aproximar,
Marlene levantou-se e veio em minha direção, estendeu-me a mão e disse:
- Está atrasado
Quixote, eu e Tobi, digo Dingo Pança, estávamos pensando que
desistira de ir. Vamos indo, a estrada é longa e a garoa está chegando.
Ainda estático, me
deixando levar por sua mão suave, sorri.
O que dizer...
Ela tinha razão, à garoa chegou.
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