segunda-feira, 19 de novembro de 2012

O sabor da memória

Uma das delícias culinárias mais saborosas que já experimentei foi a comida da tia Dinha, quando passei alguns dias com ela, ainda pequeno.
Isso aconteceu há mais de quarenta anos — e até hoje guardo aquele sabor como um tesouro.

Fico pensando: para uma comida simples permanecer tão viva no subconsciente por tanto tempo, é porque era mesmo especial.
Concordam?

Quando lembro, começo a salivar.
O gostinho vem direto à boca, acompanhado pelo cheirinho bom que parece flutuar no ar.
Fecho os olhos e, pronto: lá está ela — tia Dinha, de cabelos encaracolados, branquinhos, perguntando com seu sorriso carinhoso:

— Mimiu, quer mais?

(Explicando: "Mimiu" era o diminutivo do diminutivo de "Ademirzinho". Só a tia Dinha e algumas primas me chamavam assim. Até hoje, às vezes, ainda ouço um "Miu" perdido nos reencontros familiares.)

De olhos fechados, vejo a cena como se fosse ontem.
Tia Dinha pegava meu prato de plástico — um aparte aqui: desde pequeno eu já tinha a fama de quebrar tudo. Não sei se por alma de descendência grega, mas pratos eram minha especialidade. Depois me aperfeiçoei em copos...
Mas voltando ao almoço...

Ela destampava a velha panela preta de ferro, liberando aquele vapor cheiroso de feijão bem grosso, quase cremoso.
Depois, com todo o cuidado, mergulhava a concha na panela branca esmaltada, de borda escurecida pelo tempo.
Era o arroz: amarelinho, puxando pro vermelho, feito com colorau, soltinho que só.
Ah... se os chineses e japoneses tivessem conhecido o arroz da tia Dinha, tenho certeza: não seriam tão magrinhos!

E então, o momento mais esperado: a mistura.

A mistura era o melhor da refeição — aquela parte sagrada do prato, separada para ser comida por último, com todo respeito.
Na lembrança, é uma linguicinha cortada em pedaços do tamanho do meu dedo mínimo, fritinha e sequinha, do jeito que criança adora.
Tudo isso, é claro, acompanhado de um copo de plástico cheio de "Q-suco".

Talvez eu não consiga traduzir exatamente em palavras o que a lembrança exige, mas...
Hummm... Acreditem: sinto o gosto na boca. É bom demais.

E ainda não acabava por aí: depois das minhas estripulias de criança — e olha que eu dava trabalho! — vinha o café da tarde.
Mas isso... é história para outro texto.

Eu poderia até tentar passar a receita, os segredos dessas delícias...
Mas ficaram no tempo.
Tempo onde vivi tudo isso.

O principal ingrediente, infelizmente, já não está mais aqui.

Minha tia Dinha.

 

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