Percebi ainda adolescente que tínhamos muito em comum: eu e
Beetho.
Desculpem a intimidade, mas Beetho é meu chapa e minha
inspiração desde os idos dos anos 70. Nossa trajetória de vida tem vários
pontos em comum.
Como ele, também nunca me aprofundei muito nos estudos, mas
sempre achei que, um dia, conseguiria melhorar. Quem sabe sair do técnico e ser
um doutor — de preferência advogado, porque, na medicina, eu precisaria mais de
socorros que meus pacientes. Nunca gostei de ver sangue...
Aos oito anos, Beetho já estudava com o melhor mestre de
cravo de sua cidade. Eu também era ligado à música. Quer dizer, de outro
jeito... Eu dançava. Muito.
Tentei me aventurar além e fui aprender violão.
Não posso dizer que meu primeiro professor era o melhor da
cidade, mas devia ser bom: afinal, conseguiu fazer eu aprender a tocar — e até
a compor! Foi aí que a melodia desandou.
Inspirado pelas músicas de Beethoven, resolvi compor uma
canção que começasse com um trecho de sua obra. A preferida, claro, seria sua
Sinfonia Inacabada. Mas... não rolou.
Bem, apelei para outro monstro da música clássica: Chopin.
Só pelo título da composição, acho que já dá para imaginar
qual foi a escolhida.
"Agora teremos mais um participante neste grande e
animado festival! Com música e letra de Ademir de Freitas — eu mesmo —, vamos
ouvir a canção: Apocalipse!"
Foi assim que eu e meu grupo — um bando de malucos que na
época ainda me achava normal — fomos anunciados.
Subimos no palco, todos de preto, diante de uma plateia em
brasa, ensandecida de tanta agitação.
No mesmo instante, parou tudo no colégio Carlão, em Santo
André.
Sem um ruído, nos preparamos. Olhamos para a plateia.
Olhamos para o júri. Em silêncio absoluto.
Então a Gui, uma das "normais" do grupo, iniciou a
introdução da Marcha Fúnebre de Chopin... na flauta doce.
Caracas!
Pensei que a escola ia explodir. Um misto de vaias, gritos e
aplausos tomou conta do lugar. Era impossível decifrar o que sentiam.
Loucura.
Ah! Não pensem que fomos convidados a nos retirar. Pelo
contrário: no final, muitos já cantavam o refrão — digamos, nada propício para
um festival animado:
Tum...
Tum...
Tum, tum...
Tum... Tum, tum...
Tum, tum... Tum, tum... (e a voz tétrica)
Apocalipse!
Saímos da mesma forma que entramos: em silêncio. Um após o
outro.
Ganhamos o festival?
Claro que não.
Saímos o mais rápido possível do colégio — enquanto ainda
tínhamos condições.
He, he, he...
Soube dias depois que um bando de loucos acabou com o
festival do Carlão.
Estão vendo? Tem louco pra tudo.
Eu, hein.
Se eu fosse Beethoven ou Chopin, todo mundo teria adorado e
achado o máximo.
Eu acho.
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