domingo, 17 de março de 2013

O homem da pedrinha azul

 

Sempre gostei muito de jogar pedrinhas e, sem falsa modéstia, era muito bom nesse jogo divertido.

Naquela época, a cidade estava em alvoroço. Diziam que era por causa de um homem chamado de Rei e também pela proximidade da Páscoa.

Devido a toda essa agitação, eu, Haab e Zafet decidimos encontrar um lugar mais tranquilo para desafiar os meninos da vila próxima à residência do governador.

A vila era conhecida como "Entrada do Governador", por estar situada diante da casa do estrangeiro enviado pelo imperador para governar nossa cidade.

Meu pai não gostava dele e dizia que esse homem, que seria Rei, iria mandá-lo embora de nossa terra.

Não sei bem o motivo, mas se papai não gostava dele ou dos guardas que trabalhavam para ele, eu também não gostava.

Escolhemos o Morro das Cruzes como novo local para nossos desafios. Era ali que os ladrões pagavam por seus crimes.
Como era véspera de festa, o lugar estava deserto. Todos estavam em um tal de tribunal, julgando aquele homem que seria Rei.
Acho que iam dar-lhe uma coroa. Sei lá.

Pelas ruas estreitas da vila, nós três corremos em disparada para o morro, ansiosos para chegar primeiro e escolher um bom lugar para jogar.

Ao chegarmos, encontramos alguns homens discutindo sobre três espaços destinados aos futuros prisioneiros.

Não demos muita atenção. Fomos para um canto, limpamos a área e começamos a planejar nosso jogo.

Depois de um tempo, chegaram os primeiros meninos carecas. Eram dois. Um deles eu conhecia bem; já o havia derrotado antes.

Ele, o maior, carregava suas pedrinhas na mão, enquanto o outro as trazia amarradas na cintura, dentro de um saquinho.

Começamos a acertar as regras do jogo. Eu estava ansioso para ganhar suas pedrinhas.

Não demorou muito e apareceram mais dois piolhentos. Hoje, teríamos mais pedrinhas para nossa coleção!

O jogo consistia em acertar nossa pedrinha na do outro menino.
Quem começava escolhia um adversário, que lançava sua pedrinha a certa distância.

O desafiador tinha duas jogadas para acertá-la. Se errasse, a vez passava para o desafiado, que escolhia outro alguém e iniciava uma nova disputa.

Quem acertava ficava com a pedrinha do outro.

Eu tinha uma pedrinha da sorte que nunca me deixara na mão. Era muito bonita, de um azul profundo.

Quem me dera foi um homem que chegara à cidade montado em um burrinho, recebido por todos como se fosse o governador.
Corri junto com meus pais para vê-lo entrar na cidade. Cheguei bem perto dele e, quando desceu do animal, toquei-o.
Ele virou-se para mim e, sorrindo, entregou-me essa pedrinha, dizendo:

— Diga aos que confiam que eu voltarei. Construa sua fé.

Gostei dele. Mas acho que ele não entendia nada de pedrinhas.
Não dá para construir algo com pedras tão pequenas...

A multidão o levou para longe de mim, enquanto eu admirava a pedrinha azul.

Zafet iniciou o jogo desafiando o careca da bolsinha. Ele tirou duas pedrinhas pretas da bolsa.

Já as vira antes — eram do morro que cuspia fogo, de uma terra distante. Algum viajante deve tê-las trazido e dado ao careca piolhento.

Zafet pegou sua pedrinha número dois, a menos bonita, uma amarelada. Guardou a melhor para outra rodada.
Ele a chamava de pedra de oliva, por ser meio verde, encontrada perto das oliveiras. Era sua pedrinha da sorte.

O piolhento iniciou o jogo, atirando sua pedra bem longe — mas não o suficiente para Zafet.

Ele juntou as mãos com a pedrinha dentro, balançou três vezes para dar sorte e a lançou.

Corremos todos para ver onde caíra; ficou a uns três passos da pedrinha do careca.

Formamos um círculo em volta das pedras.
Zafet pegou sua amarelada do chão, soprou-a, balançou e jogou novamente. Errou.

Os piolhentos comemoraram pulando sem parar.

Como Zafet pôde errar? Sempre o achei muito bom nesse jogo... depois de mim, é claro.

Mas acho que a pedrinha do careca não era tão bonita. Zafet nem se esforçou para acertar.

Era a vez dos meninos carecas desafiarem.

Um dos dois que chegaram depois pediu a vez e mostrou sua pedrinha, muito branca com um risco preto. Realmente era bonita.
Olhando-me, disse:

— Quero sua pedrinha azul, perdedor!

Não sei por quê, mas senti um frio na barriga.

Peguei minha pedrinha, limpei-a na roupa e mostrei a todos.
Eles se aproximaram e, como se nunca tivessem visto uma pedrinha azul, ficaram calados, olhando para minha mão.
Todos os meninos já conheciam minha fama de vencedor com ela.

Afastei-me, respirei fundo, olhei mais uma vez para minha pedrinha... e a arremessei.

Nesse momento, começou uma confusão. Gente apareceu de todo lado.

Não perdi minha pedrinha azul de vista, mas não podia pegá-la — senão teria que entregá-la ao desafiador, como desistência.

Afastamo-nos um pouco e logo entendemos a confusão.
Iam executar mais alguns ladrões ali.

Os soldados afastavam as pessoas com suas lanças e faziam um cerco no local, quando chegou um dos ladrões.

Todos sabiam que ele ia ser punido.

Logo após, chegou o outro. Esse eu conhecia — foi preso perto de casa, também por roubo.

Os soldados o arrastaram à força, causando uma tremenda confusão.

De repente, a multidão começou a se afastar, abrindo caminho para o terceiro a ser punido.

Imediatamente o reconheci.

Era o homem que me deu a pedrinha azul.

Aquele que chegou à cidade montado em um burrinho.
O homem que estava no tribunal e diziam que ia ser Rei.

As pessoas falavam que ele curava os doentes e brincava com as crianças.

Todos diziam que iria mandar os estrangeiros embora de nossa cidade.
E agora... estava ali, para ser punido.

Eu não entendia mais nada.

Os piolhentos, com medo dos soldados, saíram correndo. E com eles, meus amigos Zafet e Haab.

Fiquei apenas eu, olhando para aquele homem que carregava um grande pedaço de madeira amarrado às costas, sobre os ombros.
Estava todo machucado, com espinhos na cabeça.

Não consegui sair do lugar.

Mas não perdi de vista minha pedrinha azul.

O jogaram no chão, bem perto da minha pedrinha.
Fiquei parado. Quieto.

Fiquei paralisado enquanto um soldado pegava um cravo enorme e furava seu pulso.

Estava tão assustado que gritei ao ver a cena.

Foi então que um soldado me viu e veio em minha direção.
Pensei: "Tenho que pegar minha pedrinha".

Não ia sair dali sem ela.

Corri, desviei do soldado e cheguei perto daquele homem.
Como se tivesse adivinhado minha presença, ele virou o rosto para meu lado e viu-me agachando para pegar a pedrinha.

Olhou-me tristemente e falou, com a voz fraca:

— Diga que confiem. Eu voltarei.

Nesse momento, bateram o segundo cravo no outro pulso.
Ele gemeu, fez uma cara de dor...

E vi uma lágrima rolar de seus olhos.

O soldado me pegou pela roupa e me arrastou para fora daquele lugar, jogando-me longe.

Ainda no meio do pó, todo arranhado, levantei-me.
Abri a mão.

A pedrinha azul estava ali.

Não consegui mais tirar os olhos daquele homem.
Vi quando o levantaram na cruz e o feriram mais uma vez com a lança.

O que teria ele feito de tão horrível para o machucarem assim?
Ele chegou numa tremenda festa...

E diziam que ajudou tanta gente...

Não sei quanto tempo fiquei ali parado, olhando.
De repente, o homem levantou os olhos para o céu e falou alguma coisa — acho que para seu pai.

Então, deixou cair a cabeça.

De repente, tudo começou a tremer. Escureceu.
Fez um barulho tão forte que tive que tapar os ouvidos.
Tremeu tanto, que todos caíram ao chão.

E... ficou tudo em silêncio.

Muitos saíram correndo de medo.

Eu, não.

Fiquei ali parado, vendo-o.

Ele não se mexia mais.

Os poucos que não correram começaram a ir embora.
Eu fiquei mais um tempo ali, parado.

Vendo tudo com minha pedrinha na mão.

Não entendia por que aquele homem me falou aquilo...
De confiar.

Duas vezes.

E por que ele me deu a tal pedrinha azul?

Vi os soldados retirando-o e entregando seu corpo para um homem rico e algumas mulheres.

Sem saber o porquê, segui aquelas pessoas que levavam o corpo do Homem da Pedrinha Azul.

Uma das mulheres que o acompanhavam — descobri depois — era sua mãe.

Foi ela quem percebeu que eu os seguia.

Ela parou, voltou-se, e olhou-me com seus olhos tristes de chorar.
Aproximou-se de mim, passou a mão sobre minha cabeça e disse:

— Filho, vá para casa. Seu pai o espera.

Fiquei com pena dela, mas obedeci.
Voltei para casa bem devagar.

Também triste pela morte daquele homem bom.

Quando entrei em casa, pelos fundos, meu pai assustou-se e, gritando, mandou-me ficar quieto.

Estava consolando um homem forte e barbudo.
Este homem estava sentado no chão, com as mãos cobrindo o rosto, e balançava a cabeça dizendo sem parar:

— Meu mestre... meu mestre... eu o deixei!

Ele chorava pelo homem que vi ser crucificado.

E não parava de repetir aquelas palavras.

Então, me aproximei devagar, toquei em suas mãos e estendi a minha, com a pedrinha azul na palma.

Repeti as palavras que o Homem me disse:

— Diga que confiem. Eu voltarei.

Ele parou de balançar a cabeça.

Tirou as mãos do rosto e olhou-me nos olhos.

Depois voltou-se para a pedrinha azul e minha mão.

Pegou-a lentamente, e com o olhar assustado, perguntou:

— Onde a encontraste? Eu a dei ao Mestre!

Quando contei toda a história, ele levantou-se, me devolveu a pedrinha azul e disse a meu pai:

— Vou ao encontro da Senhora. Ela precisa de mim.

Meu pai, segurando em seu braço forte, suplicou:

— Não vá, Pedro. Os soldados também o pegarão!

O homem então se virou para mim.
Segurou os meus ombros.

E repetiu as minhas palavras:

— Diga a todos que confiem. Ele voltará.

Ele enxugou as lágrimas, saiu pela porta...

E nunca mais o vi.

Acho que foi por causa da pedrinha azul.
Ela... era Dele.

Do Homem que voltará.

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