sábado, 30 de novembro de 2013

A pipa.

Sábado chegou. Era o meu dia.

Passei a semana inteira me preparando para ele.

Na segunda-feira, ainda bem cedo, já estava na porta do mercadinho do Nagib, esperando abrir. O objetivo era claro: comprar papel azul e branco para fazer a minha pipa. Não era qualquer uma. Era especial. Seria o primeiro sábado das férias, e todos os meninos estariam atrás da escola com suas pipas no ar. Eu também estaria lá, com a minha: a gloriosa “Ramalhina”.

Tinha guardado meu dinheirinho com esforço. Passei a semana sem comprar piruá na escola — aquele milho que não vira pipoca, mas que a gente come assim mesmo —, sem chicletes e sem as maria-moles que vinham entre as bolachas de maizena. Valeu o sacrifício. Saí do mercadinho com as duas folhas nas cores do meu time do coração: o azul e o branco do Ramalhão. Guardei-as com cuidado no alto do guarda-roupa, bem esticadinhas, para não amassar.

Na terça, fui atrás dos gomos de bambu e comecei a preparar as varetas. É um trabalho fino, de paciência. Claro que mamãe apareceu pra reclamar da sujeira. Tive que limpar tudo correndo, mas antes do almoço já estavam prontas. Medi, comparei, pesei. Estavam perfeitas. Saí atrasado para a escola, como sempre. Ainda bem que era a última semana de aula.

Quarta de manhã, montei a armação. Primeiro a vareta vertical, depois a horizontal, formando a cruz. Medi tudo direitinho, ajustei, firmei o centro. Depois enrolei a linha em espiral, contornando a armação e curvando a vareta inferior. Parece complicado? E é mesmo. Levei tempo até aprender. Mas, modéstia à parte, ficou perfeita.

Na quinta, era dia de fazer a rabiola. Cortei metade de cada folha, dobrei uma, duas, três vezes e fui cortando as tiras. Eram muitas — afinal, a rabiola precisava ser vistosa. Estiquei a linha no quintal e comecei a amarrar as fitinhas, uma a uma. Quase me atrasei de novo. Mamãe ameaçou me deixar em casa no sábado, então corri para o banho. Dois minutos. Ela me lançou aquele olhar que dizia “não engana ninguém”, mas já era tarde. Saí em disparada para a escola.

Sexta-feira. O grande dia de encapar a pipa.

Tomei só café com leite, sem tempo pra bolacha de maizena amassada na caneca ou a sopinha de pão — aquele pão francês picadinho com café e açúcar, que só mãe sabe fazer.

Na mesa da cozinha, juntei as duas folhas: metade azul, metade branca. Coloquei a armação por cima e girei para todos os lados, procurando o melhor ângulo. Mamãe deu o palpite final: diagonal. A parte azul embaixo, a branca por cima. Ficou linda. Cortei com cuidado e colei. Enquanto secava, amarrei a rabiola na base da armação e coloquei o estirante — é a linha que usamos pra prender o carretel.

Sim, isso se chama estirante. Não sabiam? Ah, vocês não entendem nada de pipa mesmo... rsrs

Pronto. A mais bela pipa que já fiz estava ali, esperando o céu.

Sábado amanheceu com sol. O céu limpo, perfeito. Os meninos saíam de suas casas com suas pipas e corriam para o morro, atrás da escola. Tinha pipa de tudo quanto é tipo, cor e tamanho. Mas percebi: todos olhavam para a minha. Comentavam. Admiravam.

Começamos a empinar. Nunca vi um céu tão cheio de pipas.

Vieram as brincadeiras: desbicar, perseguir, cortar. Ah, isso vocês sabem, né?

Foi quando apareceu uma pipa vermelha, com uma rabiola branca. E começou a cortar todas as outras.

Como? Como ele conseguia aquilo?

Não... Não! A minha pipa, não...

Mal tive tempo de reagir. A linha foi cortada e ela se foi, voando. Nem corri atrás. Fiquei ali, parado. Bravo. Triste. Fui procurar quem tinha feito isso, saber o porquê.

Não encontrei o menino, mas soube como ele fazia aquilo. Usava linha com cerol — uma mistura perigosa que o primo trouxe de Santos. Um menino bobo e feio, que destruiu o meu sábado.

O pior foi ver que, nas semanas seguintes, quase todos começaram a usar esse tal de cerol. E eu...

Nunca mais fiz ou soltei uma pipa.

Até hoje me pergunto:
Por que sempre tem alguém disposto a estragar o que é bonito?

 

 


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