domingo, 10 de novembro de 2013

Uma noite de Natal - Parte II

Chico vinha caminhando à frente, carregando uma pequena caixa. Logo atrás dele, com passos lentos e cuidadosos, vinha uma mulher. Ela segurava junto ao peito um embrulho envolto numa manta.

— Esta é a Airam — disse Chico, parando diante de nós.

Airam era uma andarilha como nós. Chegara à cidade há alguns anos e, desde então, permanecia por ali, vagando de um canto a outro. Tinha os olhos atentos e desconfiados. Observou-nos um a um, sem estender a mão ou sorrir — apenas acenou com a cabeça, num cumprimento seco.

Chico pediu permissão a ela e, com delicadeza, retirou da caixa uma toalha vermelha, estampada com flores e frutas. Era linda, mesmo que um pouco desbotada.

Leon se aproximou de Airam com o mesmo entusiasmo que mostrara desde o início da noite.

— Olá, Airam. Sejam bem-vindos à nossa noite de Natal.

Sejam bem-vindos? — perguntei, surpreso.

— Sim — respondeu Leon, sem perder o sorriso. — Temos mais dois convidados: Airam e seu filho.

Filho? Aquilo que ela carregava apertado contra o peito… era uma criança?

Airam sorriu de leve, pela primeira vez, e disse que também tinha algo a contribuir.

Leon pegou sua caixa e, de dentro, retirou uma embalagem retangular.

— Amigo — disse ele, me mostrando o conteúdo —, pode riscar da nossa lista o bolo de nozes. Ele chegou!

Era um daqueles bolos prontos para servir. Mais tarde, naquela noite, Airam nos contaria que o ganhara de um senhor gordinho e barbudo, que lembrava Leon, só que mais velho.

Enquanto Chico e Leon estendiam a toalha sobre a mureta e organizavam as comidas com um entusiasmo quase infantil, Airam se aproximou de mim, tímida.

— Você quer ver meu filho? — perguntou.

Um pouco sem saber o que esperar, assenti com a cabeça.

Com um gesto cuidadoso, ela desdobrou parte da manta. O que vi ali não foi um bebê, mas uma boneca. Daquelas feitas para parecer um recém-nascido. Estava um pouco desgastada, com manchas nas roupas e quase nenhum fio de cabelo. Ainda assim, o cuidado com que ela a descobriu e me apresentou foi tão delicado que, por um instante, acreditei estar diante de uma criança de verdade.

Ela sorriu para mim, com ternura, e cobriu novamente o “filho” após beijar a cabecinha de plástico, desgastada pelo tempo.

Mais tarde, ao ouvir sua história, tudo fez sentido.

Airam perdera o filho em um acidente de carro, muitos anos atrás. Nunca superou a dor. Naquela manhã de domingo, véspera do Dia das Mães, ela abandonou o marido, a casa, a vida que conhecia — e passou a caminhar sem rumo. Chegou àquela cidade algum tempo depois e, ao ganhar a boneca de alguém que se comoveu com seu silêncio, nunca mais foi embora.

O que a marcou, contou-nos, foi o fato de que ela dirigia o carro no momento do acidente. Num dia de chuva, numa curva mal iluminada, perdeu o controle e capotou. Desde então, nunca mais conseguiu se perdoar.

Olhando-a de longe, vendo o carinho com que embalava aquela boneca, pensei: “Como deve doer viver com essa culpa… E como aquele amor ainda mora dentro dela, intacto, apenas transferido para aquele pequeno corpo de plástico.”

A ceia improvisada já tomava forma. Quando me aproximei de Leon e perguntei como poderia ajudar, ele apenas colocou as mãos em meus ombros e disse:

— Agora é só relaxar. Em breve, mais convidados chegarão. Vamos precisar de você.

Não entendi bem o que queria dizer, mas antes que eu perguntasse, Chico apontou para o outro lado do estacionamento.

— Olha lá, vem mais alguém! — disse ele, animado.

Leon abriu um largo sorriso e caminhou ao encontro do recém-chegado:

— Pronto! Um já chegou. Vamos recebê-lo.

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