Chico vinha
caminhando à frente, carregando uma pequena caixa. Logo atrás dele, com passos
lentos e cuidadosos, vinha uma mulher. Ela segurava junto ao peito um embrulho
envolto numa manta.
— Esta é a Airam — disse Chico, parando diante de nós.
Airam era uma andarilha como nós. Chegara à cidade há alguns
anos e, desde então, permanecia por ali, vagando de um canto a outro. Tinha os
olhos atentos e desconfiados. Observou-nos um a um, sem estender a mão ou
sorrir — apenas acenou com a cabeça, num cumprimento seco.
Chico pediu permissão a ela e, com delicadeza, retirou da
caixa uma toalha vermelha, estampada com flores e frutas. Era linda, mesmo que
um pouco desbotada.
Leon se aproximou de Airam com o mesmo entusiasmo que
mostrara desde o início da noite.
— Olá, Airam. Sejam bem-vindos à nossa noite de Natal.
— Sejam bem-vindos? — perguntei, surpreso.
— Sim — respondeu Leon, sem perder o sorriso. — Temos mais
dois convidados: Airam e seu filho.
Filho? Aquilo que ela carregava apertado contra o peito… era
uma criança?
Airam sorriu de leve, pela primeira vez, e disse que também
tinha algo a contribuir.
Leon pegou sua caixa e, de dentro, retirou uma embalagem
retangular.
— Amigo — disse ele, me mostrando o conteúdo —, pode riscar
da nossa lista o bolo de nozes. Ele chegou!
Era um daqueles bolos prontos para servir. Mais tarde,
naquela noite, Airam nos contaria que o ganhara de um senhor gordinho e
barbudo, que lembrava Leon, só que mais velho.
Enquanto Chico e Leon estendiam a toalha sobre a mureta e
organizavam as comidas com um entusiasmo quase infantil, Airam se aproximou de
mim, tímida.
— Você quer ver meu filho? — perguntou.
Um pouco sem saber o que esperar, assenti com a cabeça.
Com um gesto cuidadoso, ela desdobrou parte da manta. O que
vi ali não foi um bebê, mas uma boneca. Daquelas feitas para parecer um
recém-nascido. Estava um pouco desgastada, com manchas nas roupas e quase
nenhum fio de cabelo. Ainda assim, o cuidado com que ela a descobriu e me
apresentou foi tão delicado que, por um instante, acreditei estar diante de uma
criança de verdade.
Ela sorriu para mim, com ternura, e cobriu novamente o
“filho” após beijar a cabecinha de plástico, desgastada pelo tempo.
Mais tarde, ao ouvir sua história, tudo fez sentido.
Airam perdera o filho em um acidente de carro, muitos anos
atrás. Nunca superou a dor. Naquela manhã de domingo, véspera do Dia das Mães,
ela abandonou o marido, a casa, a vida que conhecia — e passou a caminhar sem
rumo. Chegou àquela cidade algum tempo depois e, ao ganhar a boneca de alguém
que se comoveu com seu silêncio, nunca mais foi embora.
O que a marcou, contou-nos, foi o fato de que ela dirigia o
carro no momento do acidente. Num dia de chuva, numa curva mal iluminada,
perdeu o controle e capotou. Desde então, nunca mais conseguiu se perdoar.
Olhando-a de longe, vendo o carinho com que embalava aquela
boneca, pensei: “Como deve doer viver com essa culpa… E como aquele amor
ainda mora dentro dela, intacto, apenas transferido para aquele pequeno corpo
de plástico.”
A ceia improvisada já tomava forma. Quando me aproximei de
Leon e perguntei como poderia ajudar, ele apenas colocou as mãos em meus ombros
e disse:
— Agora é só relaxar. Em breve, mais convidados chegarão.
Vamos precisar de você.
Não entendi bem o que queria dizer, mas antes que eu
perguntasse, Chico apontou para o outro lado do estacionamento.
— Olha lá, vem mais alguém! — disse ele, animado.
Leon abriu um largo sorriso e caminhou ao encontro do
recém-chegado:
— Pronto! Um já chegou. Vamos recebê-lo.
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