Saio de casa
às seis e vinte. Pego o ônibus na porta de casa, enquanto o Twoo uiva, com as
patinhas sobre o portão, inconformado ao me ver saindo e iniciando mais uma
maratona.
Ele sempre era questionado por morar vizinho ao cemitério da
cidade e não ter amigos.
Sua casa dividia o muro com os fundos do cemitério, mas sempre que perguntavam,
ele dizia:
— Não tenho mais medo, não. Já conheço todos por ali.
Certamente, seus colegas de trabalho achavam que ele falava
assim só para desconversar. Muitas brincadeiras surgiram por causa disso:
— Ah! Ele fala pouco porque acha que a gente vai zoar do
medo dele.
— Trabalha na primeira turma pra não ter que passar à noite pelo portão
preto...
O "portão preto" era a entrada principal do
cemitério. Falavam assim dele, mas o curioso era que, sempre que ele convidava
alguém pra conhecer sua casa e tomar uma cervejinha no fim da tarde, ninguém
aparecia. Todos tinham boas desculpas.
Afinal, quem é que tinha medo da noite quando se tratava de
visitá-lo? Essa era a questão que os amigos discutiam no almoço.
Chegou o dia do aniversário dele. Um sábado. Feriado. Dia de
Finados.
Ele convidou os colegas para um churrasquinho.
— Ah... Sinto muito, mas tenho que cuidar da minha sogrinha
amada... Coitadinha.
— Não vai dar, virei vegetariano... Desde quando? Ontem...
E assim foram as desculpas, uma atrás da outra. Só um deles
topou: o conhecido valentão do setor, intimado pelos colegas a manter sua fama.
— Ir lá? Do lado de um cemitério? Um churrasco à noite?...
As risadas rolaram soltas, e ele acabou aceitando,
pressionado.
Chegou o grande dia. Lá foi o valentão.
Ao chegar, se surpreendeu: havia pelo menos quinze pessoas
na casa. Animado, pegou uma cerveja e foi cumprimentando o pessoal até chegar à
churrasqueira, onde o amigo assava uns espetos.
Achou estranho: havia no máximo uns dez espetos. Pouco pra
tanta gente. Mesmo assim, pegou um e começou a comer.
— E aí, meu amigo, festa animada. Quanta gente!
— São todos amigos, fique à vontade...
O valentão achava os convidados muito sérios. Tentou puxar
papo com um casal:
— Boa noite, são amigos do meu colega?
— Boa noite. Somos, sim.
— Conhecidos da família?
— Não, o conhecemos aqui mesmo.
O casal se afastou e ele ficou sozinho de novo. Voltou pra
perto da churrasqueira:
— Gente boa aquele casal.
Mas, ao olhar, não estavam mais ali.
— Estranho. Estavam aqui agora mesmo.
— Não estranhe. Eles são assim mesmo. Mas sei quem são. Vi você conversando com
eles. Bem animados.
— Eram... Sim. E aquele rapaz ali? Muito engraçado. Ué, cadê ele?
— Com certeza já se foi. Fique tranquilo, são assim mesmo.
— Cara, não acha que é pouca carne pra tanta gente?
— Não. Esses espetos são pra mim e pra você. Eles não comem.
O valentão parou de mastigar e olhou sério para o colega,
que seguia tranquilo virando os espetos.
— Como assim, não comem?
— Antigamente comiam. Agora não precisam mais.
Nesse instante, um dos convidados se aproximou:
— Obrigado, meu bom amigo. Foi ótimo rever os colegas. Mas
preciso ir.
Virou-se, foi em direção ao muro do cemitério... e
desapareceu.
O valentão suava frio, olhos arregalados. Outro convidado
chegou:
— Tô indo, amigo. Tô literalmente morto de cansaço.
Foi o bastante. O valentão largou tudo e saiu correndo sem
olhar pra trás.
O convidado olhou a cena, balançou a cabeça:
— Que cara doido... Parece que viu um fantasma.
E então sumiu no ar, deixando apenas um riso ecoando.
O colega, tranquilo, virando os espetos, resmungou:
— Esse pessoal do trabalho é estranho mesmo...
"Dizes com quem tu andas e te direi quem
eras"... Conheces bem seus amigos?
Não???
Rsrsrsrs... Vai um espetinho?
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