sábado, 2 de novembro de 2013

O churrasquinho de anversário

Saio de casa às seis e vinte. Pego o ônibus na porta de casa, enquanto o Twoo uiva, com as patinhas sobre o portão, inconformado ao me ver saindo e iniciando mais uma maratona.

Ele sempre era questionado por morar vizinho ao cemitério da cidade e não ter amigos.
Sua casa dividia o muro com os fundos do cemitério, mas sempre que perguntavam, ele dizia:

— Não tenho mais medo, não. Já conheço todos por ali.

Certamente, seus colegas de trabalho achavam que ele falava assim só para desconversar. Muitas brincadeiras surgiram por causa disso:

— Ah! Ele fala pouco porque acha que a gente vai zoar do medo dele.
— Trabalha na primeira turma pra não ter que passar à noite pelo portão preto...

O "portão preto" era a entrada principal do cemitério. Falavam assim dele, mas o curioso era que, sempre que ele convidava alguém pra conhecer sua casa e tomar uma cervejinha no fim da tarde, ninguém aparecia. Todos tinham boas desculpas.

Afinal, quem é que tinha medo da noite quando se tratava de visitá-lo? Essa era a questão que os amigos discutiam no almoço.

Chegou o dia do aniversário dele. Um sábado. Feriado. Dia de Finados.

Ele convidou os colegas para um churrasquinho.

— Ah... Sinto muito, mas tenho que cuidar da minha sogrinha amada... Coitadinha.
— Não vai dar, virei vegetariano... Desde quando? Ontem...

E assim foram as desculpas, uma atrás da outra. Só um deles topou: o conhecido valentão do setor, intimado pelos colegas a manter sua fama.

— Ir lá? Do lado de um cemitério? Um churrasco à noite?...

As risadas rolaram soltas, e ele acabou aceitando, pressionado.

Chegou o grande dia. Lá foi o valentão.

Ao chegar, se surpreendeu: havia pelo menos quinze pessoas na casa. Animado, pegou uma cerveja e foi cumprimentando o pessoal até chegar à churrasqueira, onde o amigo assava uns espetos.

Achou estranho: havia no máximo uns dez espetos. Pouco pra tanta gente. Mesmo assim, pegou um e começou a comer.

— E aí, meu amigo, festa animada. Quanta gente!
— São todos amigos, fique à vontade...

O valentão achava os convidados muito sérios. Tentou puxar papo com um casal:

— Boa noite, são amigos do meu colega?
— Boa noite. Somos, sim.
— Conhecidos da família?
— Não, o conhecemos aqui mesmo.

O casal se afastou e ele ficou sozinho de novo. Voltou pra perto da churrasqueira:

— Gente boa aquele casal.
Mas, ao olhar, não estavam mais ali.

— Estranho. Estavam aqui agora mesmo.
— Não estranhe. Eles são assim mesmo. Mas sei quem são. Vi você conversando com eles. Bem animados.
— Eram... Sim. E aquele rapaz ali? Muito engraçado. Ué, cadê ele?
— Com certeza já se foi. Fique tranquilo, são assim mesmo.
— Cara, não acha que é pouca carne pra tanta gente?
— Não. Esses espetos são pra mim e pra você. Eles não comem.

O valentão parou de mastigar e olhou sério para o colega, que seguia tranquilo virando os espetos.

— Como assim, não comem?
— Antigamente comiam. Agora não precisam mais.

Nesse instante, um dos convidados se aproximou:

— Obrigado, meu bom amigo. Foi ótimo rever os colegas. Mas preciso ir.

Virou-se, foi em direção ao muro do cemitério... e desapareceu.

O valentão suava frio, olhos arregalados. Outro convidado chegou:

— Tô indo, amigo. Tô literalmente morto de cansaço.

Foi o bastante. O valentão largou tudo e saiu correndo sem olhar pra trás.

O convidado olhou a cena, balançou a cabeça:

— Que cara doido... Parece que viu um fantasma.

E então sumiu no ar, deixando apenas um riso ecoando.

O colega, tranquilo, virando os espetos, resmungou:

— Esse pessoal do trabalho é estranho mesmo...

"Dizes com quem tu andas e te direi quem eras"... Conheces bem seus amigos?
Não???
Rsrsrsrs... Vai um espetinho?


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