domingo, 2 de setembro de 2012

Andarilho IX - Vendedor de redes

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Depois de um bom banho e comer uma marmita quentinha já estava pronto pra me recolher, pretendia dormir próximo a um posto de gasolina ao lado de uns colegas caminhoneiros. 
Com o passar do tempo na estrada aprendi que era o melhor lugar pra dormir e mais seguro. Estava agora em Além Paraíba em terras mineiras.
E ali estava o vendedor de redes Jorge, prendendo sua rede e quase pronto pra dormir também.
Aproximei-me e pedi pra dormir ali próximo, Jorge me olhou dos pés a cabeça, olhou pra Dingo que já se ajeitava e fez sinal com a cabeça me mostrando um canto.
Percebi uma cicatriz enorme, de uns 15 cm em seu braço esquerdo, logo abaixo de uma tatuagem de um rosto de mulher. Ele percebeu que vi e esticou a manga da blusa pra cobrir.
Ali ficamos, eu e Dingo, que desmaiou de cansaço. Fiquei a olhar a lua, cheia e muito bonita, enquanto o sono não vinha. Quando dei por mim Jorge estava ao meu lado de pé, com uma garrafa na mão.
Fez sinal pra eu beber levantei-me e aceitei sem saber o que era. O primeiro gole quase me tirou os pulmões pra fora de tanto tossir com o engasgo... Era cachaça.
Devolvi a garrafa enquanto ele ria muito...
Sentou-se ao meu lado e começamos a conversar.
Jorge era um vendedor ambulante já há 10 anos, andando de cidade em cidade vendendo redes de dormir direto de Recife, Pernambuco. Redes que por sinal eram muito bonitas e disse que um despachador, como ele chamou, recolhia, trocava e fornecia a cada semana, pela estrada afora.
Saíra de sua cidade, foragido, porque matara um homem, isso me arrepiou, segundo ele pra se defender. A pessoa tentara invadir sua casa, estava drogado e queria roubá-lo. Defendeu-se com uma faca e matou o invasor. Quando me falou isso me olhou firmemente nos olhos e pediu para que eu não dissesse isso a ninguém, poderia complicá-lo ali.
Na sua fuga feriu mais um, na escuridão do corredor por onde fugia, só soube dias depois quando tentou contato com a família, era seu irmão que vinha socorrê-lo. Apesar de não ter sido fatal o deixou debilitado, na correria não percebeu seu ferimento rasgara o braço ao pular o muro de sua casa. Contou-me tudo muito sério e sem largar a garrafa de cachaça da mão, onde bebericava e volta e meia me oferecia um gole.
Arrepiado com sua história, fiquei calado enquanto o ouvia, de repente se levantou e foi começou a caminhar, parou olhou-me e apontou-me a garrafa, virou-se sumiu na escuridão.
Como conseguir dormir depois de tudo isso, demorou horas, a mente não parava de criar imagens da luta de Jorge, o encontro com o irmão, sua fuga e a horrível cicatriz em seu braço, mas enfim dormi.
Acordei assustado ao ver Jorge em pé ao meu lado com uma trouxa de redes no ombro e uma faca na mão... Gelei-me.
Não consegui me mover enquanto ele agachou e levantou a mão com a faca, meu coração disparou. Ele virou a faca para as redes cortou um cordão e caiu uma rede sobre meu abdome. Levantou-se e disse:
- Boa sorte na sua caminhada.  - Jorge foi embora.
Ainda congelado pelo susto, tremendo tirei a rede de cima de mim e sentei-me. Suava frio, foi um grande susto, nunca imaginei que nessa minha caminhada poderia passar por isso. Olhei ao lado procurando Dingo, não estava por ali.
Levantei-me, juntei minhas coisas, chamei por Dingo, nada. Por onde andará meu companheiro que me deixou passar por aquele susto. Chamei-o por várias vezes enquanto me dirigia ao banheiro do posto, Dingo sumira.
Após perguntar ao pessoal do posto por Dingo e não ter respostas, parti.
Dingo teria acompanhado Jorge?
Sai caminhando sempre olhando pra trás a procura de Dingo e com um peso a mais, a rede de Jorge.



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