Andando pelo asfalto em pleno meio dia, lá ia aquele homem negro, aparentemente
nos seus 50 anos.
O que mais chamava a atenção de quem por
ele passava, é que ele caminhava descalço, parecia não sentir o afasto quente
sob os pés desnudos. Estávamos perto das 12h00, o asfalto refletia o calor como
num espelho e ele caminhava como se andasse nas areia de uma praia, bolsa nas
costa e falando sozinho.
Esse era Tirço...
Tirço era descendente de escravos e dizia
isso com muito orgulho. Acostumara a andar descalço.
Sapatos em seus pés só quando ia a missa.
Para essa ocasião especial tinha uma botina velha que sempre estava impecável.
Não ia a missa se não estivesse calçado com elas. No dia a dia só andava
descalço.
Diziam o povo onde morava, que a sua sola
dos pés era tão grossa que podia entortar um prego, acaso ele pisasse. Mas esse
povo é sempre assim mesmo, não pode ver ninguém feliz, sem nada, de boa com a
vida, que caçoa.
Contam os mais velhos, que Tirço numa
dessas longas caminhadas, passava por uma vila, que estava tendo uma
festa pró a igreja local. Como sempre, alguns arruaceiros, depois de tomar
todas, estavam procurando confusão, pra chamar a atenção das meninas.
Faziam graça, provocavam os jovens da
vila, que procuravam ficar quietos, evitando confusão. Então eles descobriram
Zé Antonho.
Zé Antonho era um homem pacato, que todos conheciam na vila,
trabalhador, cortador de cana e boa praça. Ele estava todo sorridente,
comemorando. Acabará de ganhar um frango assado com farofa no bingo do padre
Inácio.
O trio de provocadores aproximou-se dele e
começaram a provoca-lo. Zé Antonho era pacato, mas não levava desaforo pra casa
e perdendo a calma deixou de lado seu
frango com farofa e partiu pra cima dos três.
As pessoas assustadas se afastaram e
formando um cerco.
Ninguém teve coragem de se meter ou separar e viram Zé Antonho
apanhar dos três estranhos.
A bagunça estava fomada e foi então que Tirço viu o tumulto, parou
na barraca de bolo, comprou um de chocolate e ficou olhando.
Um dos provocadores, após dar um chute em
Zé Antonho, que já estava no chão, virou todo sorridente pra mostrar sua
valentia covarde ao povo e deu de cara com os olhos de Tirço, ainda saboreando
seu bolo dechocolate.
O provocador então caminhou até ele e
disse:
- O que foi negro, nunca viu não? Que
brigar também?
Tirço colocando em sua boca o último
pedaço de bolo e soltando sua bolsa no chão, com toda tranquilidade do mundo,
respondeu:
- Querê, eu num quero não, senhô. Mas se o
senhô insesti...
O homem que era um alemão, de tão branco,
com o cabelo de fogo, todo engomado, todo admirado com a resposta, partiu pra
cima de Tirço.
Dizem que ninguém entendeu o que
aconteceu. De repente o homem valente, no segundo seguinte a essa conversa, estava
no chão, desacordado.
Tirço dera um único soco nele e este apagou.
Os outros dois vendo o acontecido, olharam
para seu colega no chão com o nariz quebrado, todo ensanguentado, partiram pra
cima de Tirço também.
O que vinha a frente em primeiro, virou o
último. Quando todos ainda estavam se preparando pra ver o acontecimento, ele
já tinha acontecido. O homem foi jogado longe, pra trás do companheiro.
Isso, novamente com um único soco de Tirço. O terceiro desafiante
ao olhar para chão e ver seus dois amigos apagados, desesperado saiu correndo
dali.
Desde esse dia, aquela festa anual do
padroeiro da vila, nunca mais teve problemas ou confusão.
Dizem que alguns moradores que, além de comemorar o dia do
padroeiro, também comemoram o Dia do Negro Tirço.
Depois daquele dia em diante, ali
prevaleceu aquele famoso jargão da TV...
Mexe com quem tá quieto.
O negro Tirço?
Passei por ele hoje na estrada. Estava com sua bolsa dependurado
no ombro e era acompanhado por um cão.
Seu companheiro o Tição.
Mas isso é outra história.
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