segunda-feira, 26 de agosto de 2013

O negro Tirço

Andando pelo asfalto em pleno meio dia, lá ia aquele homem negro, aparentemente nos seus 50 anos.
O que mais chamava a atenção de quem por ele passava, é que ele caminhava descalço, parecia não sentir o afasto quente sob os pés desnudos. Estávamos perto das 12h00, o asfalto refletia o calor como num espelho e ele caminhava como se andasse nas areia de uma praia, bolsa nas costa e falando sozinho.
Esse era Tirço... 
Tirço era descendente de escravos e dizia isso com muito orgulho. Acostumara a andar descalço.
Sapatos em seus pés só quando ia a missa. Para essa ocasião especial tinha uma botina velha que sempre estava impecável. Não ia a missa se não estivesse calçado com elas. No dia a dia só andava descalço.
Diziam o povo onde morava, que a sua sola dos pés era tão grossa que podia entortar um prego, acaso ele pisasse. Mas esse povo é sempre assim mesmo, não pode ver ninguém feliz, sem nada, de boa com a vida, que caçoa.
Contam os mais velhos, que Tirço numa dessas longas caminhadas, passava por uma vila, que  estava tendo uma festa pró a igreja local. Como sempre, alguns arruaceiros, depois de tomar todas, estavam procurando confusão, pra chamar a atenção das meninas.
Faziam graça, provocavam os jovens da vila, que procuravam ficar quietos, evitando confusão. Então eles descobriram Zé Antonho.
Zé Antonho era um homem pacato, que todos conheciam na vila, trabalhador, cortador de cana e boa praça. Ele estava todo sorridente, comemorando. Acabará de ganhar um frango assado com farofa no bingo do padre Inácio.
O trio de provocadores aproximou-se dele e começaram a provoca-lo. Zé Antonho era pacato, mas não levava desaforo pra casa e perdendo a calma  deixou de lado seu frango com farofa e partiu pra cima dos três. 
As pessoas assustadas se afastaram e formando um cerco.
Ninguém teve coragem de se meter ou separar e viram Zé Antonho apanhar dos três estranhos.
A bagunça estava fomada e foi então que Tirço viu o tumulto, parou na barraca de bolo, comprou um de chocolate e ficou olhando.
Um dos provocadores, após dar um chute em Zé Antonho, que já estava no chão, virou todo sorridente pra mostrar sua valentia covarde ao povo e deu de cara com os olhos de Tirço, ainda saboreando seu bolo dechocolate.
O provocador então caminhou até ele e disse:
- O que foi negro, nunca viu não? Que brigar também?
Tirço colocando em sua boca o último pedaço de bolo e soltando sua bolsa no chão, com toda tranquilidade do mundo, respondeu:
- Querê, eu num quero não, senhô. Mas se o senhô insesti...
O homem que era um alemão, de tão branco, com o cabelo de fogo, todo engomado, todo admirado com a resposta, partiu pra cima de Tirço.
Dizem que ninguém entendeu o que aconteceu. De repente o homem valente, no segundo seguinte a essa conversa, estava no chão, desacordado.
Tirço dera um único soco nele e este apagou.

Os outros dois vendo o acontecido, olharam para seu colega no chão com o nariz quebrado, todo ensanguentado, partiram pra cima de Tirço também.
O que vinha a frente em primeiro, virou o último. Quando todos ainda estavam se preparando pra ver o acontecimento, ele já tinha acontecido. O homem foi jogado longe, pra trás do companheiro.
Isso, novamente com um único soco de Tirço. O terceiro desafiante ao olhar para chão e ver seus dois amigos apagados, desesperado saiu correndo dali.
Desde esse dia, aquela festa anual do padroeiro da vila, nunca mais teve problemas ou confusão.
Dizem que alguns moradores que, além de comemorar o dia do padroeiro, também comemoram o Dia do Negro Tirço.
Depois daquele dia em diante, ali prevaleceu aquele famoso jargão da TV...
Mexe com quem tá quieto.
O negro Tirço?
Passei por ele hoje na estrada. Estava com sua bolsa dependurado no ombro e era acompanhado por um cão.
Seu companheiro o Tição.

Mas isso é outra história.

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