
Foi
assim que começou esse amor.
Era uma noite como outra
qualquer, fria como outra qualquer e uns amigos me chamaram para sair. Como
estava entediado em casa, sem animação para nada, não pensei duas vezes. Peguei
um casaco, um cachecol, ajeitei meus cabelos com um pouco de brilhantina, com
minhas próprias mãos e os encontrei no portão de casa.
Não imaginava qual seria
o plano deles. Os três, eram meus amigos desde o meu início na escola e aos
finais de semana sempre me chamavam para sair, raramente aceitava. Dessa vez, falavam
em ir assistir alguém cantar num pequeno bar em Austin. Ficava um pouco longe
de casa, mas mesmo assim segui com eles.
Já tinha ouvido falar
desse bar, lá no porto onde faço alguns bicos com meu tio Wollie. Ele era um
soldador de primeira e as vezes conseguia com o supervisor a oportunidade de
levar um ajudante, eu. Tinha muitos trabalhadores jovens ou não tão velhos como
tio Wollie, que só falavam de bebedeiras e mulheres. Foi com eles, que ouvi
pela primeira vez falar do tal bar em Austin. Parece que tinham encontrado uma
nova atração, que estava levando muita gente para conhece-la.
Fomos no carro de Toni
Hanter. Era um playmonth, azul marinho, um tanto já velho. Cada um contribuiu
um pouco para o combustível, estávamos na semana de pagamento, então ninguém
reclamou.
Toni nos conduzia
tranquilamente enquanto falávamos de garotas, carros ou músicas. Quando alguém
mencionava pais, escola ou trabalho, era vaiado pelos demais. A ideia era
desligar-se de tudo, seguir firme pela estrada e apenas curtir a noite. Não
demorou muito e lá estávamos nós, o quarteto mais animado da noite, chegando em
Austin.
Na frente do bar tinha
muita movimentação, eram rapazes que chegavam de diversas cidades procurando
diversão. As meninas também estavam em grande número, todas sorridentes e fazendo
charme aos rapazes. Pude reconhecer entre elas, algumas garotas que conheci na
escola. Como mudaram, ou melhor, se desenvolveram.
Fomos entrando e
procurando uma mesa. Dizia Toni, que conhecia a garota que cantaria naquela
noite. Segundo ele, era uma universitária que mandava muito bem um blues. Naquela
época, eu ouvia muito blues no pequeno rádio da oficina de carros onde
trabalhava meu irmão. Seu chefe era um cara dos bons. Deixava o pessoal
trabalhar o dia todo ao som do rádio. E eu como não tinha nada para fazer,
aparecia lá para ouvir também. Quando o chefe estava de bem com a vida, dava
para saber pois era o dia que mais se ouvia Elvis Presley, ele até me dava uns
trocos por ajudar em algo.
Dentro do bar estava
muito movimentado. No pequeno palco, quatro homens tocavam blues e quase
ninguém ligava para o que estavam tocando. A atenção toda, era para as
garçonetes que andavam de um lado para o outro, carregando bandejas de cervejas
e um refrigerante preto. Não sei se era porque estava já há algum tempo sem
ninguém, mas para mim, quase todas as garçonetes eram lindas. Então, Toni
apareceu com uma delas e começamos a beber umas cervejas para relaxar.
Logo o quarteto saiu do
palco, com uma ou outra palma solitária estalando, subindo em seu lugar um
apresentador. Era um cara baixinho, com um fino bigode debaixo do nariz e uma
roupa, meio esquisita.
- Muito bem rapazes e
meninas! Se controlem porque hoje, mais uma vez, temos uma garota daqui, da
Universidade do Texas, que irá cantar para vocês. Então vamos recebê-la com muitas
palmas.
Sempre as coisas correm
ao contrário do que se pede. Ele mal terminou e começaram vaias, apupos e
assovios, ninguém respeitava nada. Até que apareceu uma garota magra, de óculos
e com uma roupa florida, parecia usar um macacão daqueles de jardineiro.
Pareceu-me entrar decidida, vibrante, segura. Parou no meio do pequeno palco,
pegou o microfone e disse:
- Agora quem comanda
essa bagunça aqui, sou eu.
Nisso a banda que animava
o local, começou a tocar uma música e ela soltou uma voz potente que calou a
todos.
Tudo parou, nem sequer
minha respiração eu escutava. O silêncio parecia eterno, até que os primeiros
assovios começaram a aparecer. Era uma voz firme, meio rouca e que encantou a
todos.
Eu não conhecia a
música, mas não conseguia tirar os olhos daquela garota.
Era sereia que me
hipnotizou com o seu cantar.
Fiquei ali colado no
palco até ela terminar e descer. E ela desceu justamente por onde eu estava.
Estendeu sua mão para que a ajudasse descer e eu, ainda enfeitiçado, com os
olhos preso aos dela, senti sua mão macia tocando a minha. Seu corpo se
aproximou do meu e pude sentir seu cheiro. Ele pareceu entrar em mim e
percorrer por todo meu corpo até chegar ao coração.
Ela olhou-me, já muito
próxima e perguntou-me:
- E aí, gostou do show?
Não tive tempo de
responder, seus amigos e outras pessoas que estavam por lá a arrastaram para
longe de mim, enquanto gritavam seu nome. Ainda tentei me aproximar, empurrando
as pessoas, enquanto nossos olhos ainda continuavam ligados. Ela também tentava
vir até mim, mas essa foi a primeira e última vez que a vi. Minto.
Algum tempo depois,
pude vê-la na folha interna do jornal. Estava famosa e indo para Londres.
Acompanhei-a durante
algum tempo e até fui a um de seus shows, mas não consegui aproximar-me ao
ponto de vê-la tão perto, quanto aquela noite em Austin.
Um dia, voltando para
casa depois de um dia duro de trabalho, encontrei um papel preso a minha porta.
Era um pequeno envelope verde água. Olhei o remetente e não havia nada. Antes
de entrar e fechar a porta de casa, eu ainda olhei pelas proximidades, mas não
havia ninguém que pudesse ter deixado aquele envelope ali.
Sentei-me no velho sofá
xadrez e abri o envelope rapidamente.
Estava ali escrito, bem
no meio de uma folha branca, dobrada quatro vezes, em
uma caligrafia limpa e muito bem definida:
"Desculpe, nunca
consegui te agradecer. Obrigado por me ajudar descer do palco". Assinado
Janis.
Aproximei lentamente o
papel próximo ao meu rosto e pude sentir novamente aquele cheiro bom, era dela,
eu sabia. Sai rapidamente ao portão, mas ela não estava ali.
Por mais que eu
tentasse, e olhe que tentei mesmo, nunca mais a toquei ou mesmo a vi de perto.
Teve um dia, que soube
que ela estaria em uma gravadora e arrisquei para tentar vê-la. Havia uma
multidão de fãs com cartazes e também muitos policiais tentando controlar
aquela loucura. Percebi que com toda aquela bagunça, mais uma vez não
conseguiria sequer vê-la e, resolvi voltar para casa contornando a quadra.
Estava andando na contramão das pessoas que corriam para a gravadora,
perseguindo vi um carro escuro, que julgavam ser dela. Quando vi se aproximar e
entrar no beco ali próximo, um carro azul. Primeiro entrou um carro da polícia,
depois o carro azul, seguido por outra viatura. Percebi que era ela. Entraria
pelos fundos, com certeza tinham planejado isso para despistar os fãs. Corri
para aquele beco e a vi descer do carro, sorrindo e acenando. A chamei pelo primeiro
nome e como não me deu bola gritei: - “Austin”.
Já sobre o batente da
porta, pronta para entrar, ela parou voltou-se para mim, que a essa altura já
não sabia o que fazer, pois tinham dois policiais vindo em minha direção e
perguntou:
- Austin? Recebeu meu
bilhete? Por que não me respondeu?
Não tive tempo de
responder, os policiais me pegaram e me arrastaram dali, enquanto eu ouvia seus
protestos para soltarem-me.
Essa sim foi a última
vez que a vi.
Carreguei aquele bilhete
comigo, por toda uma vida. Como também sua lembrança.
Casei por duas vezes. A
primeira me deixou por ciúme de uma pessoa irreal, imaginária, distante e
impossível. Procurava denegri-la com calúnias e ofensas. Não me atingia, eu não
acreditava em nada. Nem nela e nem nos irritantes e insistentes tabloides
sensacionalistas. A segunda, rendeu-se aos meus recortes e discos,
incansavelmente rodados na vitrola e partiu aceitando uma idolatria que ruía
com minha vida. Tive seis filhos, dentre as meninas, uma Janis. Tive alguns
netos também e no meio dessa conturbada aventura, a vi partir deste mundo pela
TV.
Ela se foi de forma muito
triste, sozinha e longe de mim.
Mesmo com um vazio no
peito, toquei minha vida. Minha companhia era alguns discos, recortes e
lembranças.
Hoje estou aqui, sentado
neste velho banco próximo ao porto, envelhecido e fraco pelo tempo.
Vejo os navios ganhando
vida, com seus jovens trabalhadores cheios de sonho, como um dia fui. Com as
mãos muito tremulas, peguei no bolso do meu agasalho, um pequeno papel, levei-o
próximo ao nariz e tentei buscar seu cheiro através daquele velho bilhete,
recebido há tantos anos. Acho que ainda posso sentir seu perfume. O mesmo
cheiro suave, assim como o toque de sua mão, que insisto em sentir entre meus
dedos.
Estendo minhas mãos,
como se fosse novamente ajudá-la.
Novamente escuto sua
voz, agora sem melodia, apenas uma suave e doce voz, cantando bem baixinho em
meus ouvidos. Sorrio,
Sei que logo estarei com
ela e esse amor durará para sempre...
Saudades, minha Janis.
Amei!!!!
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