Parecia uma cadeira de rodas, mas no lugar
das rodas, havia dois relógios. Um representava o passado e só rodava para
trás; o outro, o futuro, movia-se apenas à frente do tempo atual. Não tive
dúvidas: sentei-me e comecei a pensar no que faria.
Não... Acho que não. Só veria os dois. A caçula ainda não tinha nascido, e o
mais velho não estava em casa. Ia ficar faltando algo.
Além disso, poderia causar algum problema
com o futuro. Tem aquela máxima de que dois corpos não ocupam o mesmo espaço, e
como fui eu quem tirou a foto... Melhor encontrar outro momento.
Fiquei com a mão preparada no relógio do
passado, pensando...
Minhas avós — Zéquinha e Conceição.
Poderia matar a saudade, sentir novamente o aconchego de seus braços, acariciar
seus cabelos brancos... Só uma avó proporciona esse tipo de carinho.
Sim...
Não! Já sei!
Meu pai.
Ele veio à minha memória imediatamente.
Meu coração acelerou só de pensar na possibilidade de vê-lo novamente.
Perdi meu pai aos quatro anos de idade.
Guardo pouquíssimas lembranças dele.
Poder revê-lo, receber seu sorriso ao chamá-lo de pai, abraçá-lo com força...
Ah, como me faria bem esse momento. Contornar cada detalhe de seu rosto e dizer
quanta falta me fez. Olhar em seus olhos e, finalmente, dizer:
“Te amo, pai. Que saudades...”
Quando estava prestes a girar a roda do
passado, parei.
Comecei a afastar lentamente minha mão. Não sei se resistiria a esse encontro.
Só de pensar, já me sinto abalado... E ele
nunca entenderia ver um homem bem mais velho que ele, abraçando e chamando-o de
pai.
Naquela época, ele teria apenas vinte e cinco anos — foi com essa idade que o
perdi. Talvez nem me deixasse chegar perto, assustado com meu comportamento.
Não... não daria certo.
Então decidi: era melhor deixar o passado
para trás. Primeiro, para não assustar ou confundir quem já se foi. Depois...
eu mesmo não sei se aguentaria viver — ou reviver — tudo aquilo novamente.
Voltei meus olhos para a outra roda. A do
futuro.
Coloquei minha mão sobre ela e pensei:
Para onde iria?
Veria meus filhos com seus netos — ou até
com bisnetos?
Talvez assistisse a mais um título do meu time, o Santo André.
Ou às modernidades do futuro.
Será que, enfim, veria um carro voando?
Na verdade, sempre imaginei esse carro
quando era criança, enquanto muita gente falava sobre a virada do século. Diziam
que no ano 2000 o mundo se transformaria.
Cheguei a contar, várias vezes, com quantos anos eu teria quando chegasse esse
momento mágico.
Ficava ansioso só de imaginar as maravilhas que aconteceriam.
Nem preciso dizer o quanto me frustrei...
O futuro... acho melhor não.
Posso chegar lá e não ver muitos dos meus
entes queridos.
Pior: poderia descobrir que alguns partiram cedo demais — ou de formas que não
quero nem imaginar.
A essa altura, minha cabeça já rodava a
mil. Pensei novamente nos meus filhotes.
Meus olhos se encheram de lágrimas e minha garganta travou.
Lembrei-me de uma frase sábia da mamãe:
“Um filho nunca deveria partir deste mundo antes de uma mãe. A dor da perda de
um filho é insuportável.” Elas sempre sabem o que dizem, mesmo quando a gente
não entende.
Refleti por alguns segundos.
Respirei fundo.
Olhei para os relógios do passado e do
futuro.
E me levantei. Fui me afastando daquela
cadeira... até que meus olhos não mais a viam.
É melhor deixar tudo como está...
E deixar que Ele me guie.
O destino, afinal, pertence a Deus.
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