Depois de alguns anos e de um sonho...
Ela
levantou-se bem a tempo, antes de todo mundo.
Saiu
de seu quarto pé ante pé, em silêncio. Ainda estava de pijama, muito parecido
com aquele que usava no Natal passado, que era cópia escrita daquele sonho. Só
não trazia mais seu travesseirinho, afinal ela estava bem crescidinha. Pela
janela da sala, viu que ainda estava escuro lá fora.
Desde
que ela o descobriu, no Natal, os anos passaram e ela crescera bastante, tinha
agora quase cinco anos, sabia exatamente como tudo acontecia naquela época do
ano. Dessa vez ela acreditava que conseguiria vê-lo.
Passou
lentamente pela porta do corredor e a encostou, não queria acordar ninguém. Não
por nada, mas acho que ela é meio atrapalhada. Para quem será que puxou? Com
certeza para mim, seu pai.
Lembro-me
quando ela era menor, há dois anos, e tentou fazer exatamente o que fazia
agora. Só que não sabia de nada, não entendia direito o que era o Natal. Também
saiu bem quietinha de seu quarto e atravessou o corredor que vai dar na sala,
mas quando foi fechar essa mesma porta que acabara de ultrapassar, prendeu sem
querer o rabinho do seu cachorrinho. Foi um escândalo. Não o viu a seguindo de
pertinho. Coitadinho, chorou demais e terminou acordando todo mundo. Ainda bem
que nada de grave aconteceu.
Ah!
Mas no ano passado, foi demais.
Foi
a sua primeira tentativa de vê-lo de perto, o Noel. Havia conseguido chegar até
a sala e ficou ali, sentadinha ao lado do sofá, ajeitada sobre uma almofada, quietinha
e aguardando ele chegar. Sabia que não lhe escaparia naquele ano, estava
disposta e encontrá-lo. Ah! Mas a demora de sua chegada, deu-lhe sede e foi até
a cozinha tomar um copo d'água. Sabia que tanto eu como sua mãe, não gostávamos
que ela pegasse água sozinha, de noite. Hoje ela sabe que tínhamos razão, poderia
derrubar o copo e se machucar.
Quando
ela estava levando o copo à boca, escutou um barulho na sala. Colocou o copo na
mesa e rapidamente saiu correndo para lá. Na sua pressa de flagrar o bom
velhinho, pisou no seu ursinho que estava no caminho. Tropeçou e terminou voltando
para trás, enroscando na toalha da mesa e jogando toda a água no chão. Quem
deixou seu o ursinho ali? Não estava ali quando ela foi pegar a água. Cheguei
rapidinho e a ajudei. Não sei como cheguei tão rápido, mas foi providencial.
Nada de grave aconteceu.
Agora,
olhei para o relógio cuco na parede e era quase meia noite, ela também olhou,
já sabia que ele estava para chegar. Abraçou aquele mesmo ursinho que a
derrubou no ano anterior, soltou-se de meus braços, se ajeitou encostando a
cabecinha no braço do sofá e ficou em silêncio. Não olhava para mim ou para sua
mãe, apenas para a árvore. Ficou assim por alguns minutos e aos poucos foi
cedendo e deixando o sono chegar. Então dormiu.
Ela
acordou com minha voz. Chamei-a bem devagar e baixinho. Abriu os olhos, olhou
sorrindo para mim e como se tivesse lembrando-se de algo, olhou assustada em
volta por toda a sala e para a árvore de Natal.
-
Esperando por ele novamente, filhinha.
Não
respondeu, soltou-se de minhas mãos e correu para a árvore. Lá estava seu
presente, novamente com um lacinho rosa. Ela dormira e até sonhou, não me viu
chegar, beijá-la e colocar seu presente bem no centro da árvore, junto aos
demais.
Ela
ficou por alguns minutos, ali parada, olhando para a árvore, e então, pegou seu
presente e deitou-se debaixo da árvore. Como todos os anos, logo eu e sua mãe fomos
nos juntar a ela e ficamos longos minutos vendo o pisca-pisca trabalhando.
-
Pai... Ele existe mesmo? O Papai Noel?
-
Sim filhinha e por mais que você cresça, ele sempre estará aqui neste dia.
-
Eu dormi e não o vi.
-
Eu sei querida, mas tenho certeza que ele a viu e beijou seu rostinho. No ano
que vem você tenta de novo.
-
É. Feliz Natal, papai e mamãe.
-
Feliz Natal, meu amorzinho.
*Conto premiado no Projeto Aparere “Coletânea de Natal”, da editora Perse em 2020
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