Depois de
alguns anos e de um sonho…
Ela se levantou bem a tempo, antes de todo mundo.
Saiu do quarto pé ante pé, em silêncio. Ainda estava de
pijama — um muito parecido com aquele que usava no Natal passado, que parecia
ter saído direto do sonho que tivera. Só não trazia mais o travesseirinho…
afinal, agora ela já estava crescidinha.
Pela janela da sala, viu que ainda estava escuro lá fora.
Desde aquele Natal em que tudo mudou, Sofia havia crescido
bastante. Agora, com quase cinco anos, achava que já sabia como tudo acontecia
nessa época do ano. Dessa vez, ela estava determinada: conseguiria vê-lo.
Passou devagarinho pela porta do corredor e a encostou com
cuidado. Não queria acordar ninguém. Não por nada… mas, entre nós, acho que ela
é meio atrapalhada. Puxou a quem? A mim, claro — seu pai.
Lembro bem de quando ela era menor, uns dois anos atrás, e
tentou fazer exatamente o que fazia agora. Naquela época, não entendia direito
o que era o Natal. Também saiu sorrateira do quarto, atravessou o corredor rumo
à sala, mas ao fechar a porta acabou prendendo o rabinho do cachorro. Um
escândalo. Ela nem percebeu que o bichinho a seguia de pertinho. Coitadinho,
chorou tanto que acabou acordando todo mundo. Felizmente, nada sério aconteceu.
Ah, mas no ano passado... foi uma aventura.
Foi sua primeira tentativa séria de ver o Noel de perto.
Chegou até a sala e ficou sentadinha ao lado do sofá, ajeitada sobre uma
almofada, em silêncio, esperando. Estava decidida a não deixar o bom velhinho
escapar. Só que a demora bateu forte — e com ela, a sede. Foi até a cozinha
buscar um copo d'água, mesmo sabendo que nem eu, nem sua mãe gostávamos que ela
fizesse isso sozinha à noite. Hoje ela entende que tínhamos razão: podia se
machucar.
Quando levou o copo à boca, ouviu um barulho vindo da sala.
Largou tudo e correu. Mas, no caminho, pisou justamente no ursinho que alguém —
ou alguma coisa — deixara no chão. Tropeçou, caiu de costas, puxou a toalha da
mesa e derrubou toda a água. O ursinho não estava ali antes. Quem o pôs ali?
Cheguei a tempo de ajudá-la. Nem sei como cheguei tão
rápido, mas fui preciso. No fim, mais um Natal salvo, sem nenhum machucado.
E agora, ali estávamos nós de novo. Olhei para o relógio
cuco na parede: quase meia-noite. Ela também olhou. Sabia que ele estava para
chegar.
Abraçou o mesmo ursinho do acidente anterior, soltou-se dos
meus braços e se ajeitou encostando a cabecinha no braço do sofá. Silenciosa,
olhos fixos na árvore. Não olhava nem para mim, nem para sua mãe. Só para a
árvore.
Ficou assim por alguns minutos... e, aos poucos, o sono
venceu.
Adormeceu.
Mais tarde, foi minha voz que a acordou. Falei baixinho, com
cuidado.
Ela abriu os olhos, sorriu e, como se de repente lembrasse
de algo, olhou rápido ao redor da sala e para a árvore de Natal.
— Esperando por ele de novo, filhinha...
Ela não respondeu. Soltou-se das minhas mãos e correu até a
árvore.
Lá estava seu presente. De novo, com um lacinho rosa.
Ela dormira e sonhara. Não me viu chegar, nem me viu beijar
sua testa e colocar seu presente bem no centro da árvore, junto aos outros.
Ficou parada por alguns instantes, só olhando. Depois, pegou
o presente com cuidado e deitou-se debaixo da árvore. Como todos os anos, logo
eu e sua mãe nos juntamos a ela. Ficamos ali, por longos minutos, só observando
o pisca-pisca colorido fazendo sua mágica.
— Pai... ele existe mesmo? O Papai Noel?
— Sim, filhinha. E por mais que você cresça, ele sempre
estará aqui, neste dia.
— Mas eu dormi e não vi.
— Eu sei, querida... mas tenho certeza de que ele a viu. E
beijou seu rostinho. No ano que vem você tenta de novo.
— É... Feliz Natal, papai. Feliz Natal, mamãe.
— Feliz Natal, meu amorzinho.
*Conto premiado no Projeto Aparere “Coletânea de Natal”, da editora Perse em 2020
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