sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Uma surpresa no dia de Natal

Eu já estava no ônibus, indo para casa, quando José subiu.

Era um dia especial. Havia acordado muito cedo e fui participar do almoço de Natal com meus filhotes. Fora um dia muito feliz, com todos os filhotes a minha volta.

Estava naquele momento, pegando o primeiro dos três ônibus que fazia parte da longa jornada de volta para casa, este indo rumo a rodoviária de São José dos Campos. A primeira parte das quatro etapas de meu percurso de regresso, eu fiz de carona com meu filhote mais velho. Ele trouxe-me de moto até o centro da cidade, para que eu pegasse esse ônibus. Agora, já sentado no banco do ônibus, trazia preso entre minhas pernas, a surrada mochila e na mão, o também já muito surrado, capacete (sabia da carona do filhote, então me preveni. Andar sem capacete, jamais).

Já estava tranquilo e ajeitado, sentado no banco logo ao lado do cobrador. No meu MP3, Rammistein soltava a voz com Mein Teil. Logo no primeiro ponto, depois de onde subi, o motorista parou e ele entrou.

Inevitável não chamar a atenção. Tinha tatuagens até no pescoço. Trazia nas costas uma mochila enorme, suja e um tanto maltratada. Preso a ela, como se estivesse agarrado para não cair, um pequeno leãozinho, desses de pelúcia. Lembrou-me muito o Léo, o leãozinho do meu filho, quando pequeno. Mas isso é outra história...

Já havia passado por mim, quando voltou, olhou-me e sorrindo disse:

- Janis Joplin!

Fazia referência a estampa da minha camiseta. Era toda preta com a imagem de Janis sorrindo e amparando seus óculos azuis com a mão. Pediu licença, colocou sua enorme mochila no chão e sentou-se ao meu lado.

Ele parecia um andarilho. Trazia na cabeça, um daqueles chapéu rasta com as cores da Jamaica, prendendo um cabelo tipo Bob Marley. Sua barba grande e maltratada, lembrava Raul. Uma figura exótica sem dúvida.

Sua mochila era impressionantemente grande, na cor caqui. Trouxe-a mais próximo aos pés, ajeitou o pequeno leão e estendeu-me sua mão.

- Sou José de... Só José mesmo.

Repeti seu gesto apertando-lhe a mão, por sinal muito firme e apresentei-me.

- Cara, eu sentei-me aqui porque vi sua camiseta. Eu adoro a Janis. As pessoas esquecem muito rápido de tudo.

Retirando o fone do ouvido e desligando o MP3, comentei.

- Verdade. Eu a curto muito também.

José me parecia ser uma boa pessoa, apesar de sua aparência rústica e um cheiro forte de suor. Estava indo para Ubatuba no litoral, vivia da venda de pequenos artesanatos. Viera para o Vale do Paraíba, passar o Natal com amigos e regressava depois de dois dias em Jacareí. Esperava boas vendas nos dias que antecedia a virada do ano, a movimentação na praia seria muito grande.

Conversamos um pouco mais sobre músicas, Janis e descobri que tínhamos mais uma coisa em comum no mundo da música. Ambos gostávamos de John Lennon, o melhor dos rapazes de Liverpool. Pobre Paul.

Após alguns minutos, José de repente ficou calado e baixou sua cabeça. Pensei até que ele estava cochilando e então, começou a estralar os dedos, criando um ritmo e começou a cantar:

- Oh Lord, won't you buy me a Mercedes-Benz? My friends all drive Porsches, I must make amends...

Era um clássico de Janis Joplin, Mercedes Benz. Todos começaram a olhar em nossa direção. Ele chamava mais a atenção, pelo tom firme e suave que cantava. Sabia realmente a letra. Levantou lentamente a cabeça, virou-se para mim dizendo:

- Pensa que não conheço Janis? Vamos lá cara, cante comigo.

Fiquei atônito e meio sem jeito. E ele insistiu:

- Vamos lá, me  acompanhe.

Não sabia o que fazer, enquanto todos olhavam para nós e ele repetia o início da música, agora mantendo o ritmo batendo palmas. Nunca vi ou me aconteceu algo assim.

Então o cobrador, que estava logo atrás de mim, bateu em meu ombro e incentivou-me:

- Canta.

Ele, um rapaz com aproximadamente de 25 anos, também começou a estralar os dedos. E então começamos um dueto. No início muito tímido depois mais solto. E não é que ele sabia toda a letra da música? Enquanto eu o acompanhava em apenas algumas partes.

Apesar do mau jeito, quando acabamos recebemos até palmas e assovios. Pode ser isso? Acho que eu estava mais vermelho que um tomate, e olha que não sou tão tímido assim.

Foi tudo inusitado, natural e muito legal. Nunca me vi cantando em público assim, especialmente dentro de um ônibus, quanto mais Janis. Quando penso que a vida já me aprontou de tudo, acontecem coisas assim. Incrível o que o Natal nos faz. 

Foi massa. Só faltou o mais importante, registrar aquele momento através de uma foto. Sempre deixo escapar esses momentos, deve ser por não gostar muito de tirá-las.

Obrigado José, que Deus lhe permita viver muito mais experiências e curtir a vida.

Um abraço e até qualquer dia.

- Oh Lord, won't you buy me a Mercedes-Benz.



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