Sempre sonhei
em ter um Maverick V8. Sair por aí dirigindo, sentindo o ronco do motor e o
vento no rosto. Era o carro dos meus sonhos.
E tudo começou de forma inesperada.
Eu estava andando com o Nando, meu melhor amigo desde o
primeiro ano da escola, quando paramos em frente a uma vitrine. E lá estava
ele: o Maverick V8 azul e branco.
Fiquei paralisado. Meus olhos grudaram naquela máquina como
se fossem imãs. O capô azul royal exibia duas faixas brancas que corriam do
para-brisa até o bico do carro. Nas laterais, outra faixa branca acompanhava o
contorno. Era exatamente como eu imaginava. Como se tivesse saído direto do meu
sonho para aquela vitrine.
Nando me chamava, tentando me tirar do transe, mas eu não
ouvia. Estava hipnotizado.
A partir daquele dia, passei a inventar desculpas para
cruzar com a loja diariamente. Só para vê-lo mais uma vez. E mais uma. E mais
uma. Comecei a guardar cada moedinha que podia. Minha missão era clara: aquele
carro seria meu.
A obsessão foi tanta que até sonhei com ele.
Naquele sonho, eu dirigia por uma estrada rumo ao litoral.
Os vidros abertos deixavam o vento acariciar meu rosto, enquanto no rádio
tocava minha música favorita do Elvis, Suspicious Minds.
Ao meu lado, estava a Marcinha. Usava óculos escuros e uma
blusa azul-clara com bolinhas brancas. Desde o dia em que recolhi os livros que
ela deixou cair no pátio da escola, meu coração era dela. E, naquele sonho,
ríamos de alguma coisa sem sentido enquanto o Maverick cortava a estrada.
O volante era leve como seda. Cada marcha que trocava
parecia alimentar o carro, dar-lhe força, como se o motor pulsasse junto com
meu coração. Era como se eu conhecesse cada pistão pelo nome. E os carros à
frente? Assim que viam a frente intimidadora do meu Maverick pelo retrovisor,
imediatamente abriam passagem. Eu sorria ao vê-los ficando para trás.
Acordei com aquele som ainda nos ouvidos. O ronco do motor,
a risada da Marcinha, a melodia do Elvis.
Trabalhei feito gente grande. Fiz serviços extras, alguns
pesados, tudo para acelerar a conquista do meu sonho. Nada me desanimava.
Nando, por outro lado, começou a se afastar. Dizia que eu só
falava daquele carro e que, ao chegar à loja, esquecia do mundo. Talvez ele
tivesse razão — eu realmente esquecia. Fechava os olhos e podia quase ouvir o
motor ligado, chamando por mim.
Mas um dia, ao chegar à vitrine, levei um choque: o carro
não estava lá. Apenas a placa amarela com os dizeres "Vende-se Maverick
V8" permanecia, como um aviso cruel. Entrei correndo na loja. Falei tão
rápido com o vendedor que ele nem entendeu. Tive que levá-lo até o local vazio,
apontar a placa e praticamente implorar por uma explicação.
Ele riu e explicou que o carro havia sido retirado apenas
para a limpeza do espaço, mas que voltaria no dia seguinte ou no outro.
Respirei aliviado, mas antes que eu saísse, ele colocou a
mão no meu ombro e disse:
— Meu rapaz, é melhor você arrumar logo esse dinheiro. Muita
gente já veio ver esse carro. É uma raridade. Não vai aparecer outro igual.
Aquelas palavras não saíam da minha cabeça. Talvez fosse só
papo de vendedor, mas funcionou. Em três dias, fui pedir ajuda ao meu pai para
completar o valor que faltava. Contei sobre todo o meu esforço, o quanto aquele
carro significava pra mim. Falei até do som que eu ouvia ao fechar os olhos.
Ele me olhou com seriedade e respondeu:
— Era isso que você queria com tanto esforço? Amanhã vamos
ver esse carro juntos, e decidimos.
Aceitei. Não tinha escolha.
Foi a noite mais longa da minha vida. Rolei na cama até
tarde, sem conseguir dormir. No dia seguinte, levantei cedo, pronto. Chamei meu
pai, que ainda tomava café com a maior calma do mundo. Eu, do lado de fora,
perto do portão, suava em expectativa.
Quando finalmente saímos, eu mal conseguia prestar atenção
no caminho. Meu pai até me chamou a atenção por atravessar a rua sem olhar.
Depois de uma eternidade, chegamos à loja.
Agarrei o braço dele e fui direto ao vendedor. O carro
estava lá, brilhando.
— Ainda está pelo mesmo preço? — perguntei, quase sem
fôlego.
— Sim. — respondeu ele, sorrindo.
Entreguei-lhe todo o dinheiro que tinha. Faltava um pouco.
Olhei para meu pai.
— Tudo bem — ele disse, com um sorriso. — Eu completo. O
carro é dele.
O vendedor abriu a vitrine, pegou a miniatura do Maverick V8
e a placa amarela. Colocou tudo em minhas mãos.
— Vendido. E a placa também é sua.
Foi o dia mais feliz dos meus dez anos de vida. Meu pai,
percebendo isso, me levou para comemorar com um sorvete. Por conta dele, é
claro.
Hoje, ao olhar para a estante do meu quarto, vejo o velho
carrinho e a plaquinha já desbotada pelo tempo: "Vende-se Maverick
V8". E lembro imediatamente do meu pai.
Que saudade.
E ainda hoje, se fecho os olhos com força, consigo ouvir...
o ronco do motor do carro dos meus sonhos.
Obrigado, papai.
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