quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Maverick V8

Sempre foi meu desejo ter um e sair rodando por aí... O carro dos meus sonhos.

E foi assim que aconteceu.

Estava andando com o Nando, meu melhor amigo desde o primeiro ano na escola, quando deparamos com aquela vitrine. E lá estava ele, o Maverick V8 azul e branco.

Imediatamente, encostei e fiquei a olhá-lo boquiaberto. Era exatamente como eu queria.

Sobre o capô azul royal, sobressaiam duas faixas paralelas, brancas, desde o para-brisa, até o bico do carro e, nas laterais, também corria uma faixa na mesma cor.

Por mais que meu amigo Nando me chamasse, não conseguia me mover. Estava hipnotizado.

Desde então, comecei a passar por aquela loja todos os dias. Tudo quanto é tipo de desculpa, eu inventava só para passar por ali e vê-lo, sempre torcendo para que ninguém o comprasse. A partir do primeiro dia que o vi, comecei a guardar cada centavo para conseguir comprar aquele carro.

Tanta era minha vontade de tê-lo que, uma noite dessas sonhei com ele.

No sonho, estava numa estrada rodando em sentido ao litoral. Com os vidros abertos, sentia o vento tocar meu rosto. No rádio uma canção de Elvis Presley, por coincidência a minha predileta, "Suspicious Minds".

Ao meu lado, sentada, toda a vontade com seus óculos escuros e uma blusa azul claro, com detalhe de bolinhas brancas, estava Marcinha. Minha amada, desde o primeiro ano da escola, quando ajudei a recolher seus livros caídos no chão, ao trombar com um desastrado qualquer. Nossos olhos se encontraram e me apaixonei.

No meu sonho, ríamos muito de algo que não sei o que era, enquanto eu acelerava pela estrada a fora. O ronco do motor me encantava. O volante em minha mão parecia de seda, muito leve e macio. A cada marcha que trocava, sentia como se o estivesse alimentando, dando lhe forças. Sentia sua potência como o pulsar do meu coração. Parecia que conhecia cada pistão pelo nome. Os carros a frente, quando me olhavam pelo retrovisor, viam a cara de mau do meu Maverick V8 e imediatamente davam passagem. Adorava ver, pelo espelho, todos os carros ficando para trás. Foi um sonho que nunca esquecerei.

Tive que fazer alguns serviços extras para conseguir o dinheiro mais rápido e alguns deles exigiram muito de mim. Mas para realizar meu sonho, não havia obstáculos que me fizesse desistir.

Nando deixou de me acompanhar. Dizia que eu só dava atenção ao carro e falava todo bronqueado, que quando chegávamos em frente a loja, eu esquecia do mundo. Eu sempre parava ali, fechava os olhos e conseguia ouvir o ronco do motor em minha imaginação. Acho que meu amigo tinha razão.

Certo dia, ao fazer o mesmo caminho, já viciado por minhas pernas e pés, eu parei e me assustei. O espaço onde estava o "meu" Maverick V8 estava vazio. No lugar, apenas a placa amarela escrita "Vende-se Maverick V8" que o apresentava. Mal conseguia respirar e o suor começou a aparecer em meu rosto. Não podia ser verdade. Alguém levara meu carro embora.

Entrei rapidamente na loja e procurei pelo vendedor. Acho que falei rápido demais, pois o coitado não entendeu nada. Agarrei-o pelo braço e o arrastei até o local onde estava o carro.  Mostrei-lhe a placa e o lugar vazio, só assim ele entendeu o que eu queria dizer.

Disse que fora retirado de lá, apenas para limpeza do local onde estava e que, no outro dia ou depois, retornaria ao local.

Pedi desculpas pela forma que o abordei e ele, com a mão em meu ombro, disse-me:

- Meu rapaz, eu acho melhor você arrumar logo esse dinheiro, porque outras pessoas já vieram ve-lo. É uma raridade, nunca conseguiremos outro igual.

Pronto! Acabou a minha paz.

Desde esse dia, não consegui mais dormir direito. Talvez aquelas palavras fossem apenas artimanha de vendedor, e se foi sua intenção me apressar a comprar, ele conseguiu. Três dias depois fui pedir emprestado para o meu pai o faltante do dinheiro para comprar o carro. Para convencê-lo, disse o quanto me sacrifiquei para juntar o valor e o quanto esse carro representava pra mim. Contei-lhe até do som do motor que ouvia, quando fechava meus olhos.

Ele olhou-me seriamente e falou:

- Era para isso que estava guardando seu dinheiro? Vamos ver amanhã, que carro especial é esse e então decidiremos.

Meio contrariado, mas precisando do dinheiro, aceitei.

Aquela foi a noite mais longa da minha vida. Demorei muito a pegar no sono e rolei a noite toda na cama. Não me lembro de ter sonhado aquela noite, talvez pela ansiedade. Mas enfim, chegou o outro dia.

Levantei cedo e me aprontei. Chamei por meu pai, que ainda tomava seu café tranquilamente, como se não fossemos fazer a coisa mais importante da minha vida. Tudo bem, eu tinha que ter paciência e esperei controladamente, do lado de fora de casa, perto do portão de saída.

Foram minutos eternos, que pareceram horas. Mas enfim, ele saiu de casa e lá fomos nós.

Estava tão nervoso que não ouvia uma só palavra que ele me dizia. Por duas vezes, chamou-me a atenção ao atravessarmos as ruas. Depois de dez minutos de caminhada, chegamos à loja.

Puxei meu pai pelo braço e fomos procurar aquele vendedor. O achamos no fundo da loja e o levei até o carro.

Perguntei-lhe sobre o preço e soube que não aumentara. Imediatamente, disse que seria meu. Entreguei-lhe o dinheiro e voltei-me para o meu pai.

O vendedor contou, viu que faltava, olhou para meu pai que sorrindo lhe disse:

- Tudo bem, eu completo o que falta. O carro é dele.

O vendedor também sorrindo, abriu a vitrine, pegou a miniatura do "Maverick V8", a placa amarela e me entregou.

- Vendido e essa placa também é sua. – disse me entregando a placa amarela.

Foi o dia mais feliz dos meus dez anos de vida e acho que meu pai também percebeu, pois colocou a mão em meu ombro e levou-me a uma sorveteria, para comemorar a compra.

Por sua conta, é claro.

Hoje, quando vejo em minha estante, o velho carrinho com uma plaquinha já muito mais amarelada pelo tempo, escrita "Vende-se Maverick V8", lembro-me imediatamente de papai. Que saudades dele. E ainda hoje, ao fechar meus olhos, escuto o ronco do motor do carro dos meus sonhos.

Obrigado papai..





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