Primeiro, pensei que fosse passar reto, talvez indo falar
com alguém atrás de mim. Mas não: ela parou bem diante dos meus olhos e disse,
com um sorriso:
— Bom dia!
Paralisei.
Sempre tive esse problema. Não sei se é timidez ou alguma
pane interna, mas, diante de certas pessoas, eu simplesmente travo. Era como se
meu corpo esquecesse de se mover, de respirar... de existir.
Fiquei ali, imóvel, esperando que meus neurônios, em choque,
voltassem a funcionar. Só despertei de verdade quando ela completou, com uma
voz que parecia música:
— Pode me ajudar?
Senti o velho tremor invadir as mãos, o sangue voltar a
correr nas veias, o ar finalmente preencher meus pulmões. Pisquei algumas vezes
e, meio que reaprendendo a falar, respondi:
— Sim...?
— Gostaria de um sapato preto, daquele modelo ali.
Ela se virou para apontar. E o mundo virou junto.
Seu gesto foi em câmera lenta: o movimento suave dos cabelos
soltos, o leve balançar dos fios espalhando no ar um perfume doce e discreto.
Eu deveria ter seguido a direção de seu dedo, mas meus olhos se recusavam a
abandonar sua imagem.
Só quando ela insistiu, sorrindo de leve:
— Aquele ali, com detalhes em pequenos cortes.
Acordei de novo.
— Ah... claro! — gaguejei.
Pedi que se sentasse em uma poltrona e corri para o estoque.
Ou melhor, tentei correr sem virar o pescoço, sem perder de vista aquela visão.
Ela era perfeita.
Cabelos longos, brincos dourados discretos, nariz pequeno e
levemente arrebitado. Lábios rosados e sensíveis. Uma gargantilha simples em
torno do pescoço delicado. O vestido leve contornava suas curvas com uma graça
natural. Tudo nela parecia ter sido desenhado com esmero: cintura, quadris,
joelhos pequenos e bem-feitos, pernas torneadas...
Ela era harmonia em forma de gente.
— Vai atender ou vai ficar dormindo aí? — resmungou o chefe,
quebrando meu encantamento como um vidro estilhaçado.
Peguei dois pares de sapato, menores, e voltei para minha
Cinderela, pronto para calçar o seu "sapatinho de cristal".
— Hã... — me ajeitei, tentando parecer confiante — Desculpe,
que número você calça?
— 43 — respondeu, sorrindo.
Congelado de novo, olhei para os sapatos miúdos em minhas
mãos, olhei para ela, de novo para os sapatos... e ri, sem conseguir evitar.
— Um minutinho! — disfarcei, já rindo — Acho que esses
vieram com defeito. Vou pegar os certos pra você.
Pois é. Diante de tamanha beleza, tudo parecia pequeno.
E olha... de pés eu entendo.
43... Caracas!
Acontece.
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