quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Minha Cinderela

Quando ela entrou, eu não percebi. Estava ajeitando uma prateleira ou guardando algo, não lembro ao certo. Só sei que, apesar dos colegas se apressarem para atendê-la, foi na minha direção que ela veio.

Primeiro, pensei que fosse passar reto, talvez indo falar com alguém atrás de mim. Mas não: ela parou bem diante dos meus olhos e disse, com um sorriso:

— Bom dia!

Paralisei.

Sempre tive esse problema. Não sei se é timidez ou alguma pane interna, mas, diante de certas pessoas, eu simplesmente travo. Era como se meu corpo esquecesse de se mover, de respirar... de existir.

Fiquei ali, imóvel, esperando que meus neurônios, em choque, voltassem a funcionar. Só despertei de verdade quando ela completou, com uma voz que parecia música:

— Pode me ajudar?

Senti o velho tremor invadir as mãos, o sangue voltar a correr nas veias, o ar finalmente preencher meus pulmões. Pisquei algumas vezes e, meio que reaprendendo a falar, respondi:

— Sim...?

— Gostaria de um sapato preto, daquele modelo ali.

Ela se virou para apontar. E o mundo virou junto.

Seu gesto foi em câmera lenta: o movimento suave dos cabelos soltos, o leve balançar dos fios espalhando no ar um perfume doce e discreto. Eu deveria ter seguido a direção de seu dedo, mas meus olhos se recusavam a abandonar sua imagem.

Só quando ela insistiu, sorrindo de leve:

— Aquele ali, com detalhes em pequenos cortes.

Acordei de novo.

— Ah... claro! — gaguejei.

Pedi que se sentasse em uma poltrona e corri para o estoque. Ou melhor, tentei correr sem virar o pescoço, sem perder de vista aquela visão.

Ela era perfeita.

Cabelos longos, brincos dourados discretos, nariz pequeno e levemente arrebitado. Lábios rosados e sensíveis. Uma gargantilha simples em torno do pescoço delicado. O vestido leve contornava suas curvas com uma graça natural. Tudo nela parecia ter sido desenhado com esmero: cintura, quadris, joelhos pequenos e bem-feitos, pernas torneadas...

Ela era harmonia em forma de gente.

— Vai atender ou vai ficar dormindo aí? — resmungou o chefe, quebrando meu encantamento como um vidro estilhaçado.

Peguei dois pares de sapato, menores, e voltei para minha Cinderela, pronto para calçar o seu "sapatinho de cristal".

— Hã... — me ajeitei, tentando parecer confiante — Desculpe, que número você calça?

— 43 — respondeu, sorrindo.

Congelado de novo, olhei para os sapatos miúdos em minhas mãos, olhei para ela, de novo para os sapatos... e ri, sem conseguir evitar.

— Um minutinho! — disfarcei, já rindo — Acho que esses vieram com defeito. Vou pegar os certos pra você.

Pois é. Diante de tamanha beleza, tudo parecia pequeno.

E olha... de pés eu entendo.

43... Caracas!

Acontece.

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