domingo, 19 de agosto de 2012

Andarilho VII - Moinhos de vento - Parte I


Valeu a força de pai e filho, de Volta Redonda. Conseguira unir os dois e de quebra, como recompensa, ganhei uma carona até Três Rios, já há 365 km do ponto de partida. E foi entrando na cidade que conheci Gilberto.
Estava vendendo bilhete da loteria federal em sua cadeira de rodas, em um ponto de ônibus. Sorrindo me ofereceu e disse "A sorte está com você hoje". Ele tinha razão.
Coloquei a mochila no chão ao seu lado e disse que não queria, porém se pudesse me recomendar um local barato para o almoço, ficaria grato. Ainda sorrindo olhou-me e disse que o almoço ele pagava. Virou a cadeira para a posição oposta e partiu a travessar a rua. Fiquei a observá-lo. Entrou num bar falou com uma moça, apontou em minha direção, fez um sinal que correspondi e logo a moça trazia uma sacola plástica com algo dentro e lhe entregou. Ele agradeceu e voltou em minha direção.
Desviando com destreza dos carros que circulavam pela rua, chegou até mim dizendo.
- E ai Quixote... Vamos almoçar? - Eram duas marmitas com comida.
O segui até um galpão ao lado do ponto, com Dingo ao meu lado. Sentei-me num pequeno banco e ele me entregou uma marmita.
- Por que me chamou de Quixote?. Perguntei.
- Oras... Quem mais seria? Um caminhante com um escudeiro, a transitar pela rodovia afora, só poderia ser um Quixote. Acertei? Então estás atrás de uma Dulcinéia.
- Não entendo como sabe disso tudo, é verdade me sinto Quixote atrás de uma Dulcinéia e até arrumei um Dingo Pança pra me acompanhar.
- Almocemos... Disse Gilberto sorrindo.
Gilberto disse-me que fora um andarilho que terminou em Volta Redonda sua caminhada, após se atropelado no acostamento. Socorrido, terminou ficando naquela cadeira de rodas e ficando naquela cidade após receber abrigo de Soninha, a moça que deu as marmitas. Hoje mora no fundo do bar.
Como foi um andarilho também, reconheceu em mim as mesmas características que já teve e apesar de sua busca ser outra, também encontrou sua Ducinéia, não correspondido, mas a encontrou. Vivia feliz ali e isso o bastava.
Depois do almoço, agradeci e ia saindo pra continuar a caminhada, quando se prontificou a dividir seu cantinho nos fundos do bar comigo por hoje, caso eu ficasse por ali. Falei que precisa caminhar se quisesse chegar a próxima cidade antes do anoitecer. Peguei minhas coisas e chamei Dingo, ainda descansando do almoço. Saímos para voltar à estrada enquanto Gilberto foi para os fundos do galpão. 
Passava neste momento pelo bar de onde Gilberto pegara as marmitas, quando a mesma moça me chamou. 
- Boa tarde... Cadê seu primo?
- Primo?... Ah você quer dizer o Gilberto... Não é meu primo o conheci hoje, é apenas mais um amigo, ele disse que eu era seu primo?
Ela disse que Gilberto contara que eu era seu primo que chegava de longe e que precisava comer e um lugar pra descansar uma noite, por isso ela dera as duas marmitas, já que dava o almoço e janta a ele todos os dias e concordara que eu dormisse nos fundos do bar no quarto dele.
Falei que nada tinha com ele, agradeci pelo almoço e propus pagar, o que ela rejeitou imediatamente. Era uma mulher bonita, com traços de quem lutou muito nessa vida. Deixou-me ficar essa noite com ele, caso quisesse, mas respondi-lhe que tinha que ir.
- É um andarilho também, não é?
A pergunta veio de surpresa e acho que demonstrei isso. Não neguei e percebi uma mudança em seu olhar. Acho que algo acontecia neste momento, mas não pude entender.
Insistiu pra que ficasse e até me ofereceu um serviço temporário pra ganhar uns trocados até amanhã e depois eu poderia seguir. Não sei o porquê ao certo, mas aceitei.
Precisava organizar diversas caixas de garrafas pra arrumar espaço pra que Soninha construísse, mas um cômodo, que segundo ela seria para ampliar o bar e começar a servir refeições. Um mini-restaurante. Sem pensar muito me entreguei ao trabalho.
Depois de algum tempo Soninha me trouxe suco e um lanche, como o movimento estava fraco deixou um funcionário cuidando dobar para me trazer o lanche da tarde. Ficamos alguns minutos conversando e contei-lhe minhas aventuras e rimos juntos. Terminado o lanche ela retornou ao bar.
Era muito simpática, separada há alguns anos, o marido a trouxera do interior de Minas Gerais e a abandonara para ir embora com outra mulher pro sul do país. Resolveu então montar um bar pra ganhar a vida e deu certo. Esforçada e dedicada, lutou muito até conseguir e quando tudo parecia que ia bem... Quase matou uma pessoa... Gilberto.
Fora ela quem o havia atropelado na estrada.






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