domingo, 15 de julho de 2012

Andarilho III - Norminha


150 km
Depois de dormir em Taubaté, segui logo cedo meu caminho o tempo estava agradável e imaginava caminhar pelo menos 30 km neste dia.
O sol estava nascendo quando alcancei a rodovia, ventava levemente e podia sentir o cheiro da manhã. No acostamento via as gramas ainda cobertas pelo orvalho enquanto sinalizava pedindo carona.
Uma pequena caminhonete sinalizou e encostou. Uma carona...
Norninha, uma senhora simpática com seu neto o Guga como ela o chamavam estavam levando ração para o sitio do pai de Guga em Cruzeiro.
Guga já estava com 18 anos, aliás, percebi que foi esse o motivo que ela me deu a carona, estava segura. No entanto me parecia muito reservado, ao contrario de Norminha muito simpática e comunicativa.
Comentou que estava com um problema precisava descarregar toda a ração que era muito e só conseguira Guga para a tarefa, então me prontifiquei a ajudá-los. Então a deixamos na casa principal do sitio e fomos com a caminhonete descarregar, mas não antes de tomar um café que Norminha insistiu em fazer pra mim. Deixamos Norminha arrumando as coisas na cozinha e fomos ao galpão guardar as rações. Combinamos de esperá-la ali, para me deixarem na rodovia novamente.
Já iniciado o descarregando, Guga e eu começamos a conversar, ele se soltando aos poucos explicou o porquê de tanta ração, sua avó criava carneiros e cabras e doava boa parte da produção do leite pra um hospital infantil.
Falava-me com muito orgulho da avó, da vida dura que teve pra criar seu pai e mais três irmãos, o avô falecerá ainda novo. Sua empolgação aumentava enquanto falava de Norminha, disse que morava com ela por vontade sua, pelo apego que tinha a ela.
Porém, confessou estar preocupado com ela, pois havia passado pelo atendimento médico constantemente e feito muitos exames. Ele não sabia o que ela realmente tinha e como ela escondia, ele ficava bravo com isso.
Como adorava a avó então ficava aborrecido, mas ela sempre o fazia sorrir, ela era muito bem humorada,  sempre sorrindo e ajudando pessoas como fez comigo.
Guga falou que antes de pararem pra minha carona ele discutiu com ela por fazer sempre isso, era perigoso, nem todos eram boa gente como eu. Claro que Guga tinha razão, mas ela sempre fazia questão de fazê-lo.
Quando terminamos ficamos ainda um bom tempo sentado conversando esperando Norminha. Contou-me da infância com a avó, das festas de rodeio que foram juntos, como ela o ajudava em tudo e fizera dele um homem, com bons estudos e educação.
Era lindo vê-lo falar assim dela.
Não sabia dizer o porquê, mas sentia que aquele encontro não fora simplesmente uma coincidência. Sentia que era algo forte e com um sentido puro e profundo. Norminha demorava demais e fiquei preocupado com o horário. Como o irmão de Guga estava pra chegar ele decidiu me levar e depois voltar pra ficar com a avó. No caminho em direção a rodovia onde eu continuaria minha caminhada contei ao Guga minha aventura na busca de minha Dulcinéia e ele divertiu-se muito rindo e achando que eu era maluco de sair assim pelo mundo. Deixou-me na beira da estrada e enquanto comecei a caminhar ele estava manobrando a caminhonete, de repente atendeu o celular e percebi com o aumento da distância entre nós, o seu choro convulsivo... Acho que descobrira que Norminha não estava mais entre nós.
Como eu sei? Tai, não sei dizer... Só senti, só sei caminhar.
E esta caminhada continua me surpreendendo e nem tudo nela será alegria.



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