A semana tinha sido longa, dessas que
deixam a alma pesada. Era o segundo dia de um feriado chuvoso, e tudo que eu
queria era escapar da rotina. Com o carro novo na garagem, enxerguei a
oportunidade perfeita: uma ida até a chácara do meu irmão. Um descanso merecido
e, de quebra, a chance de amaciar o motor novinho.
Levantei cedo e chamei minha garota. Enquanto ela se
arrumava, fui mimar o carro. Um pano na lataria, tirando o pó com carinho, e
aquele cheirinho bom no interior — desses que fazem o carro parecer um abraço
acolhedor. Tudo ainda dentro da garagem, claro, porque a chuva lá fora não dava
trégua. Com o som ligado e um cuidado quase cerimonial ao volante, partimos
para um dia tranquilo no campo.
A sexta à noite prometia uma peixada já combinada com meu
irmão, e ele me encarregou de sugerir algo leve para o almoço de sábado. A
ocasião era importante: minha namorada seria oficialmente apresentada à
família. O dia seguinte incluía chá com biscoitos, uma sessão de fotos
improvisada e, claro, minhas sobrinhas empoleiradas no "tio
favorito", em meio a risadas e bagunça.
A chácara era modesta, mas encantadora. Tinha cães, aves,
tartarugas e um pomar generoso. Um refúgio. Após a peixada, decidi dormir na
rede da varanda, embalado pelo som da chuva mansa. Esperei todos se recolherem,
preparei meu cantinho com uma manta grossa, um travesseiro, coloquei Janis
Joplin no MP3 e me deitei, pronto para uma noite diferente.
O céu havia se aberto. Era como uma tela viva: um mar de
estrelas brilhando em silêncio, sem a poluição da cidade. A lua minguante
parecia sorrir para mim. Os grilos cantavam solenes, e tudo conspirava para a
paz mais perfeita. Fiquei ali por horas, hipnotizado, até que o sono me levou,
leve e sereno.
Ou quase.
Às 5h30, fui brutalmente acordado pelo canto estridente de
um galo. O susto foi tão grande que rolei da rede direto para o chão. Com o
coração disparado e os cabelos em pé, olhei ao redor procurando o autor daquele
escândalo. E lá estava ele. Em pé... no teto do meu carro novo. Andava de um
lado para o outro, riscando a pintura com suas garras afiadas e, como se não
bastasse, deixando seu “autógrafo” no capô.
Fitei o animal com uma calma assassina e pensei: Acho que
tenho uma sugestão para o almoço.
Levantei-me devagar, ainda atordoado, e comecei a chamá-lo
com a doçura falsa de quem trama vingança:
— Vem cá, bichinho... vem cá...
O que se seguiu foi digno de uma comédia pastelão:
escorregões, batidas na canela, tentativas frustradas de agarrar o danado e
alguns grunhidos abafados para não acordar a casa. Até que, finalmente,
consegui. Lá estava ele, prisioneiro nas minhas mãos, me encarando com aquele
olhar de quem sabia muito bem o que tinha feito.
Um sorriso vingativo começou a se formar no meu rosto... até
que uma voz infantil e sonolenta cortou o momento:
— Bom dia, Tchu-Tchu!
Era minha sobrinha de seis anos, a própria personificação da
doçura.
— Ah! Você gostou do meu galinho Zequinha, né? Ele não é
lindo?
Olhei para o tal Zequinha... e juro que ele sorriu. Um
sorriso cínico, daqueles que só os inocentes — ou os galos — sabem dar.
Suspirei fundo, reuni o pouco de paciência que me restava e soltei o bicho.
Peguei minha sobrinha no colo, tentando ignorar os arranhões
no capô e o cheiro inconfundível de cocô de galo.
Zequinha... só me faltava essa.
Sorte a dele que a tilápia já estava garantida para o
almoço. Porque, sinceramente, ele quase virou a estrela do cardápio.
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