domingo, 10 de junho de 2012

Feriado IV - O futebol

Estava tudo combinado. No meio da tarde, a família inteira se encontraria na casa do maninho — o caçula — para assistir ao jogo. Mas não era qualquer jogo. Era O jogo: Brasil x Argentina.O domingo, último dia do feriadão, amanheceu com cara de final de Copa. Os carros chegavam buzinando, bandeiras tremulando, e a vizinhança era tomada por um grito em coro:

— BRASIIIIIL!

Todos de verde e amarelo, prontos pra torcer, rir, beber e — claro — sofrer. Porque torcer pro Brasil é também treinar o coração.

A churrasqueira já estava acesa antes mesmo do primeiro “bom dia”. O carvão ardia, o cheiro de carne começava a dominar o ar, e o som rolava alto, sem concessões: rock clássico. Alguém se encarregava das cervejas, enquanto outros disputavam quem fazia a piada mais velha. Crianças corriam descalças, mulheres conversavam e riam, e os homens fingiam que estavam “de olho no fogo”, mas já espiavam o relógio de canto, contando os minutos pro apito inicial.

O cenário era aquele que só família grande consegue proporcionar. Tinha de tudo: o casal grudado, que parecia recém-saído de um comercial de margarina; o sujeito que falava mais do carro novo do que do jogo; o amigo alemão — ou quase, já que só o apelido era importado; e a mãe. Ah, a mãe.

Quando alguém gritou:

— Vai começar o jogo!

Instaurou-se o caos. Gente correndo, cadeira pra cá, cerveja pra lá, pratos largados no meio do caminho. Um furacão. Menos pra ela, claro. A mãe ficou lá atrás, recolhendo copos, ajeitando almofadas, organizando o que ninguém mais lembrava de organizar. Você pode dizer mil vezes pra ela deixar pra depois, mas instinto de mãe não tira folga em feriado.

Na hora do hino, como num reflexo ensaiado, um se levantou. Depois outro. E outro. Quando vi, estavam todos de pé, mão no peito, olhos marejados, cantando com aquele orgulho que só aparece de quatro em quatro anos — ou num clássico contra a Argentina.

Apito inicial. Começa o jogo. E o coração começa a bater diferente.

Cada passe era uma promessa. Cada erro, um suspiro. Quando o narrador gritou:

— NA TRAVEEEEEEE!

A sala foi ao delírio. Cadeiras se arrastaram, cervejas foram quase derrubadas. Todos se inclinavam pra frente como se pudessem empurrar a bola com o olhar. Tensão total.

Veio o intervalo. Quinze minutos que pareciam segundos. Mais carne, mais cerveja, mais piada ruim. Mas ninguém relaxava de verdade. O segundo tempo prometia.

E cumpriu. Jogo truncado, nervoso. Até que, nos últimos minutos, a tragédia: gol da Argentina.

O silêncio caiu como um cobertor pesado. Ninguém se mexia. Ninguém respirava. Só a voz do narrador preenchia o espaço. Até que, no fundo do ambiente, uma explosão:

— É goooool! É gooool! É goool!

Todos viraram devagar, em câmera lenta, como numa cena de filme. E lá estava ela. A mãe. Braços erguidos, olhos brilhando, vibrando sozinha no canto da varanda.

Ela percebeu os olhares. A euforia virou dúvida. E, sem entender muito bem, perguntou:

— O Brasil empatou?

A resposta veio como se tivesse sido ensaiada:

— MAAANHÊÊÊÊÊÊÊÊÊÊÊÊÊÊÊÊÊÊ!

E o que antes era tensão virou gargalhada. A tristeza do gol argentino deu lugar ao riso fácil de quem sabe que, no fim das contas, futebol é só desculpa pra reunir quem a gente ama.

Perdemos o jogo. Mas ganhamos mais uma história pra contar nos próximos churrascos. E, sinceramente? Foi uma goleada de alegria.

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